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3 CAPÍTULO 3 A TRAJETÓRIA DE ODILLA MESTRINER OBRAS NOS ACERVOS PÚBLICOS DE SÃO PAULO

3.1 A trajetória e análise das obras de Odilla Mestriner

Figura 26 - Odilla Mestriner, 2005.

Odilla Mestriner nasceu em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, em 1928, e ali permaneceu, por escolha própria, durante toda sua vida até seu falecimento em 2008. A artista iniciou sua carreira de desenhista e pintora de maneira autodidata: “Eu comecei pintando, comprando assim umas telinhas. Naquela época, início da década de 50, Ribeirão não tinha lojas especializadas em material de pintura. Então era tudo muito simples, muito rudimentar...”76. Anos depois, entre 1955 e 1956, frequentou a

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Escola Municipal de Belas Artes de Ribeirão Preto, onde através do professor italiano Domenico Lazzarini entrou em contato com a arte moderna (MESTRINER, 2013).

Nos finais de semana, este professor italiano ia para Ribeirão Preto ministrar aulas na Escola do Bosque. Mestriner conta77 que, no ano de 1956, teve aulas com ele

e, assim, suas fronteiras artísticas foram alargadas não apenas por meio das aulas em que saiam para pintar no Bosque mas, principalmente, através dos livros de arte moderna que Lazzarini apresentou para ela. A artista afirmava em relação ao professor: “Ele não queria que ninguém fizesse nada muito fotográfico, muito realista, (queria) que cada um interpretasse o que era realidade como via”. Mestriner reconhecia a influência que recebeu desses movimentos artísticos modernos, porém, dizia que já tinha noção do que desejava para o seu trabalho antes de conhecê-los78.

Em 1951, foi fundada a Escola de Belas Artes do Bosque pelo escultor Antônio Palloci. No começo, a instituição possuía um perfil voltado para arte acadêmica, mas, a situação mudou com chegada de Lazzarini. Ele veio para o Brasil para dar aula na Escola de Belas Artes de Araraquara, contratado por Hélio Morgante. Depois de algum tempo, o fato de Palloci ter uma orientação acadêmica e Lazzarini moderna, fez com que eles entrassem em conflito e o último se afastasse da Escola do Bosque (ROSA; MATTOS; SILVA, 2013).

Posteriormente, em 1957, Lazzarini e Bassano Vaccarini inauguraram um Centro de Artes Plásticas que, anos mais tarde, transformou-se na Escola de Artes Plásticas de Ribeirão Preto. Para Odilla Mestriner79, esse Centro possuía um perfil moderno, com

uma visão de vanguarda, dentro daquilo que era produzido naquele período no Brasil.O Galpão dos Artistas de Ribeirão Preto também era um importante espaço de pesquisa e debate sobre a arte para os artistas dessa cidade80. Todos esses lugares de produção,

aprendizagem, discussão e divulgação da arte que existiam em Ribeirão, foram fundamentais para que Mestriner se formasse como artista e divulgasse seu trabalho na cidade.

77 Idem. 78 Idem. 79 Idem.

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Já nos anos 60, Mestriner estava fora da Escola de Artes e diferente dos demais artistas do período que graduaram-se em artes, a artista seguiu de maneira autodidata. Apesar disso, realizou inúmeras exposições na galeria da Escola de Artes e mantinha contato frequentemente com os outros artistas de Ribeirão Preto (ROSA; MATTOS; SILVA, 2013).

Ainda no início da carreira de Mestriner, outro acontecimento importante foi a abertura da Faculdade de Medicina em Ribeirão Preto, no começo dos anos 50. A artista comenta que o primeiro secretário da Faculdade, José Bento Fria Ferraz, gostava muito de arte e acabou se aproximando da Escola de Artes Plásticas de Ribeirão. Assim, a artista o conheceu e ele passou a ser um grande estimulador de seu trabalho. Além do secretário da escola, alguns docentes também tiveram um papel significativo nesse período. Mestriner conta que “O professor Covian, do Departamento de Fisiologia, o professor Rothshild, as professoras que trabalhavam no departamento, foram as primeiras pessoas que compraram desenhos meus”81. Naquele momento,

havia uma hierarquia e o desenho não era tão valorizado quanto a pintura. O interesse dos professores pelos seus desenhos serviu de estímulo: “Eu comecei a participar intensamente de salões e bienais”82, afirma Mestriner.

