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Mulheres artistas no Brasil : um estudo sobre Marina Caram e Odilla Mestriner nos acervos públicos de São Paulo

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Academic year: 2021

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I

VANESSA LÚCIA DE ASSIS REBESCO

MULHERES ARTISTAS NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE

MARINA CARAM E ODILLA MESTRINER NOS ACERVOS

PÚBLICOS DE SÃO PAULO

CAMPINAS

2015

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III

VANESSA LÚCIA DE ASSIS REBESCO

MULHERES ARTISTAS NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE MARINA CARAM E ODILLA MESTRINER NOS ACERVOS PÚBLICOS DE SÃO PAULO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Artes Visuais.

CAMPINAS 2015

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VII RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar as obras de Marina Caram (1925- 2008) e Odilla Mestriner (1928-2009) produzidas nos anos 60 e 70 e que pertencem aos acervos da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Pretende ainda examinar os processos de musealização dessas obras e estabelecer interlocuções entre o trabalho dessas artistas e o de seus contemporâneos. Além disso, interessa-nos investigar as condições de produção de Mestriner e Caram na década de 60 e 70, considerando suas especificidades plásticas, técnicas e poéticas. Para isso, adotaremos uma postura que não concorda com a existência de uma suposta “identidade feminina”, pelo contrário, a noção de feminilidade será tomada como uma fala produzida histórica e socialmente.

Palavras-chave: Odilla Mestriner. Marina Caram. Gênero. Acervos públicos de São Paulo. Arte Brasileira.

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IX ABSTRACT

This research aims to analyze the works of Marina Caram (1925- 2008) and Odilla Mestriner (1928-2009) that were produced in the 60's and 70's and belong to the collections of the Pinacoteca do Estado de São Paulo and the Museu de Arte Moderna de São Paulo. It also aims to examine the musealization processes of these works and establish dialogues between the work of these artists and their contemporaries. In addition, we are interested in investigating the Mestriner and Caram production conditions in the 60's and 70's considering their plastic, technical and poetic specificities. For this, we will adopt a posture that does not agree with the existence of a supposed "female identity", on the contrary, the notion of femininity will be taken as a speech produced historically and socially.

Keywords: Odilla Mestriner. Marina Caram. Gender. Public collections of São Paulo. Brazilian Art.

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XI

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...23

1 CAPÍTULO 1: ARTE E GÊNERO...31

1.1 As questões de Gênero e a categoria Mulher...31

1.2 Arte e Crítica feminista nos EUA e na Europa a partir da década de 70...37

1.3 Estudos sobre Arte e Gênero no Brasil: alguns apontamentos...44

2 CAPÍTULO 2: A TRAJETÓRIA DE MARINA CARAM. OBRAS NOS ACERVOS PÚBLICOS DE SÃO PAULO...57

2.1 A trajetória e análise das obras de Marina Caram...57

3 CAPÍTULO 3: A TRAJETÓRIA DE ODILLA MESTRINER. OBRAS NOS ACERVOS PÚBLICOS DE SÃO PAULO...105

3.1 A trajetória e análise das obras de Odilla Mestriner...105

4 CAPÍTULO 4: OS PROCESSOS DE MUSEALIZAÇÃO DAS OBRAS DE MARINA CARAM E ODILLA MESTRINER...141

CONCLUSÃO...159

REFERÊNCIAS...163

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XIII

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XV

AGRADECIMENTOS

À profa. Anna Paula Silva Gouveia pela leitura cuidadosa do texto de qualificação, pelo apoio e pela orientação na reta final, cujas valiosas sugestões e críticas foram fundamentais para a conclusão do trabalho.

À profa. Maria de Fátima Morethy Couto pelo estímulo, pelos ensinamentos, pelas inúmeras leituras atenciosas e reflexões inestimáveis e pela seriedade e rigor com que orientou esta pesquisa, do início ao fim.

À profa. Giulia Crippa que me incentiva desde os tempos de graduação, por compartilhar seus conhecimentos e pelos comentários atentos e valiosos à época do exame de qualificação e na defesa.

À profa. Lúcia Eustachio Fonseca pela leitura e pelas contribuições e sugestões que ajudaram a enriquecer este trabalho.

À profa. Marta Luiza Strambi, ao prof. Mauricius Martins Farina e à profa. Rita Morelli pelas sugestões de leitura, contribuições e discussões instigantes que foram de grande importância para o melhoramento desta pesquisa.

Aos funcionários do acervo e da biblioteca do MAM/SP, MASP, Pinacoteca de Estado de São Paulo, Museu de Arte Brasileira da FAAP e Fundação Bienal de São Paulo. Ao Instituto Odilla Mestriner que sempre esteve à disposição para contribuir com o que fosse necessário, em especial, à Bia Mestriner e à Maria Luiza Mestriner.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio e financiamento desta pesquisa de mestrado.

Às amigas Fernanda Yumi, Maria Beatriz Ribeiro Prandi, Aline Reis, Gisleine Nascimento e aos amigos Bruno Rodrigues de Souza e Jean Carlos Ferreira dos

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XVI

Santos pelo apoio e por compartilharem meus medos, expectativas, incertezas e também muitas alegrias.

À Larissa Akabochi de Carvalho, amiga de todas as horas e cuja generosidade é difícil de mensurar, pelo companheirismo e pelas ideias, lutas e momentos compartilhados. Obrigada pelas interlocuções estimulantes e pela leitura e revisão desta dissertação.

À minha amiga Poliana Maria Alves Rodrigues que, mesmo de longe, se manteve próxima, pelo incentivo, carinho e por me fazer rir nos momentos de desespero.

À minha família, especialmente à minha mãe Vera Lúcia de Assis e ao meu pai Luiz Carlos Rebesco, pelo amor e incentivo, pela cumplicidade, amizade, bom humor, por me confortarem e aconselharem nos momentos mais difíceis e por possibilitarem tantas idas a Penápolis, durante esse período, para que estivéssemos sempre juntos. Ao meu irmão Wellington de Assis Rebesco e à minha cunhada Karina Becker Rebesco por todo carinho e estímulo. À pequena Rebeca Becker Rebesco, minha amada sobrinha, pela alegria, diversão e amor.

À Deus pela vida, pelo amor, pela força e presença em todos os momentos desta caminhada.

