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2 CAPÍTULO 2 A TRAJETÓRIA DE MARINA CARAM OBRAS NOS ACERVOS PÚBLICOS DE SÃO PAULO

2.1 A trajetória e análise das obras de Marina Caram

Figura 01 – Marina Caram, 2005.

Marina Caram nasceu em Sorocaba, no interior do estado de São Paulo, em 1925 e faleceu na cidade de São Paulo, em 200829. Caram era pintora, escultora,

desenhista, gravadora e ilustradora. Na escola primária obteve destaque por seu talento

29Nesse capítulo, construiremos um panorama sobre a trajetória de Marina Caram a partir de informações que

colhemos nas bibliotecas do MAM/SP, do MASP, da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do Arquivo da Bienal. Os comentários críticos sobre a artista, com exceção daqueles que foram retirados de catálogos de exposição, estão nesses documentos de forma fragmentada, não contextualizada e pouco desenvolvida. Além disso, os documentos que mencionam as obras da artista não apresentam suas respectivas imagens, apenas detalhes como, por exemplo, técnica utilizada e ano de criação. Já as obras que são citadas a partir de catálogos de exposição, em sua maioria, possuem suas representações fotográficas. As fontes que utilizamos oferecem indícios importantes sobre a carreira da artista, mas não são suficientes para nos dar uma compreensão mais aprofundada sobre a trajetória da artista.

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com o desenho. Em alguns artigos que falam sobre a biografia da artista, os autores comentam que, ainda menina, decorava caixas com bombons e aventais para uma vizinha30. Sobre isto, é importante mencionarmos que o conhecimento que se tem dela

é dessa natureza, isto é, atravessado por estereótipos de gênero.

No início de sua carreira, em 1939, a artista mudou-se para São Paulo, onde moravam alguns familiares. Em São Paulo, passou a pintar tecidos para garantir sua sobrevivência. Nessa época, chegou a vender as roupas novas que os pais lhe deram para comprar material de trabalho31. A artista contou, em uma entrevista concedida a

Carlos Von Schmidt (1985) que, nesse período, fez mais de 100 desenhos.

Alguns anos depois, por intermédio do escritor Afonso Schmidt, a artista conheceu Di Cavalcanti32: “Quando conheci Di Cavalcanti ele ficou impressionado com

meu trabalho e me perguntou se era capaz de pintar um modelo. Pintei. Só que, ao invés de começar pelo nariz, comecei pelos brincos” (SCHMIDT, 1985, p. 46). Após esse episódio, Caram ganhou a chave do ateliê de Di Cavalcanti e passou a frequentá- lo. Ainda sem dinheiro, a artista pintava em papel-jornal, porque era mais barato. Nesse período, produziu seus desenhos utilizando nanquim, aguada e litografia à crayon. Somam nesse período33 quase trinta imagens. Algumas obras são: Mulheres

abandonadas, de 1948; O cego, de 1950; Purgatório, de 1950; Libertação da Mulher, de 1951; Criança Morta, de 1951. Não conseguimos ter acesso a essas obras e nem a suas reproduções fotográficas, pois os documentos que encontramos informam apenas seus nomes e em que ano foram produzidas.

Depois de conhecer Di Cavalcanti, Caram foi apresentada a Oswald de Andrade. Segundo a artista, “ele estava muito doente, mas, quando viu minhas pinturas, ele se levantou da cama e dois dias depois foi, ainda meio fraco, me levar para Bardi”. Após Pietro Maria Bardi entrar em contato com a produção da artista, Marina expôs no MASP

30Retirado do catálogo: MARINA CARAM: A ALMA PELO AVESSO. São Paulo, 2005. Catálogo de exposição, 30 de

abril a 28 de agosto 2005. Museu Lasar Segall.

31 Idem.

32 Este documento encontra-se na pasta da artista no Arquivo da Bienal de São Paulo. Ele foi publicado em 26 de

março de 1961. Nele não consta o local de publicação, o autor e o nome do jornal. O título da matéria é Franceses aplaudiram uma filha de Sorocaba.

33 Na pasta da artista disponível na Biblioteca da Pinacoteca do Estado de São Paulo, encontramos documentos que

fazem a divisão da produção da Marina Caram em fases. Estes documentos não mencionam quem criou essas divisões e nem quais foram os critérios utilizados. Assim, por precaução, neste momento, não utilizaremos o termo “fase”. Nesses documentos há somente os nomes das obras, o ano de criação e a técnica usada. Não existe reprodução fotográfica de nenhuma obra.