A primeira exposição que Odilla Mestriner participou ocorreu em uma mostra coletiva, a Exposição do Centenário de Ribeirão Preto, em 1956. Em 1959, a artista integrou o II Festival de Arte Moderna de Macaé. No mesmo ano, esteve em exposições coletivas no VII Salão de Arte Moderna, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no XIV Salão Municipal de Belas Artes de Belo Horizonte (MESTRINER, 2013).

A partir do final da década de 50, Mestriner começa a participar de várias exposições e isso se intensifica ainda mais com o passar do tempo. É importante pesarmos que, nos anos 50, como mencionamos no capítulo anterior, os papéis de mãe, esposa e dona de casa eram considerados essencialmente femininos. Apesar disso, cresceu nesse período a participação feminina no mercado de trabalho e esse acontecimento demandou uma maior escolaridade das mulheres e provocou mudanças (BASSANEZI, 2004). Nessa década, como mencionamos acima, Mestriner, que sempre

81 Disponível em: http://www.ribeiraopretoonline.com.br/noticias/entrevista-exclusiva-com-odilla-mestriner/27599 82 Idem.

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contou com o apoio dos pais, estudou na Escola Municipal de Belas Artes de Ribeirão Preto e, posteriormente, deu início a sua carreira. No entanto, os preconceitos ainda cercavam o trabalho feminino. Dante Velloni conta que, em certos momentos, alguns artistas homens diziam que Mestriner era a “princesinha da arte” de Ribeirão Preto e isso era expressado de “forma machista”, segundo as próprias palavras de Velloni (ROSA; MATTOS; SILVA, 2013).

Ademais, nesse período, uma mulher com mais de 20 anos de idade sem perspectiva de um casamento corria o risco de não ser bem vista. Dentro dos padrões impostos às mulheres daquele momento, ser solteira aos 25 anos, por exemplo, já era considerado um motivo de constrangimento. No estado de São Paulo dos anos 50, a média de idade que as mulheres casavam-se era de 23 anos, com os homens isso ocorria entre 26 e 27 anos e, no interior do estado, era costume casar-se mais cedo que na capital. Odilla Mestriner não se casou nesse período, aliás, ela nunca se casou. Além de jamais ter se casado, a artista dedicou-se a vida toda ao seu trabalho, produzindo constantemente e participando de diversas exposições. “Tantas preocupações, regras e advertências não impediram que muitas moças, com maior ou menor ousadia, fugissem aos padrões estabelecidos”, como foi o caso de Mestriner (BASSANEZI, 2004, p.622).

Em 1958, dois de seus trabalhos foram aceitos na V Bienal Internacional de São Paulo de 1959. Essa primeira participação de Mestriner colaborou para que ela ganhasse certo reconhecimento no meio artístico. Em seguida, integrou a Bienal Internacional de São Paulo participando ainda das edições de 1961, 1963, 1965, 1967, 1969 e 1973. Segundo sua irmã Maria Luiza, Mestriner parou de enviar seus trabalhos para as Bienais apenas no momento em que o evento voltou-se mais para uma arte conceitual (ROSA; MATTOS; SILVA, 2013).Em depoimento a artista afirma:

A conquista marcante da minha trajetória foi a participação em mostras de caráter internacional nas décadas de 1960 e 1970, o que me levou com coragem e determinação a buscar soluções audaciosas, romper com o espaço pictório tradicional e criar a dinâmica ilusória do Equilibrista83.

83 ODILLA MESTRINER – DOIS MOMENTOS/UM ESPAÇO – 27º Sarp. Ribeirão Preto, 2002. Catálogo de

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Mestriner expôs em várias mostras nacionais e internacionais, como: Pré-Bienal de São Paulo em 1970, 1972, 1974 e 1976; II Bienal de Artes Plásticas da Bahia, em 1968; Panorama da Atual Arte Brasileira, no MAM/São Paulo, em 1971, 1974, 1977 e 1980; VI Mostra de Gravura Pan-americana da cidade de Curitiba, em 1984; Exposição Coletiva de Artistas Brasileiros, na Gallery Four Planets, em Maryland, em 1963; a Imagem do Brasil- Expo 73, em 1973. A artista figurou ainda em exposições individuais na Piccola Galleria do Instituto Italiano de Cultura, em 1959; no Museu de Arte de Florianópolis, em 1969; no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, Releitura Gráfica do MAC/São Paulo, em 1984; na USP, Modernidade/Experimentalismo – Artes Plásticas em Ribeirão Preto, com curadoria do Tadeu Chiarelli, em 199284.