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XVII LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Marina Caram, 2005...57

Figura 02 – CARAM, Marina. A Prostituta de Montparnasse. 1952; Óleo sobre tela, 64x53cm. Coleção da artista...60

Figura 03 - CARAM, Marina. Lixeiros. 1954. Nanquim sobre papel, 103x87cm. MAB-FAAP...62

Figura 04 - CARAM, Marina. Libertação de Preconceito Racial. 1956. Óleo sobre tela, 146x114cm, Coleção Boris Gorentzvaig. São Paulo...63

Figura 05 - CARAM, Marina. Sem título. 1957, Nanquim sobre papel. MAB/FAAP...66

Figura 06 - CARAM, Marina. Mercado Amoroso. 1967. Técnica Mista; 105,5x 73,5cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...70

Figura 07 - CARAM, Marina. O Capitalista (Cédulas cor de rosa). 1967. Técnica mista; 100cm x70 cm. Coleção da artista...72

Figura 08 - CARAM, Marina. Conferência. 1967. Técnica Mista; 105,5x73,5cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...73

Figura 09 - CARAM, Marina. Técnica Evoluída. 1969. Técnica Mista; 104 68,5cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...75

Figura 10 – CARAM, Marina. Dois Mundos. 1969; Técnica Mista, 104x68,5cm. Coleção da Artista...76

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XVIII

Figura 11 - CARAM, Marina. Sem Título. 1971. Xilogravura em cores; 65,8x48,1cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...78

Figura 12 - CARAM, Marina. Sem Título. 1971. Xilogravura em cores; 65,8x48,1cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...79

Figura 13 - CARAM, Marina. Instinto. 1972. Técnica Mista; 105,5x73,5cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...80

Figura 14 – Goya, Francisco de. Saturno devorando a un hijo. 1820 – 1823. Técnica Mista. 143,5x81,4cm. Museo Nacional Del Padro...82

Figura 15 – CARAM, Marina. Solidão I. 1972; Mista sobre Papel. 69,1x37cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...84

Figura 16 - CARAM, Marina. Solidão II. 1972; Mista sobre Papel. 69,7x52,5cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...85

Figura 17 – CARAM, Marina. Homem Verde. 1967; Técnica Mista sobre Papel, 100x70cm. a.c.i.e...91

Figura 18 - AMARAL, Antônio Henrique. Gênese do ditador. 1967. Xilogravura; 70x 45cm...92

Figura 19 – MANUEL, Antônio. Sem título. 1966; Desenhos sobre jornal. 57x76cm...93

Figura 20 - CARAM, Marina. Todo Poderoso. 1971. Óleo sobre tela; 101x80cm. Col. Boris Gorenstzvaig, São Paulo...94

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XIX

Figura 21 - AMARAL, Antônio Henrique. Bananas. 1970. Óleo sobre tela; 170x128cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo...96

Figura 22 - CARAM, Marina. Menina com pássaro morto, 1976, Xilogravura, 40x35cm. MAM/SP...97

Figura 23 - CARAM, Marina. Euforia, preto e branco. 1977. Aquarela sobre papel, 49,9x70,5cm. MAM/SP...98

Figura 24 - CARAM, Marina. Fim do Espetáculo. 1985; Monotipia sobre papel. 59x76cm. Acid...99

Figura 25 - Artista concluindo sua mais recente obra Medo, em 1993...100

Figura 26 - Odilla Mestriner, 2005...105

Figura 27 – METRINER, Odilla. Casas. Nanquim sobre papel. 1958. 34x25cm. Instituto Odilla Mestriner...112

Figura 28 - MESTRINER, Odilla. Trecho de rua IV. 1960; Desenho (Nanquim sobre papel). 66,2x48,3cm. MAM/SP...113

Figura 29 - MESTRINER, Odilla. Casa em reforma V. 1962; Desenho (nanquim e acrílica sobre papel). 53,3x76,9cm. MAM/SP...114

Figura 30 – MESTRINER, Odilla. Gato Raivoso III. 1958, Nanquim sobre Papel, 58,34x29cm. Instituto Odilla Mestriner...115

Figura 31 – MESTRINER, Odilla. Touro. 1958, Nanquim sobre Papel, 20x31cm. Instituto Odilla Mestriner...116

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XX

Figura 32 - MARTINS, Aldemir. Série Galos da década de 60...117

Figura 33 – MESTRINER, Odilla. Os Pássaros Mensageiros I. 1966; Nanquim e colagem (jornal) sobre cartão; 67,5x45cm. Instituto Odilla Mestriner...118

Figura 34 – MESTRINER, Odilla. Figuras – casas XI. 1967; Colagem (nanquim colorido e impressão gelatina e prata colados sobre o papel). 82,5x57,5cm. MAM/SP...120

Figura 35 – MESTRINER, Odilla. Figuras em procissão. 1969; Óleo sobre tela. 70,2x100cm. Pinacoteca/SP...123

Figura 36 - MESTRINER, Odilla. Festival de Corais IX. 1970; Nanquim sobre papel. 78,4x54 cm. MAM/SP...125

Figura 37 - MESTRINER, Odilla. Equilibristas II. 1973. Acrílica sobre tela; 130x180cm (3 telas - 100x60cm). Instituto Odilla Mestriner...127

Figura 38 – MESTRINER, Odilla. Leão. 1976; Acrílica sobre tela, 100x100cm. Instituto Odilla Mestriner...128

Figura 39 – MESTRINER, Odilla. Fantástico Urbano III. 1977; Nanquim e Acrílica com colagens. 64,5x89,7cm. MAM/SP...129

Figura 40 – MESTRINER, Odilla. Jardim Fantástico II. 1979; Litografia, 55,5x40,5cm. Instituto Odilla Mestriner...131

Figura 41 - MESTRINER, Odilla. Floricultura na cidade. 1979; Nanquim e acrílica sobre papel. 70,2x50,4cm. MAM/SP...132

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XXI

Figura 42 - MESTRINER, Odilla. Andantes XXVII. 1995; Nanquim e Acrílica sobre papel, 95,50x64,5cm. Instituto Odilla Mestriner...134

Figura 43 - MESTRINER, Odilla. Homenagem à Segal V. 1999; Acrílica sobre tela (colada), 60x110cm. Instituto Odilla Mestriner...135

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23 INTRODUÇÃO

Simone de Beauvoir (1980, p. 9, v. 2), em seu livro O segundo sexo, publicado em 1949, afirma que “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Segundo a autora, a sociedade cria um produto intermediário entre o macho e o castrado nomeado de feminino, pois nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume dentro da sociedade. A diferença entre os sexos surge somente com a mediação de outrem, ou seja, com as interferências sociais. Judith Butler (2003) retoma essa famosa frase de Beauvoir para mostrar em qual aspecto ela também concorda com essa afirmação. Tanto para Beauvoir quanto para Butler, tornar-se mulher é um processo, não é algo que é dado a priori, não se sabe exatamente quando se inicia e nem quando essa construção termina. O termo mulher coloca-se, neste sentido, de forma aberta para intervenções e ressignificações.

De acordo com Beauvoir (1980), por longos anos as mulheres só existiram em referência aos homens, como homens ao contrário, a versão fracassada, sem força, impotente e desprovida de poder do masculino. Desse modo, as representações da mulher atravessaram os tempos e estabeleceram o pensamento simbólico da diferença entre os sexos: a mãe, a esposa, a dedicada, digna de ser louvada e santificada; seu contraponto a Eva, debochada, sensual, constituindo a vergonha da sociedade. Aos homens, o espaço público, político, onde centraliza-se o poder; à mulher, o privado e seu coração.