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em sua primeira mostra individual, em 1951. Foi por conta dessa exposição que o Governo francês pôde apreciar sua obra e, pouco tempo depois, conceder-lhe uma bolsa de estudos. Os quadros com que ela ganhou essa bolsa do Governo francês foram feitos no sótão da casa onde morava, em São Paulo (SCHMIDT, 1985, p. 46). As informações sobre a bolsa de estudos obtida por Caram são reduzidas, por este motivo, até este momento, não podemos informar mais detalhadamente os aspectos que envolveram esse acontecimento, incluindo os critérios de seleção para angariá-la.

Na França, Caram estudou gravura entre 1952 e 1953. Fez o curso na Escola Nacional de Belas Artes de Paris, onde recebeu um prêmio entre os demais alunos estrangeiros34.

Quando cheguei em Paris, com medo de me perder, matriculei-me na Escola de Belas Artes, no curso de gravura. Como temática, pintei as paisagens mais comuns de Paris, as que todo mundo pinta, mas com meu traço. Isso me valeu um prêmio de originalidade35 (SCHMIDT, 1985, p.44).

Nos anos em que esteve em Paris, produziu a obra A Prostituta de Montparnasse (1952), como também uma série de litografias36. Outros exemplos de obras desse

período são: O operário, O cego, Noiva, O pobre, todas feitas em 195237. Ainda em

1952, participou de uma exposição no Museé Municipal D’Arte Moderne, em Paris, acompanhada de nomes como Hamaguchi, Hasegawa, Severine, Survage, Waroquier, entre outros38.

34 Idem.

35 Uma vez mais, assinalamos que não é possível confirmar essa informação.

36 Retirado do catálogo: MARINA CARAM: A ALMA PELO AVESSO. São Paulo, 2005. Catálogo de exposição, 30 de

abril a 28 de agosto 2005. Museu Lasar Segall.

37 Do mesmo modo que algumas obras que mencionamos anteriormente, não conseguimos ter acesso a elas e nem

a suas reproduções fotográficas, pois os documentos que encontramos informam apenas seus nomes e em que ano foram produzidas.

38 Não temos maiores informações sobre essa exposição. Retirado do catálogo: MARINA CARAM: O TRÁGICO E O

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Figura 02 – CARAM, Marina. A Prostituta de Montparnasse. 1952; Óleo sobre tela, 64x53cm. Coleção da artista.

Na obra A Prostituta de Montparnasse, observamos pinceladas agressivas, traços fortes e a construção de uma figura tosca. Nas demais imagens que analisaremos a seguir, notaremos que essas são algumas características recorrentes na produção de Caram. O interesse pela figura humana, aqui representada pela prostituta, é outra marca que se mantém no restante de sua carreira. Por outro lado, essa pintura é composta por cores contrastantes, e se compararmos com as demais obras da artista, perceberemos que ela é quase uma exceção, pois Caram costuma usar uma variação de cores menor.

Como mencionamos acima, a artista cria essa obra em Paris e Montparnasse é um bairro da capital francesa muito emblemático para os artistas. No início do século XX, era um ambiente agrário, porém, com o passar do tempo, acabou se tornando um local muito frequentado por artistas de vários locais do mundo. Ainda no começo do

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século XX, Paris era “dividida” pelo rio Sena: do lado direito ficava a área nobre, que compreendia Montmatre, o bairro dos artistas consagrados; e, do lado esquerdo, em Montparnasse, havia os bordéis, cafés e os bares mais populares. Nesse ambiente, inúmeros artistas viveram rodeados por prostitutas e puderam criar com liberdade. Esse bairro passou a ter pequenos ateliês, cafés e livrarias que se tornaram pontos de encontro. Dos anos 20 aos 40, o bairro tornou-se um “centro” cultural. Após a Segunda Guerra Mundial, ele permanece com essas características, por conta de uma nova geração composta por nomes como André Gide e Simone de Beauvoir39.

