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4.1 O MACROGÊNERO DISCURSIVO: TIPOLOGIA

4.1.1 Estrutura Esquemática dos textos

4.1.1.1 Pseudossolução e volta ao cenário

Uma das características distintas deste gênero, diferentemente de outras Narrativas estudadas por Martin e Rose (2008), é a fase da pseudossolução. Prati- camente todos os exemplares do corpus, com exceção de dois (Seu Gonçalo e Juli-

ana e D. Jorge), têm uma pseudossolução, isto é uma fase que oferece uma solução

que não é a solução definitiva (mas pretende sê-la), que não soluciona o problema. A pseudossolução prolonga a resolução de uma Complicação similar à fase ‗proble- ma‘, mas, diferentemente do problema, pode simultaneamente aumentar a tensão e aliviá-la, porque são momentos cômicos utilizando-se de hipérbole, equívocos e ou- tros recursos retóricos de comédia. Pode-se entender a pseudossolução como uma simples Avaliação pela perspectiva de Martin e Rose (2008, p. 52) quando salien- tam:

Avaliações de complicações narrativas podem variar entre afeto, julgamento de pessoas ou apreciações de coisas e eventos. A avaliação é muitas vezes empregada para suspender a ação, aumentando a tensão narrativa e então intensificando o alívio quando a tensão estiver resolvida.80

Porém, justificamos a criação de uma nova fase pelo amplo uso desse re- curso e os vários tipos que se configuram. Dessa forma, podemos sistematizar num nível de sutileza/delicadeza maior os recursos operantes no sistema de Avaliativida- de a respeito desse tipo de gênero na sua manifestação no contexto do litoral do Rio Grande do Norte e destacá-lo como um elemento que aponta a função do discurso e a sua caracterização. Ademais, a presença deste recurso parece evidenciar uma característica que diferencia a Narrativa dos exemplares que estão mais associados com a produção europeia, ou seja, ele se apresenta como um recurso que distingue o drama do romance.

Os exemplares Seu Gonçalo e Juliana e D. Jorge são os dois que não evi- denciam essa característica. O primeiro se destaca dos demais por ser também do- minado pela voz do homem e linguagem avaliativa do tipo Afe- to/infelicidade/desprazer em vez de Apreciação, que predomina nos outros exempla- res; também Seu Gonçalo tem uma pseudossolução do tipo ameaça, porém o uso não é uma instância de hipérbole, isto é, acreditamos que ele é capaz de realizar o que está propondo na ameaça – assassinar outra mulher –, porque já o fez uma vez e, portanto, não é cômico. Pelo fato de Seu Gonçalo ter assassinado a primeira es- posa, a ameaça de matar uma potencial futura esposa, se ela for ‗falsa‘, entendemos como um enunciado de algo que acontecerá de verdade. Discutimos adiante esses dois exemplares como espelhos um do outro e a falta de humor no seu discurso – evidenciando uma desigualdade perante a lei como tratam assassinatos por causa de traição amorosa– no caso do Seu Gonçalo, está absolvido do crime, porém na casa da Juliana não.

Na constituição dos dados, observamos seis tipos de pseudossoluções:  Ameaça

No drama Manezinho e Mariquinha, ocorre a primeira de uma série de ame- aças que aumentam em graus de intensidade por Mariquinha como pseudossolu-

80―Evaluation of narrative complications can vary between affect, judgement of people, or appreciation

of things and events. The evaluation is often deployed to suspend the action, increasing the narrative tension, and so intensifying the release when tension is resolved‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 52).

ções ao problema da infidelidade de Manezinho – pseudo porque não são realizadas as propostas das orações, como ilustra o exemplo:

Veja lá este enxerido como quem entra na peia, Tu vigia o pai da moça que te bote na cadeia.  Promessa

No texto do drama Tapuia, um estrangeiro tenta seduzir a índia Tapuia para fugir com ele do país:

Eu tenho dinheiro, riqueza e engenho Tudo que tenho só é para ti.

 Rejeição indireta

Em O pescador, ocorre a pseudossolução quando o pescador ignora as se- duções da dona de casa que pede que lhe informe onde ele mora. Pseudo pelo fato de ser uma informação falsa e permitir a continuidade.

O nego véio pretinho bonitinho, quando é que você diz? Ré Ré Senhora Dona, eu moro dentro do seu nariz!  Inversão

No drama Os dois neguinhos, ocorre a inversão do significado de cuidar do bem/bem-estar: o irmão vende por um preço muito baixo o chapéu que seu irmão pediu para guardar.

Eu queria tanto bem

Fui pra lá e vendi pra 10 vintém

Em O bêbado, há a situação de enfrentamento de proibições de comprar ál- cool:

Eu sou um cabra que sempre anda na linha Trago no bolso sempre a minha garrafinha  Impossibilidade

Ocorre no texto do drama O Bêbado quando este propõe o impossível: be- ber morto.