A esse respeito, Germaine Greer afirma que as mulheres são condicionadas ao estereótipo feminino desde o seu nascimento. Em geral, os bebês meninas são vestidos de rosa ao invés de azul, com roupas frágeis e cheias de babados e, muito cedo, a menina é apresentada ao seu papel de mãe (com as bonecas) e ao seu papel doméstico (com a mãe ou responsável lhe ensinando as habilidades do lar). É comum submetê-las a um controle e supervisão maior do que seus irmãos e, posteriormente, exige-se que ela adote a “passividade feminina” e continue por si só a sua própria repressão. Há todo um condicionamento que mutila a personalidade da mulher, criando a “personalidade feminina” (GREER, 1974).

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Em relação ao campo das artes, especificamente, o estereótipo feminino é a base de sustentação da diferença, aonde o privilégio masculino, nunca reconhecido pelo discurso oficial da arte, se conserva. Sempre dizemos arte e artista e não homem artista ou arte de homens (POLLOCK, 2007). Essa prerrogativa sexual escondida se encontra assegurada pela asserção de uma negativa, um “outro”, o feminino como um ponto necessário de diferenciação. A arte feita por mulheres tem que ser mencionada e logo depreciada, precisamente para assegurar essa hierarquia (POLLOCK, 2007, p. 52).

Além do problema de categorização depreciativa em relação à arte feita pelas mulheres, existe a questão do silenciamento e do apagamento. Para Ana Mae Barbosa (2010, p.1980), o desconhecimento sobre a arte das mulheres não significa somente o esquecimento de seus nomes, mas “principalmente ‘invisibilidade de significação’”. Segundo a autora, uma análise superficial pode afirmar que há um grande número de mulheres artistas e que as mesmas possuem visibilidade (não sob categorizações de gênero) e que são tratadas, aparentemente, como os artistas homens. Todavia, essa suposta igualdade desaparece se deslocarmos o olhar para as diferenças sociais, tais como gênero, raça ou classe social.

Por exemplo, em 1992, pesquisando as dez galerias de arte mais importantes (em termos financeiros) de São Paulo, algumas no mercado por quase vinte anos, descobri que nunca haviam exposto uma artista-mulher negra, embora algumas já tivessem exposto artistas-homens negros. É surpreendente que num país miscigenado, divulgado como paraíso racial, problemas de gênero e raça se ocultem por trás de preconceitos mais poderosos, baseados em classificações sociais (BARBOSA, 2010, p.1983).

Essas observações feitas por Ana Mae evidenciam que no século XXI as questões de gênero ainda não foram completamente resolvidas. Apesar disso, certamente algumas artistas brasileiras ocuparam posição de destaque no cenário nacional, como Georgina de Albuquerque, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Lygia Clark, Ligia Pape, Renina Katz, Tomie Ohtake e Mira Schendel. Entretanto, há outras que não alcançaram semelhante visibilidade no mundo das artes, dentre estas, destacamos, para nosso estudo, Marina Caram e Odilla Mestriner. Estamos em uma Universidade

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localizada no interior do Estado de São Paulo, por isso, acreditamos ser importante trazer à luz o trabalho de artistas que compartilham dessa regionalidade, mas que, ao mesmo tempo, transcendem essa esfera local. Outro aspecto importante na escolha das artistas é o fato de que ambas nasceram no final da década de 20 e, consequentemente, atuaram na cena artística brasileira nas mesmas décadas, participaram de Salões e Bienais e alcançaram relativo reconhecimento (público e institucional) para seu trabalho. Trata-se ainda de duas artistas cujo meio de expressão se deu majoritariamente pela pintura e desenho, embora seus temas divirjam: nas obras de Caram a temática é de ordem social, de denúncia e perplexidade; já Mestriner desenvolve uma temática ligada à sua vivência.

Em visita à biblioteca da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do MAM/SP, ao MASP e ao Arquivo da Fundação Bienal de São Paulo, encontramos um número significativo de artigos de época, publicados em jornais, sobre o trabalho de ambas. Esses artigos, em sua maioria, trazem informações gerais, mas confirmam certa visibilidade que essas duas artistas possuíam. Grande parte dos artigos traçam, resumidamente, as trajetórias das artistas, informam o local onde estavam expondo e fazem um comentário crítico sobre as obras - uns são mais sintéticos e superficiais e outros abordam mais detalhadamente suas produções artísticas. Quase em sua totalidade, esses comentários críticos são de caráter laudatório. Vale ressaltar que vários artigos indagam os motivos dessas artistas não serem suficientemente conhecidas, apesar de não chegarem a conclusões sólidas. São exemplos de autores que escreveram sobre o trabalho da Odilla Mestriner: Aldo Nunes, José Geraldo Vieira, Paulo Mendes de Almeida, Maria Valeria Gianotti, Geraldo Quartím, Tadeu Chíarelli, Olney Kruze, Arnaldo Pedrosa D’Horta, Ernestina Karmam, Ivo Zanini, Fátima Turci. Sobre a obra de Marina Caram encontramos comentários críticos de Marina Radha Abramo, Alfredo Mesquita, Carlos Von Shimidt, Donatella Berlendis, Olney Kruze, Pietro Maria Bardi, Flavio de Carvalho, Di Cavalcanti, Odorico Tavares, Quirino Da Silva, Mario Cravo Junior, Carlos Von Shimdt. Vários artigos encontrados nas instituições anteriormente já citadas não possuem o nome de seus respectivos autores.

Ambas as artistas são mencionadas no Dicionário das artes Plásticas no Brasil de Roberto Pontual, publicado em 1969, no Dicionário crítico da Pintura no Brasil de

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José Roberto Teixeira Leite, publicado em 1988, no livro História Geral da Arte no Brasil, publicado em 1983 e em alguns outros livros, artigos e revistas. Existem três livros exclusivamente sobre Odilla Mestriner - Odilla Mestriner, de autoria de Jacob Klintowitz, publicado em 1987; A saga de Odilla Mestriner de Antônio Mestriner, lançado em 2013; Odilla Mestriner – O olhar do colecionador lançado pelos colecionadores Paulo Sérgio Fabrino Ribeiro e Rogério de Oliveira Ruiz, em 2014 -, enquanto que sobre Marina Caram e suas obras não há nenhuma publicação com esse foco específico1. Vale a pena mencionar também o livro Artistas do Mundo, publicado em

2013, que fala sobre os artistas mais representativos da história das artes plásticas em Ribeirão Preto, incluindo a Mestriner. No âmbito acadêmico, há apenas uma tese de doutorado2 que, entre outros artistas, comenta sobre Mestriner, além de um trabalho de

conclusão de curso de uma especialização3. Sobre a Caram, não há nada nesse

sentido, o que evidencia a ausência de estudos mais aprofundados sobre a produção de ambas.