Provavelmente, todo o histórico desse bairro e a vivência de Caram ali no início dos 50 tenha a influenciado na criação dessa obra. A Prostituta de Montparnasse (figura 02) talvez seja uma das poucas figuras de Caram que não possui uma expressão carregada e nem um semblante de abatimento. Já em Mercado Amoroso (1967), como veremos mais à frente, a representação das prostitutas é oposta e as figuras estão praticamente nuas, presas e com uma fisionomia de infelicidade. A Prostituta de Montparnasse está bem vestida e em uma posição de tranquilidade, ela não possui a mesma carga dramática e nem a mesma crítica social que Mercado Amoroso.

Após regressar ao Brasil, em 1954 e 1955, Caram cria a série Os Humilhados e, do mesmo modo que a obra anterior, a artista mantém seu interesse em figuras humanas à margem da sociedade. São varredores, engraxates, mendigos, prostitutas, o menino brincando solitário, a menina rica ao lado da menina pobre40. Nessa série, a

artista utiliza técnicas variadas como litografia, nanquim, guache, óleo e aguada. Em visita ao Museu de Arte Brasileira da FAAP, tivemos acesso a uma das obras dessa série: Lixeiros, de 1954.

Neste desenho em nanquim (figura 03), há duas figuras centrais que ocupam praticamente toda a extensão da obra. As figuras parecem espelhadas, mas, uma possui roupa mais clara e a outra mais escura, inclusive, o tom da pele de uma é mais clara e da outra mais escura. Cada lixeiro segura uma vassoura com uma de suas mãos. A artista, uma vez mais, faz um desenho tosco com traços fortes.

39 http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/montparnasse-festa-518185.shtml 40 É possível ver essa obra nos anexos (figura 44).

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Figura 03 - CARAM, Marina. Lixeiros. 1954. Nanquim sobre papel, 103 x 87cm. MAB-FAAP.

Em 1955 e 1956, dando sequência a sua pintura de cunho social, em decorrência de suas viagens à Bahia, a artista produziu muitas xilogravuras e litografias em que abordou questões relacionadas aos preconceitos raciais, como Menina Brincando, de 1955; Beco Baiano, de 1955; Pelourinho, de 1956; Preto operário, de 195641.

41Essas informações foram obtidas através de documentos encontrados na pasta da artista na Biblioteca da

Pinacoteca do Estado de São Paulo. Nesses documentos, há apenas os nomes das obras, o ano de criação e a técnica utilizada. Não existe a reprodução fotográfica delas.

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Figura 04 - CARAM, Marina. Libertação de Preconceito Racial. 1956. Óleo sobre tela, 146x114cm, Coleção Boris Gorentzvaig. São Paulo.

Por exemplo, na obra Libertação de Preconceito Racial, de 1956, Caram aborda essa temática criando figuras deformadas. A obra transmite uma certa sensação de caos, pois os limites dos corpos das figuras não estão definidos e seus rostos são inacabados e até desconfigurados. Se compararmos com as obras anteriores, vemos que a artista mantém um desenho grotesco, pinceladas agressivas e traços fortes, mas, nesta imagem, as figuras são menos definidas.

De acordo com George Andrews (1985), houve um considerável avanço nos direitos políticos dos negros, desde o movimento abolicionista de 1870-80, através das organizações culturais e políticas do período 1920 até o movimento Negro Unificado mais atual. Por outro lado, a existência desses movimentos comprova a permanência da discriminação e desigualdade racial na sociedade brasileira. Nos anos 50, quando a

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artista cria essa obra, havia uma discussão em torno dessa temática, pois a situação não era de igualdade (ANDREWS, 1985). No início da década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. Esse projeto tinha intenção de avançar contra o racismo. Além disso, esse tema era discutido politicamente entre intelectuais negros que se organizavam no período e faziam circular revistas relacionadas a esse assunto42. Não sabemos exatamente como todas essas

discussões chegaram até Caram, mas, observamos através de sua obra que, no mesmo sentido, essa temática era trabalhada pela artista. Em Libertação de preconceito racial (figura 04) a artista traz esse problema de maneira forte e crítica. Suas figuras são monstruosas e repugnantes, do mesmo modo que a discriminação racial o é.

Ao longo desse capítulo notaremos que as figuras humanas criadas por Caram são, no geral, grotescas. O estranhamento de gosto e a repulsa podem ser causados por obras/objetos não, necessariamente, feios, mas grotescos. Nestes há distorções expressivas capazes de provocar efeitos contraditórios em quem os visualiza. No entanto, o contemplador poderá encontrar beleza em outros aspectos desses objetos, como na força de expressão ou na vitalidade plena presente neles (SODRE, 2002, p. 19).