Mestriner obteve também prêmios expressivos. Em 1961, ela participou do concurso Prêmio Leirner de Arte Contemporânea, na Galeria de Arte da Folha, de São Paulo, onde conquistou o Prêmio Leirner de Desenho, sob a forma de aquisição85. No

catálogo dessa exposição, Bassano Vaccarini é quem escreve o texto de apresentação da artista (MESTRINER, 2013). Isai Leirner foi o fundador da Galeria de Artes da Folha e do Prêmio Leirner de aquisição, em 1958. A Galeria transformou-se em um importante centro de atividades onde ocorriam mostras de arte e debates sobre o assunto. Com sua morte, no final de 1962, o prêmio Leirner acaba e, logo em seguida, a galeria é fechada86. Tanto a galeria quanto o prêmio eram bastante prestigiados, apesar de

terem durado menos de quatro anos. Walter Zanini comenta, em seu livro História Geral da Arte No Brasil, de 1983, que a galeria e o prêmio eram exemplos de modificações no meio artístico na década de 1950 e início da 60, pois asseguravam aos artistas melhores condições para apresentar suas obras.

Na X Bienal Internacional de São Paulo, a artista recebeu o Prêmio Aquisição Itamaraty e sua obra Janelas I foi levada para o Palácio dos Arcos, em Brasília, onde esteve exposta (MESTRINER, 2013). O catálogo da X Bienal de São Paulo (Edição

84 ODILLA MESTRINER: ANDANTES – ÚLTIMOS PASSOS. Ribeirão Preto, 1999. Catálogo de Exposição, 08 a 24

de outubro de 1999. Museu de Arte de Ribeirão Preto.

85 Não encontramos informações mais específicas sobre quais eram os demais artistas que concorreram ao prêmio

juntamente com Mestriner.

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Apêndice)87 informa que houve uma comissão designada pelo Itamaraty e que foi

composta pelo Embaixador Wladimir Murtinho, Ministra Vera Saver, Vera Pedroso e Roberto Guinle, conveniada com a Fundação Bienal de São Paulo que efetuou as seguintes aquisições de artistas brasileiros, incluindo Mestriner: Anamélia; Santuza Andrade Gonçalves; Lotus Amanda Maria Lobo; Abraham Palatnik; Isabel Pons; Ernesto Quissak Jr.; Ione Saldanha; Yutaka Toyota; Abelardo Zalunar; Nilton Cavalcanti; Paulo Mentre; e Roberto de Lamônica. No catálogo, não há informações sobre os critérios de seleção presentes na escolha dos artistas.

Em 1973, Mestriner recebeu da Associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo o Prêmio de Melhor Desenhista. A Associação Paulista de Críticos de Artes se originou da seção paulista da Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT). Um ano antes de Mestriner ser premiada, em 1972, houve uma reestruturação e a Associação Paulista de Críticos de Arte passou a incorporar os setores de Artes Visuais, Cinema, Literatura, Música Popular e Televisão88. A Associação se mantém

ativa até a atualidade. Ela é considerada uma das mais tradicionais instituições culturais do Brasil. Não encontramos informações sobre quais eram os demais artistas que também participaram da seleção na tentativa de angariar esse prêmio, mas trata-se de uma premiação importante para Mestriner, pois demonstra o reconhecimento que o trabalho da artista possuía, além de lhe conceder certa visibilidade no meio artístico daquele momento.

Em 2005, a artista recebeu um prêmio da The Pollock-Krasner Foundation. Essa fundação foi criada, em 1985, com o intuito de auxiliar financeiramente artistas visuais com carreiras estabelecidas. Ela é financiada pela falecida pintora Lee Krasner, viúva do também pintor Jackson Pollock. A bolsa concedida pela fundação financia despesas legítimas relacionadas com as atividades profissionais e pessoais do artista. O valor da bolsa é determinado pelas circunstâncias individuais de cada artista. Um dos critérios de seleção é a trajetória profissional, além disso, exigem que os artistas estejam atuando e expondo em galerias, museus ou feiras. A Comissão de Seleção é composta

87 Disponível no site da Fundação Bienal: http://www.bienal.org.br/publicacao.php?i=110630184742-

34ec83aa473c483da3e2bf058b125be6&n=namea473c4&t=10%C2%AA%20Bienal%20de%20S%C3%A3o%20Paulo %20(1969)%20-%20Ap%C3%AAndice

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por especialistas reconhecidos nas áreas de interesse da Fundação (THE POLLOCK- KRASNER FOUNDATION). Os dois trabalhos premiados de Odilla Mestriner, Amor e Ódio, e Vício, foram produzidos em 2003 e fazem parte de sua série Produto Nacional: Essas obras estão disponíveis para serem vistas no site da Fundação.