Em nossa pesquisa, analisaremos as obras de Odilla Mestriner (1928-2009) e Marina Caram (1925-2008) que se encontram na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A Pinacoteca e o MAM/SP são museus de artes visuais, com ênfase na produção brasileira e possuem uma importância significativa no cenário nacional. Nesse sentido, interessa-nos pensar no museu como aquele que dá legitimidade à obra e, consequentemente, ao artista: “os cânones artísticos são o produto da atividade classificatória das instituições artísticas atuantes num dado contexto social e a formação do gosto, isto é, da estrutura de legitimação dos cânones artísticos e estéticos, é de natureza institucional” (TOTA, 2000, p. 52). Escolhemos esses dois museus uma vez que são marcos da história da arte em São Paulo e reúnem o que seria significativo na produção do estado. Ademais, é importante que as obras estejam no espaço público, pois facilita o contato do pesquisador com as mesmas.

1 O trabalho de Odilla Mestriner foi objeto de estudos mais aprofundados, já os artigos sobre Marina Caram foram,

em sua maioria, publicados em jornais.

2 OLIVEIRA, Emerson Dionísio Gomes de. Memória e Arte: a (in)visibilidade dos acervos de museus de arte

contemporânea brasileiros. Tese (Doutorado em História), UNB, 2009.

3 PRANDI, Maria Beatriz Ribeiro. A obra de Odilla Mestriner. Campinas, 2013. 75 f. Especializações (Artes visuais,

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A Pinacoteca foi fundada pelo Governo do Estado de São Paulo em 1905. O seu acervo original formou-se com a transferência do então Museu do Estado, hoje Museu Paulista da Universidade de São Paulo, de 26 obras de importantes artistas que atuaram na cidade (PINACOTECA, 2005). Na atualidade, o museu soma mais de 10 mil obras em seu acervo provenientes de doações, compras, transferências e incorporações4. O MAM/SP foi fundado em 1948, por iniciativa do empresário Francisco

Matarazzo e sua criação inspirou-se no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York. Seu acervo conta com mais de 5 mil obras e mantém uma política de atualização e ampliação permanente do acervo, por meio de aquisições e doações de empresas, artistas e colecionadores5. Apesar da crise que atravessou após Ciccillo Matarazzo ter

retirado suas obras e as doadas ao MAC/USP, o MAM/SP é um dos museus mais significativos do país (SAVIANI; MIGLIACCIO, 2012).

Outra opção presente no recorte do nosso objeto de estudo, foi por período. Das obras dessas duas artistas que estão na Pinacoteca e no MAM/SP, analisaremos as produzidas na década de 60 e 70. Neste sentido, interessa-nos tecer aproximações ou distanciamentos entre a produção artística brasileira desse período e as obras de Caram e Mestriner. Mais um aspecto importante na escolha do recorte das décadas de 60 e 70 é o fato de que estes anos propiciaram mudanças significativas em relação à posição das mulheres na sociedade, inclusive, a das artistas. Desse modo, examinaremos as condições de produção artística de Mestriner e Caram nessas duas décadas.

Assim, as obras que pretendemos estudar da Marina Caram são: Mercado amoroso, de 1967; Técnica evoluída, de 1969; Sem Título, de 1971; outra Sem Título, de 1971; Solidão I, de 1972; Solidão II, de 1972; Instintos, de 1972; Euforia, preto e branco (da série: O Carnaval), 1977; Menina com pássaro morto, 1976; Sem Título, de 1979. Já da Odilla Mestriner analisaremos, a princípio, as seguintes obras: Trecho de rua IV, 1960; Casa em reforma V, 1962; Figuras - casas XI, 1967; Figuras em procissão, de 1969; Festival de corais IX, 1970; Fantástico urbano III, 1977; Floricultura

4 Disponível no site da Pinacoteca do Estado de São Paulo: http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca/default.aspx 5 Disponível no site do Museu de Arte Moderna de São Paulo:

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na cidade, 1979. A partir destas, estabeleceremos um diálogo com demais obras das artistas.

“A criação artística é marcada por sua dinamicidade que nos põe, portanto, em contato com um ambiente que se caracteriza pela flexibilidade, não fixidez, mobilidade e plasticidade”. O inacabamento é algo intrínseco a todos os objetos de nosso interesse, assim, não é possível falarmos em uma obra acabada, completa, perfeita. Por isso, em nossa pesquisa, em todas as análises de obras levaremos em conta a condição do inacabamento, das mais variadas interações, incertezas e da tensão entre o que pode ser visto como uma tendência ou apenas um acaso (SALES, 2008, p. 19).

Vale ressaltar que há obras de Marina Caram em inúmeros museus brasileiros como, por exemplo, no Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu de Arte de São Paulo, Museu de Arte Brasileira – FAAP, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo e em um museu da França, o Museu Saint-vic. Além disso, existem obras dessa artista em coleções particulares na Inglaterra, Estados Unidos, Brasil e França (SCHMIDT, 1987). De acordo com as informações obtidas através de visitas ao arquivo da Fundação Bienal de São Paulo, ao MAM/SP, ao MASP, ao MAB/FAAP e à Pinacoteca/SP, percebemos que a incorporação das obras de Marina Caram nos acervos públicos se deu por meio de doações ou por compra.

As obras de Odilla Mestriner também estão em diversos museus brasileiros: Museu de Arte Contemporânea de São Paulo; Museu de Arte Brasileira – FAAP; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Museu de Arte Contemporânea de Campinas; Museu de Arte Moderna de São Paulo; Museu de Arte de Ribeirão; Departamento de Educação e Cultura de Santos; Museu de Arte de São José do Rio Preto; Museu Municipal "João Batista Conti" de Atibaia/SP; Museu de Arte Moderna de Florianópolis/SC; Museu de Arte de Curitiba/PR; Fundação Cultural de Curitiba/PR; Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro/RJ; Museu de Arte Moderna de Brasília; Palácio Itamaraty de Brasília; Museu de Arte de Vitória/ES; Museu "Conselheiro Carrão" de Americana/SP; Departamento de Educação e Cultura de Santo André/SP; Museu de Arte de Joinville/SC; Departamento de Cultura de S. Bernardo do

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Campo/SP; Fundação Instituto de Ensino de Osasco/SP – FIEO6. A incorporação7

dessas obras nos museus se deu por compra, doações e Prêmios Aquisições em Salões e Exposições.

Com base nessas reflexões iniciais, propomos o desenvolvimento de um trabalho que, a princípio, examine as relações entre gênero e arte no Brasil, a partir do trabalho de teóricos internacionais e de autores brasileiros. Depois, analise as obras da Marina Caram e Odilla Mestriner que estão na Pinacoteca e no MAM/SP produzidas nos anos 60 e 70 e investigue os processos sociais de musealização dessas obras. Procuraremos ainda estabelecer interlocuções entre o trabalho dessas artistas e o de seus contemporâneos. Além disso, interessa-nos investigar suas condições de produção na década de 60 e 70.