A palavra grotesco – “que vem de gruta, porão (grota, em italiano)” – aparece no final do século XV, posteriormente à descoberta de ornamentos exóticos encontrados em escavações feitas primeiramente no porão do palácio romano de Nero (em frente ao Coliseu), depois nos subterrâneos das Termas de Tito e em locais diversos da Itália. Após essas descobertas, no século XVI, essas figurações vão se espalhando em variados suportes concomitantemente com o uso da palavra, mas permanecem “sempre associada ao disforme (conexões imperfeitas) e ao onírico (conexões irreais), a palavra “grotesco” presta-se a transformações metafóricas, que vão ampliando o seu sentido ao longo dos séculos” (SODRÉ, 2002, p. 28).

Nesse sentido, Caram destaca-se pela forma de criar figuras distorcidas e deformadas. Veremos que grande parte das obras de Caram que são centradas em

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pessoas, além de abordarem temáticas sociais, causam um estranhamento no espectador por serem grotescas. Neste sentido, Isaac Krasilchik (1993)43 sustenta que

no trágico encontramos a vertente principal da longa carreira de Marina Caram, em que sua angustia se extravasa na hora de criar figuras sinistras. As figuras de homens e mulheres elaboradas por essa artista causam asco e chocam por não seguirem padrões estéticos estabelecidos e, consequentemente, pelo fato de serem informes.

Em 1956 e 1957, Caram vai para Bolívia e elabora um grande número de desenhos e litografias em que a população pobre aparece sempre curvada sobre si mesma. Na Bolívia, a artista também manteve o seu olhar sobre os marginalizados, ela retratou a miséria dos índios, dos camponeses, da revolução. Algumas obras criadas pela artista nesse período são Mulher de Luto, de 1956; Índia adolescente, de 1956; Revolução, de 1957; Mudança, de 1957; A Pedinte, de 1957. Dessa série, conseguimos ter acesso apenas a 6 obras que se encontram no Museu de Arte Brasileira da FAAP. A maior parte das que estão neste museu, são estudos ou 1ª prova, no caso das litografias44. Na obra seguinte, assim como nas demais, a artista retrata a população

pobre e explorada de forma grotesca.

43Retirado do catálogo: MARINA CARAM: O TRÁGICO E O LÍRICO. São Paulo, 1993. 19 de novembro a 19 de

dezembro 1993. Galeria do Memorial da América Latina.

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Figura 05 - CARAM, Marina. Sem título. 1957, Nanquim sobre papel. MAB/FAAP.

Nesta obra (figura 05), observamos que a grande maioria das figuras são mulheres. Algumas delas carregam consigo crianças no colo. Há algumas outras crianças ao redor dessas mulheres. Essas figuras possuem expressões de sofrimento. Vemos também elementos que parecem ser cestos espalhados pelo chão. Notamos no rosto das figuras características consideradas étnicas da população boliviana. Caram, novamente, cria um desenho tosco utilizando traços fortes.

No período em que esteve na Bolívia, Caram observou os constantes conflitos internos desse país vivenciados nas esferas político-sociais, atravessadas por luta de classes e uma consciência revolucionária na busca de mudanças sociais e econômicas. A revolução boliviana, iniciada em 1952, teve como protagonistas os pobres das cidades, os camponeses, os trabalhadores sindicalmente organizados e o Movimento Nacional Revolucionário. Ela, teoricamente, propunha mudanças que melhorariam a vida dessas pessoas marginalizadas, principalmente indígenas e camponeses, mas, de fato, isto não foi acompanhado por transformações econômicas ou técnicas profundas

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(PERICÁS,1997). Considerando que 78% da população boliviana vivia no campo e que esse número era composto por índios ou camponeses, provavelmente, a obra represente camponesas ou índias pobres e marginalizadas. A artista apresenta esse ambiente de miséria e aflição vivenciado pelas bolivianas durante os difíceis anos de revolução, o que comprova, uma vez mais, o interesse da artista por questões sociais, especialmente, por ser possível ir à Bolívia, nesse mesmo período, e apresentar uma outra perspectiva do país.

De volta ao Brasil, em 1959 e 1960, Marina Caram retornou a Bahia e fez uma enorme série sobre os deuses das religiões afrodescendentes. Há entre elas litografias e desenhos com nanquim, guache. No Museu de Arte Brasileira da FAAP, encontramos várias litografias dessa série. Caram trabalha em cada litografia com um orixá especificamente45. No Museu de Arte Moderna de São Paulo, também há duas obras

desse período, uma litografia e um nanquim sobre papel.