Durante toda sua trajetória, Mestriner produziu constantemente. Uma das características que marcou a forma de trabalhar dessa artista foi o fato dela elaborar, desde o início, muitas séries temáticas. Em 1958, depois de ter estudado na Escola de Artes do Bosque, conhecido Lazzarini e ter definido sua forma de trabalho, continuou a criar seus desenhos que, nessa época, eram feitos com nanquim sobre papel. A artista comenta em uma entrevista89 que, em 58, Ribeirão Preto influenciou grandemente suas

obras. Havia uma ligação entre Mestriner e a cidade, suas ruas, seus quarteirões simétricos e quadrados. Assim, a artista se volta para a casa e, logo em seguida, para os elementos que compõem a casa, como os gatos, os pássaros e até mesmo o touro.

Dois de seus desenhos desse período foram expostos na primeira Bienal Internacional de São Paulo que ela participou: Casas (figura 27) e Gato Raivoso III (figura 30).

89 Entrevista concedida ao programa Da Janela, da TV UNAERP. Disponível em: http://odillamestriner.com.br/odilla-

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Figura 27 – METRINER, Odilla. Casas. Nanquim sobre papel. 1958. 34x25cm. Instituto Odilla Mestriner.

Na obra Casas, através de seu desenho gráfico, a artista constrói com formas geométricas simplificadas e simétricas fachadas de casas que compõem o espaço urbano ribeirão-pretano. Como a própria artista afirmava, todas as temáticas trabalhadas por ela estão ligadas a sua vivência e a sua visão sobre sua cidade natal. Nesse sentido, Tadeu Chiarelli (1999) diz que para tentar entender a obra da artista, é preciso compreender que ela morou toda sua vida em Ribeirão Preto e isso significou não manter um contato tão frequente com os tradicionais centros de arte (o eixo Rio- São Paulo). As temáticas de Mestriner estão ligadas a esse ambiente tanto por suas experiências quanto por questões emocionais, mas, ao mesmo tempo, não deixam de expressar aspectos racionais. Ribeirão Preto é uma cidade composta por quarteirões

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recortados, geralmente, com tamanhos iguais e, talvez, isso explique a presença de formas ortogonais que aparecem em várias imagens e que podem ser vistas na obra Casas (CHIARELLI, 1999). Nesta (figura 27), todas as fachadas aparecem com partes do mesmo tamanho e todas elas possuem a mesma quantidade de janelas. O que as diferenciam são as cores e alguns detalhes das janelas.

A temática da cidade acompanhou a artista por muitos anos. Na década de 60, este motivo permanece em várias obras de forma exclusiva. No desenho Trecho de Rua IX (figura 28), por exemplo, a artista constrói fachadas de casas com figuras geométricas, e elementos limpos e refinados, características marcantes em quase toda sua produção. Nessa obra, mais especialmente, a artista utiliza a mesma cor em quase toda sua extensão.

Figura 28 - MESTRINER, Odilla. Trecho de rua IV. 1960; Desenho (Nanquim sobre papel). 66,2x48,3cm. MAM/SP.

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Figura 29 - MESTRINER, Odilla. Casa em reforma V. 1962; Desenho (nanquim e acrílica sobre papel). 53,3x76,9cm. MAM/SP.

De forma semelhante, na Casa em reforma V, de 1962, a artista constrói com formas geométricas as fachadas de casas que compõem o espaço urbano ribeirão- pretano. Há linhas retas que preenchem toda a obra. Observamos também figuras que parecem vigas em tons mais escuros que, geralmente, são utilizados para sustentar estruturas nas reformas das casas. Por outro lado, a totalidade da obra tornou-se tão geométrica que acabou se distanciando muito de figuras de casas reais. Assim, são o título e o histórico temático da própria artista que nos levam a observar detalhes de casas nessa obra. Sem esses referenciais, talvez, seria complicado enxergar características figurativas nesse desenho.

Além de trabalhar com o exterior das casas, já no final dos anos 50, a artista volta-se também para sua parte interna e apresenta os elementos que habitam nesse ambiente. Na obra Gato Raivoso III (figura 30), por exemplo, ela faz um animal de forma geometrizada. Do mesmo modo que a obra anterior, apesar de serem de temas diferentes, em Gato Raivoso III a representação do animal (que não vemos o rosto) está mais ligada à racionalidade formal do que à realidade. O Gato possui um grafismo com linhas e formas que se repetem. Ele está esticado, com a cabeça erguida para trás.