6 Estas informações foram disponibilizadas pelo Instituto Odilla Mestriner. 7 Idem.

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31 1 CAPÍTULO 1 ARTE E GÊNERO

1.1 As questões de Gênero e a categoria Mulher

Os posicionamentos dos autores que discutem, na atualidade, o conceito de gênero são diversos e impossíveis de serem abarcados neste capítulo. Deste modo, nossa intenção é levantar algumas questões que parecem significativas para uma problematização do conceito de gênero e da categoria mulher, visto que nossa pesquisa utiliza a categoria analítica de gênero a fim de elaborar um estudo sobre duas artistas mulheres. Nosso intuito é ainda, a partir dessa discussão dos sentidos de gênero e mulher, problematizar as relações existentes entre arte e gênero, tendo como pressuposto que a categoria mulher é um constructo social não universal e que possui particularidades e especificidades como raça8, classe social e lugar.

O pensamento feminista9 não possui um todo unificado, por isso, devemos

compreendê-lo no plural. Entretanto, há dentro dessa diversidade alguns compartilhamentos que passaram a ser desenvolvidos no final da década de 1960. Em se tratando de questões políticas, por exemplo, as diversas vertentes feministas consideram que haja uma subordinação nos lugares ocupados pelas mulheres em relação aos homens. Esta subordinação feminina é inteligida de acordo com as especificidades históricas e sociais. Apesar disto, ela é pensada universalmente, visto que parece ocorrer na maioria dos períodos históricos conhecidos (PISCITELLI, 2001).

O conceito de gênero é um produto do pensamento feminista e resultado de questionamentos a respeito das causas da opressão da mulher. Ele passou a ser

8 “Atualmente, o conceito de raça quando aplicado a humanidade causa inúmeras polêmicas, porque a área biológica

comprovou que as diferenças genéticas entre os seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a humanidade é constituída por raças. No entanto na década de 1970, o Movimento Negro Unificado e os teóricos que defendiam a causa, ressignificaram o conceito de raça como uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas. Muitas vezes simulados como harmoniosos, não tinha relação com o conceito biológico de raça cunhado no século XIX, e que hoje está superado. O termo raça usado nesse contexto, tem uma conotação política e é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas

características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira” (TERUYA, 2008, p.4). Portanto, é dentro desse sentido que utilizaremos o conceito de raça em nossa pesquisa.

9 É importante ressaltarmos que não é possível pensarmos no feminismo como um movimento único nem no Brasil e

nem nos demais países onde ele aparece. Ao contrário, o feminismo é múltiplo, por isso deve ser pensado no plural. No caso do feminismo brasileiro vale a pena ver TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no

Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1999; e PINTO, Célia Regina Jardim. Uma História do feminismo no Brasil.

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construído pelas feministas como uma forma de resistência à opressão patriarcal. Ao elaborarem esse conceito, as feministas passaram a associar suas antigas preocupações políticas a “uma melhor compreensão da maneira como o gênero opera em todas as sociedades, o que exige pensar de maneira mais complexa o poder”. Essas perspectivas feministas iniciais do gênero sustentam um interesse fundamental na posição da mulher, todavia, não excluem de suas análises possibilidades além das mulheres (PISCITELLI, 2001, p.11).

Dentro desta perspectiva, Joan Scott, em seu artigo Gênero uma categoria útil para análise, de 1995, escreve que as feministas americanas, mais recentemente, foram as primeiras a utilizarem “gênero” para defender que as diferenças baseadas no sexo são, estritamente, de caráter social. O uso da palavra feito por elas negava qualquer referência a um determinismo biológico no uso de alguns termos, como, por exemplo, o de “diferença sexual” e de “sexo”. O gênero também evidenciava as relações existentes nas “definições normativas das feminilidades”. As feministas que consideravam a produção de estudos femininos focada unicamente nas mulheres, de forma excludente, passaram a utilizar a categoria “gênero” para introduzir uma noção relacional no vocabulário analítico. Assim, a compreensão tanto das mulheres quanto dos homens não poderia ser dada de forma separada, isto é, eram definidos em termos recíprocos.

Além disso, Scott (1995) destaca o fato de algumas estudiosas defenderem a utilização do termo “gênero”, na crença de que os estudos a respeito das mulheres mudariam radicalmente os padrões no interior de cada disciplina. A inclusão das mulheres da história passaria, assim, não apenas a escrever uma história das mulheres, mas, principalmente, uma nova história. O cerne da discussão seria a forma utilizada por essa nova história para incluir a vivência das mulheres. Isto é, esta nova história estaria sujeita a maneira como o gênero seria desenvolvido como uma categoria de análise. Neste caso, as questões de raça e classe eram evidenciadas e admitidas também por aquelas pesquisadoras que possuíam uma visão política mais generalizada.

Scott (1995) considera fundamental abandonar os aspectos permanentes da oposição binária, historicizar as categorias e desconstruir os termos que fundamentam

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as diferenças sexuais. A parte fundamental da definição de gênero para essa autora baseia-se no entrelaçamento entre duas proposições: a de que esse conceito é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e a de que ele é uma forma primeira de significar as relações de poder.

Teresa de Lauretis (1994) também é uma estudiosa que faz uma crítica ao uso do termo gênero ligado à “diferença sexual”. Para a autora, o binarismo – feminino e masculino, homem e mulher – corrobora com os discursos sociais dominantes sejam eles médicos, biológicos, filosóficos, através de uma tendência de reproduzir-se e retextualizar-se nas escritas das próprias feministas. Dar ênfase ao sexual é uma forma de comprometer a própria crítica feminista e inviabilizar a diferenciação existente entre as próprias mulheres.

Lauretis (1994) sustenta que o gênero pode ser inteligido a partir do que Foucault escreve em seu livro A história da sexualidade. A visão teórica foucaultiana enxerga a sexualidade como uma “tecnologia sexual” e não como uma propriedade dos corpos, pelo contrário, ela é compreendida como uma combinação variada de efeitos produzidos nas relações sociais, comportamentos e corpos. Para Foucault, de acordo com Lauretis, nem sexualidade nem sexo seriam verdades essenciais, mas apenas construções históricas. Tratar o histórico como natural sempre é estratégia do poder. Baseada nisto, Lauretis propõe pensarmos o gênero como representação e autorrepresentação produzidos por discursos e distintas tecnologias sociais, epistemologias e críticas institucionalizadas e não institucionalizadas. Apesar da autora falar em “tecnologia do gênero” apropriando-se de alguns pontos da teoria foucaultiana, ela deixa claro que está indo além da compreensão de Foucault, cuja crítica à tecnologia sexual não levou em consideração o gênero, embora não tenha o inviabilizado.