Sergio Milliet comenta sobre uma exposição que a artista fez com as litografias sobre deuses das religiões afrodescendentes46:

Poucos jovens brasileiros se dedicaram à litografia. Entre os que fizeram, Marina Caram se destaca pela compreensão da matéria e pelo desenho sensual e fortemente ritmado de suas composições. Marina Caram aperfeiçoou sua técnica em Paris...a artista não se prende ao documentário, procede a uma transposição e ousada e consegue sempre comunicar uma emoção profunda de um modo original. A artista soube manter-se indiferente à sedução das escolas e fiel aos ditames de seu temperamento. Ei-la agora na posse plena de seu instrumento de trabalho e a transmitir uma mensagem de grande dramaticidade. As litografias aqui expostas fazem parte de um álbum inspirado na mitologia afro-brasileira.

Nessas litografias, o social não se faz tão presente, entretanto, devemos considerar que as religiões de matrizes africanas são marginalizadas no Brasil, por isso, em alguma medida, abordar essa temática é tocar em questões de cunho social sob um outro viés.

45 Há uma litografia dessa série nos anexos (figuras 46).

46 Esse documento encontra-se no acervo documental do Museu de Arte de São Paulo. Ele informa que a exposição

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Em 1960, novamente a artista expõe suas gravuras. Dessa vez, participa da exposição Contribuição da mulher às artes plásticas no país. Ela ocorreu no Museu de Arte Moderna de São Paulo por iniciativa do crítico Paulo Sergio de Almeida. Os textos do catálogo são importantes ferramentas sobre os discursos - nesse caso, deslizantes e contraditórios - que circulavam na época sobre os significados de ser uma artista mulher. O diretor do MAM-SP, Mario Pedrosa, inicia seu texto do catálogo da exposição afirmando que ela “vem demonstrar algo que estava passando desapercebido aos nossos melhores observadores: a importância, realmente, excepcional, do papel das mulheres na evolução da arte moderna no Brasil”. Pedrosa escreve que desde o início do modernismo, com Malfatti e Tarsila, essa contribuição cresce em número e em qualidade. Mesmo demonstrando reconhecer a qualidade do trabalho das artistas, em seguida, comenta que o número de mulheres tem aumentado “não somente em um gênero, mas em todos, mesmo os menos “femininos” como a escultura”. Isto é, Pedrosa deixa “escapar” que, para ele, havia áreas mais femininas e áreas mais masculinas. Por outro lado, e, contraditoriamente, ele afirma “que já não distinguimos mais, entre os criadores de mais força, os que são de um ou de outro sexo”.

Ao escrever a introdução desse catálogo, a escritora Maria de Lourdes Teixeira revela que, estatisticamente, existia um crescimento contínuo dessa contribuição de artistas mulheres. Além disso, menciona o fato delas estarem presentes em quaisquer modalidades: “No desenho enriquecem trama e textura. Em pintura, nesta fase de matéria e imediatismo, entram com sua sensibilidade, bom gosto ordem e harmonia. Em gravura estão formando um verdadeiro matriarcado. E em escultura competem com as tendências mais modernas”. Maria de Lourdes Teixeira parte do pressuposto que haja características tipicamente femininas no fazer artístico. Pedrosa, anteriormente, mesmo que de forma vacilante, afirma que não existem formas diferentes entre o fazer dos homens e das mulheres. Entretanto, em seguida, essa autora descontrói essa afirmação.

Assim, notamos que as artistas mulheres passaram a ter uma visibilidade maior, mas, por outro lado, não podemos deixar de dizer que essa visibilidade ainda encontra- se permeada por estereótipos de gênero. Como mencionamos no primeiro capítulo, os mecanismos de diferenciação entre a arte feita por homens e por mulheres não

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deixaram de existir ao longo dos anos, eles apenas se modificaram. Nos anos 60, havia um discurso que defendia a existência de uma suposta diferença natural entre o fazer artístico masculino e feminino. Vemos aqui os mesmos apontamentos feitos pela pesquisadora Rosa Blanca (2013), em nosso primeiro capítulo: muitas exposições na tentativa de contribuir com a visibilidade das artistas, acabam só reafirmando