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Figura 30 – MESTRINER, Odilla. Gato Raivoso III. 1958, Nanquim sobre Papel, 58,34x29cm. Instituto Odilla Mestriner.

Em um depoimento disponível no instituto Odilla Mestriner, a artista declarou que, entre o final dos anos 50 e início dos anos 60, ela definiu a estrutura de sua obra afirmando que seu trabalho possuía uma “estrutura geométrica; composição simétrica; formas planas/bidimensionais; a repetição obsessiva dos elementos”. São exatamente essas características que vemos nessas obras de Mestriner e que poderemos observar em praticamente toda a sua produção, inclusive, na obra Touro (figura 31).

O Touro de Mestriner não possui fisionomia. Ele é composto por linhas e formas geométricas que se encontram por toda a sua extensão. É um touro traçado racionalmente e, assim como o Gato Raivoso III, é a única figura da imagem.

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Figura 31 – MESTRINER, Odilla. Touro. 1958, Nanquim sobre Papel, 20x3 cm. Instituto Odilla Mestriner.

É possível observamos semelhanças entre esses trabalhos da artista e alguns de Aldemir Martins (1922 - 2006). É importante mencionar que Martins tem uma extensa produção e durante a sua longa trajetória transitou entre diversas vertentes artísticas utilizando técnicas variadas, assim, a obra que mostraremos a seguir é apenas uma pequena amostra de seu trabalho que, anos mais tarde, já se distancia dos trabalhos de Mestriner. Aldemir Martins abordou diversos temas, entre eles estavam os animais, como sua série de galos e gatos, personagens e paisagens nordestinas, retratos e naturezas mortas.

Especialmente, dentro da série galos, notamos certas afinidades tanto pela escolha temática quanto pela forma e composição do trabalho90. O desenho91 (figura

32) a seguir foi produzido no início da década de 60 e faz parte da série galos. Tanto Mestriner quanto Martins retrataram animais de sua “terra”, coisas que os rodeavam, temáticas ligadas as suas vivências. Podemos perceber que ambas as obras têm a

90 Martins era um artista que fazia grande sucesso na época e havia um mercado para obras com esta temática. 91Retirado do site: http://www.estudioaldemirmartins.com/home/obras-aldemir-martins-60.html

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mesma geometrização que o Gato Raivoso III e o Touro de Mestriner, além de possuir grafismos similares, com linhas que preenchem todo interior do animal.

Figura 3292 - MARTINS, Aldemir. Série Galos da década de 60.

Na década de 60, Mestriner adiciona elementos novos em suas obras por influência da chegada da pop art no Brasil. Sobre este acontecimento, a artista diz: “durante esse período fui acrescentando algumas novas técnicas, colagem com diversos materiais: papelão, fotos, recortes de jornais, palavras desenhadas”. Em 1963, na VII Bienal Internacional de São Paulo, ela expôs 8 obras, todas com colagens e, em 1965, na VIII Bienal Internacional de São Paulo, figurou com 5 colagens. A artista criou, ainda nessa década, a série Os Pássaros Mensageiros, Figuras - Casas, Postes e

92 Idem. As únicas informações que encontramos sobre esse desenho é que ele foi criado no início da década de 60

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Janelas. Algumas obras desse período são Os Pássaros Mensageiros I (figura 33), de 1966; Trechos da Cidade, de 1966; Os Jornaleiros I, de 1964; Casas e Luas, de 1963.

Figura 33 – MESTRINER, Odilla. Os Pássaros Mensageiros I. 1966; Nanquim e colagem (jornal) sobre cartão; 67,5x45cm. Instituto Odilla Mestriner.

Na obra Os Pássaros Mensageiros I, a artista faz desenhos e os sobrepõem utilizando recortes de jornais sobre cartão. Mestriner desenha fachadas de casas com janelas, muito semelhantes as que ela já havia criado em 1958. As figuras de pássaros não possuem contornos evidentes, mas, é possível observar que a artista as desenha entre as fachadas das casas e recortes de jornais.

Alguns desses recortes apresentam palavras completas como, por exemplo, “A fuga”, “Desespero”, “A hora” e existe vários trechos com letras pequenas onde a leitura torna-se impossível. As poucas palavras que podem ser lidas possuem significados que

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se relacionam com situações ruins, por isso, inferimos que as mensagens que esses pássaros carregam não sejam boas.

Ao contrário de Marina Caram que nos anos de ditadura passou a trabalhar com questões de crítica política em suas obras de forma clara, esse aspecto não aparece