Como mencionamos no início do texto, inúmeras são as visões teóricas de autores que, atualmente, discutem as questões de gênero e, apesar de não constituírem um todo unificado, “coincidem nos esforços por eliminar qualquer naturalização na conceitualização da diferença sexual, pensando em gênero de maneira não identitária” (PISCITELLI, 2001, p.16). Dentro deste contexto, acreditamos que o pensamento de Judith Butler se destaca. Para nossa pesquisa, especificamente,

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alguns de seus questionamentos e conceitos, juntamente com as ideias das já citadas Lauretis (1994) e Scott (1995), servem de base para repensarmos a categoria “mulher” com a qual trabalharemos.

De acordo com Butler (2003), em seu livro Problemas de gênero: feminismo e subversão das identidades, publicado originalmente em 1990, a teoria feminista tem presumido que haja uma identidade definida, entendida através da categoria “mulheres” e isso destrói os objetivos do próprio feminismo no interior de seu discurso. A autora concorda que uma política de visibilidade proposta no uso da categoria “mulheres” é importante, tendo em vista a má representação ou não representação das mulheres e, por outro lado, diz que a função normativa da linguagem pode estabelecer um sujeito tido como único e verdadeiro a respeito das “mulheres”. Butler sustenta que ao estabelecer uma coerência e unidade na categoria “mulheres”, as primeiras feministas recusaram a pluralidade de cruzamentos culturais, sociais e políticos que constroem a categoria “mulheres”. Então, mais recentemente, segundo Butler, dentro do discurso feminista alguns questionamentos começaram a surgir. Deste modo, “o próprio sujeito das mulheres não é mais compreendido em termos estáveis ou permanentes” (BUTLER, 2003, p.18).

Em um artigo mais recente, publicado em 1998, Butler escreve que as categorias de identidade não são apenas descritivas, mas sempre normativas e, consequentemente, exclusivistas. Apesar disso, sustenta que a questão não é deixar de utilizar a categoria “mulher”, mas sim usar o termo como um lugar permanentemente aberto a ressignificações. “Desconstruir o sujeito do feminismo não é, portanto, censurar sua utilização, mas, ao contrário, liberar o termo num futuro de múltiplas significações, emancipá-lo das ontologias maternais ou racistas às quais esteve restrito” (BUTLER, 1998, p.25).

A filósofa Marcia Tiburi (2013) comenta que o feminismo de Butler deve ser entendido como uma defesa de todos os tipos de desmontagens de gênero que oprimem características particulares de cada ser humano que não se enquadra dentro daquilo que é tido como o “padrão”. Neste sentido, além de preocupar-se com as mulheres, Butler defende todos aqueles que não se adequam nos discursos que dizem basear-se na “natureza” dos corpos. Butler acredita que os corpos possuem

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potencialidades maiores do que a das teóricas ontológicas clássicas que se pautam apenas em uma ideia de natureza masculina ou feminina. Para Tiburi, o pensamento de Butler transcende a questão da sexualidade e apresenta uma nova via de reflexões a respeito do lugar de todos aqueles que estão fora do padrão homem, branco europeu, como, por exemplo, os negros, os transexuais, judeus (TIBURI, 2013, p. 22 – 23). Segundo Butler:

O gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser....o gênero mostra-se ser

performativo no interior do discurso herdado da metafísica da substância

– isto é, constituinte da identidade que supostamente é. Nesse sentido, o gênero é sempre um feito, ainda que não seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra. No desafio de repensar as categorias do gênero fora da metafísica da substância, é mister considerar a relevância da afirmação de Nietzsche, em A genealogia da moral, de que “não há ‘ser’ por trás do fazer, do realizar e do tornar-se; o ‘fazedor’ é uma mera ficção acrescentada à obra – a obra é tudo”. Numa aplicação que o próprio Nietzsche não teria antecipado ou aprovado, nós afirmaríamos como corolário: não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias “expressões” tidas como seus resultados (BUTLER, 2003, p.48-58).

Dentro disto, a tentativa de Butler é a de desnaturalizar e desmistificar gênero e sexo. Diferentemente dos primeiros discursos feministas que diziam que o sexo é natural e o gênero é construído, para essa pensadora americana, ambos os termos são construídos: “talvez o sexo sempre tenha sido o gênero de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma. Assim, o discurso confunde-se com o próprio corpo na medida em que nele habita. Isto significa que para a luta feminista não seria plausível sustentar uma distinção entre gênero e sexo, ao contrário, respeitar os corpos cuja liberdade depende de serem livres do discurso que os constitui (TIBURI, 2013, p. 22-26).

Ainda na visão de Butler (2003), algumas tentativas estão sendo realizadas para criar políticas de coalizão. Nestas, a noção “mulheres” não tem um conteúdo pressuposto. Pelo contrário, elas propõem que mulheres com posicionamentos distintos “articulem identidades separadas na estrutura de uma coalizão emergente”. Apesar de

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não subestimar a potencialidade que essas políticas de coalizão podem ter, Butler destaca um aspecto preocupante que deve ser levado em conta. Os esforços para determinar e impor fronteiras entre o que é ou não o verdadeiro diálogo e quando a unidade foi ou não alcançada, podem impedir a dinamicidade da autoconstrução da coalizão (BUTLER, 2003, p. 35).

O pensamento de Linda Nicholson (2000) aproxima-se do de Butler e diferencia-se do feminismo da década de 70, na medida em que Nicholson propõe uma ideia de mulher livre de qualquer essencialismo, atenta às questões históricas e sem um sentido definido. A categoria “mulher”, para Nicholson, também não pode ser pressuposta, mas sim descoberta a partir de uma complexa rede de características que não podem ser universalizadas. Adriana Piscitelli (2001, p.20-21) afirma que, “nessa proposta, não se trata em pensar em “mulheres como tais”, ou “mulheres nas sociedades patriarcais”, mas em “mulheres em contextos específicos”. A categoria “mulher” proposta por Linda Nicholson, segundo a própria autora, permitiria reconhecer não apenas as diferenças entre mulheres, mas também as semelhanças, o que viabilizaria a prática política, visto que a mesma não exige um sentido definido para o termo mulher. Deste modo, se trataria, como já mencionado por Butler, e também defendido por Nicholson, de políticas de coalizão - “de políticas compostas por listas de reivindicações relativas às diferentes necessidades dos grupos que constituem, temporariamente, a coalização” (PICITELLI, 2001, p.21).

Portanto, o fato de usarmos desde o título do trabalho a categoria mulheres é um posicionamento político. É importante marcar que as artistas Odilla Mestriner e Marina Caram são mulheres, pois não acreditamos na existência de uma suposta neutralidade de gênero. Porém, é também importante mencionarmos que a nossa ideia de mulheres não pressupõe uma essência feminina, nem um sujeito único definido. Pelo contrário, a noção de mulheres que utilizaremos insere-se na categoria elaborada por feministas como Butler10 (2003), Nicholson (2000), Lauretis (1994), Scott (1995) que, apesar de

divergirem em alguns pontos, coincidem nos aspectos de historicizar o gênero. Ou seja, não há uma estética feminina, nem temáticas específicas elaboradas pelas mulheres, pois tanto homens quanto mulheres são categorias construídas, assim, as diferenças e

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semelhanças entre as produções artísticas existem entre quaisquer pessoas, independentemente do sexo, gênero, classe e raça.