Quando eu morrer quem me levar na sepultura

É de me levar uma garrafa de aguardente sem mistura  Equívoco

No texto do drama Firmina e Manuel, ocorre o equívoco quando, ao declarar o amor por Firmina, Manuel usa uma metáfora dizendo que tem uma coisa friviando no peito.

Manuel isso é arte da doença, Manuel tome um purgante.

O primeiro tipo de pseudossolução, a ameaça, ocorre de forma cômica nos exemplares Mariquinha e Manezinho e Benedito e no exemplar Seu Gonçalo, esse aspecto ocorre de forma sóbria. Os três tratam de relações amorosas. No primeiro, perante a complicação das infidelidades de Manezinho na cidade, Mariquinha ofere- ce uma série de pseudossoluções na forma de ameaças para que ele aceite a pro- posta dela de retornar ao sertão, deixando a cidade e seus males para trás. No se- gundo exemplar, a narradora ameaça Benedito com um feitiço para que ele se case com ela. No terceiro, Seu Gonçalo ameaça de morte qualquer futura esposa com medo de ser traído.

No exemplar Tapuia, há dois tipos de pseudossolução: uma moça indígena, da tribo tapuia, recebe várias propostas de um estrangeiro, chamado ‗cariri‘, nome de outra tribo da região, uma proposta na forma de uma promessa, mas as rejeições dela, afirmando os costumes indígenas, através da repetição dá força ao seu argu- mento. Ela também oferece uma pseudossolução na forma de uma rejeição indireta. Enquanto o estrangeiro promete riquezas, ela repete ‗não sabes cariri que a pobre tapuia só come no caco e bebe na cuia?‘. Dessa forma, ela afirma a si mesma e a seus costumes, com linguagem avaliativa negativa do tipo Apreciação/capacidade, que permite valorizar seus costumes locais e rejeitar indiretamente promessas de fora. É notável que o outro Drama Norte-rio-grandense que utiliza essa estratégia circula firmemente no litoral. Trata-se do drama O pescador, que, vendendo os seus camarões, recebe uma série de cantadas de uma dona de casa, que no final ele re- jeita indiretamente, recusando dar o seu endereço para ela com humor, dizendo que ele ‗mora dentro do seu nariz‘.

No exemplar O bêbado, percebemos também uma espécie de avaliação in- vertida que se configura como uma pseudossolução, quando, perante às proibições de comprar álcool depois de ‗sete em diante‘, ele se avalia como um ‗cabra que sempre anda na linha‘ por trazer no bolso uma ‗garrafinha‘. Brincando com o sentido

de ‗andar na linha‘, aproveitando a polissemia da linguagem do popular perante a exatidão da linguagem jurídica, para duplamente construir os sentidos: um cidadão que obedecesse às leis, por subverter o objetivo da lei, assim um cidadão que não obedecesse às normas institucionais enunciadas pelas leis. Trata-se, assim, de uma inversão de valores, que faz com que a solução seja falsa, bem como a avaliação de si mesmo de forma cômica. Outra pseudossolução neste exemplar é o de ser enter- rado com ‗aguardente sem mistura‘, com a impossibilidade de poder beber após morte.

De forma parecida, a pseudossolução que é simplesmente um equívoco, aproveita a polissemia da linguagem para construir sentidos duplos a respeito do discurso de amor, o que ocorre no drama Firmina e Manuel, quando Firmina inter- preta os sintomas de paixão de Manuel como uma doença e o manda tomar ‗um purgante‘.

Outra característica do gênero Narrativa desta sequência textual no Macro- gênero Drama Norte-rio-grandense é a volta ao cenário inicial, no estágio Desfecho. Essa característica é similar a uma estratégia utilizada em canções, o refrão, e como os Dramas Norte-rio-grandenses são cantados, emprestam esta estratégia, mas co- mo também são Narrativas, isto é, resolvem complicações, o refrão pode voltar com novos significados, pequenas alterações, pelo desdobramento dos estágios, fases e avaliações no decorrer do texto. Por exemplo, a volta ao cenário do sertão em Mari-

quinha e Manezinho: o sertão descrito na abertura e que é menosprezado por Ma-

nezinho, adquire valor depois do percurso conflituoso pela cidade cheia de moças tentadoras e tecnologias complexas. A volta ao cenário inicial, nesse caso, é sinali- zada pelos nomes Firmina e Manuel depois que se casam.

Com essa tipologia dos gêneros que compõem o Macrogênero Drama Norte- rio-grandense, podemos situar esse Macrogênero num quadro de outras tradições orais no RN, conforme nossa sistematização dos gêneros em Macrogêneros (MAR- TIN; ROSE, 2008, p. 218) que compõem uma Família dentro do agrupamento maior que denominamos Comunidade de Estórias Orais. Esse mapeamento constitui a sua topologia.