1.2 Arte e Crítica feminista nos EUA e na Europa a partir da década de 70

Linda Nochlin, em seu artigo inaugural Why have there been no great women artists?, publicado originalmente em 1971, afirma que são as condições institucionais (públicas) e não individuais (privadas) que, nas artes, estão vinculadas ao êxito ou ao fracasso. Nochlin desconstrói a ideia de genialidade e de que esse conceito seja um atributo inato e defende que “gênio”, na realidade, não é uma essência fixa, mas uma prática social dinâmica construída em dada circunstância. A autora ressalta que é importante questionar a própria estrutura de sua pergunta inicial e buscar respondê-la fazendo uma análise do sistema da arte em conjunto com os estudos sociais. Assim, a historiadora problematiza as condições desiguais de produção artística feminina e as estratégias de poder e de saber da própria disciplina que justificavam o não reconhecimento das mulheres como grandes mestras.

No livro Old Mistresses: Women, Art and Ideology, publicado pela primeira vez em 1981, Pollock e Rozsika Parker (2013) partem da premissa de que mulheres artistas existem desde a antiguidade. As autoras contam que Giovanni Boccaccio produziu um texto inspirado em famosas mulheres da Antiguidade, o De Claris Mulieribus, de 1370, que incluiu relatos de três artistas clássicas: Eirene, Marcia e Thamyris. No século XVI, em seu tratado considerado inaugural, Giorgio Vasari também escreve sobre artistas mulheres. Neste trabalho, por exemplo, há um capítulo a respeito da escultora Properzia de’ Rossi (1490-1530), dados sobre Sofonisba Anguissola (1532/5-1625) e suas cinco irmãs e a descrição de uma obra de Plautilla Nelli (1523-1588). Assim, Pollock e Parker sustentam que, apesar de serem mencionadas dentro de estereótipos “femininos” e com “status” inferiores, as artistas mulheres estão presente nos livros de arte até o século XIX. Entretanto, no século XX, espantosamente, as artistas começam a desaparecer dos textos dos escritores modernos. Para Pollock e Parker (2013), os historiadores da arte do século XX tiveram inúmeras fontes para mostrar que mulheres artistas sempre existiram, mas eles ignoraram esse fato. Isto é o que observamos no

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livro A História da Arte de Ernest Gombrich, de 1961 e no História da Arte de H. W Janson, de 1962, em que ambos os autores não mencionam artistas mulheres.

Além desse apagamento das artistas, a estrutura patriarcal reservou à mulher poucas possibilidades de escolha. Nas academias de arte dos séculos XVIII e XIX, as mulheres foram impedidas de pintar os gêneros maiores, ao lhe ser negado o estudo dos nus, sendo permitidos apenas a natureza morta, o retrato e a paisagem. O acesso ao modelo-vivo era considerado absolutamente indispensável à formação de um artista e, visto que para as mulheres isto era proibido, uma segregação se começa a fazer presente. Essa separação transformou-se em um argumento usado para comprovar a desigualdade de talentos entre as artistas mulheres e os homens. Desse modo, elas eram excluídas do aprendizado de uma linguagem fundamental da arte e não tinham o poder “de fazer suas próprias representações do mundo, desde seu próprio ponto de vista, para resistir ou responder à hegemonia de classe ou do sexo dominantes” (POLLOCK, 2007, p. 75). Além disso, parece impossível historiadores e críticos referirem-se às mulheres sem mencionarem sua sexualidade e, com isso, não interferirem no tratamento das obras. O fato das artistas serem mulheres tinha um peso muito significativo, assim, primeiramente, elas eram vistas como mulher e depois como artista (LOPONTE, 2002).

Artemisia Gentileschi, por exemplo, além de ser violada quando adolescente, foi depreciada pelos biógrafos que diziam que o abuso deixou-a sexualmente “livre”; Sonofisba, no tratado de Vasari do século XVI mencionado anteriormente, recebeu comentários nada pertinentes, que mencionavam seus aspectos físicos – como a beleza – e psicológicos – como a modéstia; Elisabetta Sirani teve sua capacidade artística criadora questionada a ponto de acharem que ela fraudava suas obras, pois não acreditavam que uma mulher pudesse pintar tão bem; sobre Suzanne Valadon falavam que era amante de muitos artistas, mãe solteira e filha ilegítima. Estes tipos de comentários muito raramente eram utilizados para referenciar-se aos homens e, na hipótese disso ocorrer, serviam apenas para reiterarem a ideia de gênio em determinado artista homem (PORQUERES, 1994).

Mulheres artistas estavam, na maioria das vezes, em posições coadjuvantes: eram esposas ou amantes, ou mães, ou filhas, isto é, eram justificadas a partir de uma

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relação que se estabelecia com um outro sempre masculino. Sem contar que, constantemente, tinham suas competências colocadas à prova ou questionadas, visto que a genialidade era considerada um atributo masculino:

Vale a pena conhecer as afirmações misóginas de artistas renomados como Renoir (“Considero as escritoras, advogadas e políticas – como Georges Sand, Madame Adam e outros – como monstros, como terneiros de cinco patas [...]. A mulher artista é sinceramente ridícula”) e Degas, sobre Mary Cassatt, artista impressionista americana (“Não posso admitir que uma mulher desenhe tão bem!”) (LOPONTE, 2002, p.289).

Rozsiska Parker11, com certa ironia, afirma que “a arte, claro, não tem sexo; mas

o artista, sim”. Isto é, os aspectos de gênero são considerados nas trajetórias e vivências dos artistas, não há neutralidade de gênero, como supõem algumas pessoas. De acordo com Luciana Loponte, é possível observarmos a maneira como a trajetória de Camille Claudel (1864-1943) foi conduzida, a partir do viés de gênero. Esta artista era ligada ao escultor Rodin (1849 -1917) tanto emocional quanto afetivamente. Para os homens que detinham os meios de controle no mundo da arte, naquela época, o fato de Camille Claudel ser uma mulher significava ser mais sexual do que intelectual, assim, sua história tinha apenas uma possibilidade: fazer parte de uma outra história (no caso a de Rodin) e não ter uma apenas sua. O fato de Rodin, por meio de suas obras, trabalhar com a sexualidade só o legitimou como um gênio criativo, enquanto que algumas obras de Camille não foram aceitas pelo excesso de realidade que elas traziam, especialmente se tratando de expressões consideradas sensuais (LOPONTE, 2002).

Já em relação à arte moderna, Pollock (1998) acredita que ela exalta uma tradição exclusivista, que canoniza como o único modernismo um determinado conjunto de práticas específicas e gerais. Para a autora, apenas homens aparecem como precursores dos principais movimentos no modernismo, não porque não haviam mulheres envolvidas nesses primeiros movimentos e nem porque elas não eram

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importantes a ponto de não os influenciar, mas porque as relações de sexualidade, poder e gênero determinavam quem podia representar e também ser representado.

Muitas das obras tidas como inaugurais da arte moderna tratam precisamente da sexualidade e, desta, como uma troca comercial. As cenas de bares, bordéis e divã de artistas eram possíveis apenas para os homens que tinham a liberdade de desfrutar de prazeres em espaços onde as mulheres comercializavam a companhia delas e a relação sexual. Entrar nesses mesmos espaços representava uma grave ameaça à reputação de uma mulher burguesa e a sua “respeitabilidade”, pois o espaço público não deveria ser ocupado por mulheres, a elas cabia apenas o espaço privado. Ou seja, as mulheres burguesas eram proibidas de frequentarem esses locais, por outro lado, inúmeros corpos femininos eram “comercializados” nesses ambientes. Apesar disso, ao representarem esses corpos femininos, os homens artistas afirmavam posições de vanguarda (POLLOCK, 1998).

Além dessas críticas que as teóricas feministas começaram a fazer a partir da década de 70 ao mundo da arte, em meados dos anos 60, aparecem as primeiras performances já influenciadas pelas ideias feministas, como o trabalho Eye Body12, de

1963, de Carole Schneemann e o trabalho da Yoko Ono Cut Piece13, de 1965. A arte

feminista14 norte-americana que se inicia na década de 60 possuía um teor de denúncia

e inconformismo com as desigualdades. Na década de 1970, surge o Feminist Art Program, no Instituto de Artes da Universidade do Estado da Califórnia, organizado por Judy Chicago e Miriam Schapiro. Este programa era exclusivo para a formação de mulheres artistas. Naquela época, embora a preponderância de alunos de graduação fosse de mulheres, poucas tornavam-se profissionais e construíam carreiras bem sucedidas, assim, Shapiro e Chicago se propuseram a mudar a situação. Com isso, houve o desenvolvimento das ideias feministas no interior do ambiente acadêmico e as

12 A imagem dessa obra pode ser vista nos anexos (Figura 49). 13 Idem (Figura 50).

14 A curadora e crítica de arte Lucy Lippard (1995) explica que a arte feminista não era um movimento artístico, pois

estava fundamentada no conteúdo e não em um “estilo” que a caracterizasse. Lippard (1995) afirma que a arte feminista ainda está em atividade e a cada década ela tem ressurgido nos trabalhos de artistas variados. Outro aspecto que devemos destacar é que do mesmo modo que existem múltiplos feminismos há também inúmeras criações artísticas feministas. Cada artista que decidiu produzir obras feministas apresentou características e processos específicos. Não há linearidade quando falamos em uma arte feminista. Podemos dizer é que, afetadas pelas ideias feministas, as artistas focavam diretamente a mulher, a partir de um olhar próprio que encontrava-se mais crítico e consciente, apesar de, no início, essa arte feminista ter sido mal recebida e compreendida

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teóricas feministas, dentro da arte, puderam “oficializar-se” através da produção artística (TRIZOLI, 2008).

Também nos EUA, na década de 80, as mulheres artistas, como resultado das críticas que surgem dentro do próprio movimento feminista em relação ao essencialismo, passam a criticar os elementos racistas, eurocentristas e conservadores interiorizados no pensamento feminista da arte. Nesse momento, as artistas negras discutem seus papéis na sociedade, como Sonia Boyce15 (TRIZOLI, 2008,

p.1500-1501).

Em 1989, numa tentativa de denunciar a desproporção dentro dos museus entre o número de artistas mulheres em relação aos homens e uma superexposição da nudez feminina nas obras de arte, o grupo norte americano Guerrilla Girls16 elaborou o pôster

Do women have to be naked to get into the Metropolitan Museum? que continha o seguinte texto: Do women have be naked to get into the Met. Museum? Less than 5% of the artists in the Modern Art Sections are women, but 85% of the nudes are female – (“As mulheres têm de estar nuas para conseguirem entrar no Met. Museum? Menos de 5% dos artistas da Seção de Arte Moderna são mulheres, mas 85% dos nus são femininos”). O ativismo artístico deste grupo evidenciou a desigualdade de gênero presente no mundo das artes: a objetificação do corpo feminino; a mulher passiva, adormecida, que não fala, só é contemplada; a ausência de mulheres dentro de espaços artísticos como sujeitos ativos e representantes.

Nos anos 90, no geral, as discussões das artistas norte-americanas são influenciadas pelas teorias e estudos psicanalíticos, de gênero e o político, além do desenvolvimento da arte tecnológica e seus novos questionamentos levantados. Toda essa movimentação resultou em um aprofundamento nas pesquisas a respeito da misoginia presente na história da arte, questionando os por quês das dificuldades de inserir as mulheres e buscando saber quais são os mecanismos de exclusão. A história da arte e o mercado de arte não estão isentos dos valores morais da sociedade à qual pertencem, eles refletem suas ânsias, preconceitos e valores vigentes (TRIZOLI, 2008).

15 Ver figura 51 nos anexos.

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Na arte contemporânea, todos esses elementos das décadas passadas ainda estão presentes, evidentemente, os meios, os processos e as interpretações são diversas. As questões sobre papéis sociais, identidades, gênero, desigualdades, violência, prazer, afetos são frequentemente discutidas. Os artistas que trabalham com esses temas, não necessariamente, se definem feministas ou tem noção que tocam em pontos levantados pelo pensamento feminista, como a artista Cindy Sherman que falaremos mais no próximo parágrafo. Vale dizer também que este é um ponto complexo, por isso, é preciso cuidado para não projetarmos o feminismo em locais em que ele não existe e atenção para vê-lo em lugares inesperados e que se dizem isentos de sua influência.

A esse respeito, Ana Paula Cavalcanti Simioni (2013)17, em uma recente

entrevista concedida a TV USP, fala sobre a artista Cindy Sherman - única artista mulher que encontra-se na lista dos “20 mais mais” da arte contemporânea. De acordo com a pesquisadora, Sherman não se diz uma artista feminista, apesar disso, sua obra traz a temática feminista de que a feminilidade não é algo natural das mulheres, mas sim um constructo social, algo que é ensinado e aprendido através dos discursos. Estes podem ser o da indústria cultural, cinema, publicidade e da própria história da arte. Assim, essa construção envolve disputas e poder que muitas vezes não são notados e assimilados acriticamente. Não é necessário que Cindy Sherman se nomeie feminista para percebermos em suas obras um posicionamento crítico oriundo do pensamento feminista. É claro que para isso é importante se basear em elementos formais da obra da artista, tem que ser algo bem fundamentado e não aleatório.

Apesar desse suposto medo ou receio que a palavra feminismo parece causar em algumas artistas, talvez, por desconhecimento de seus significados, não podemos negar que, a partir do final do século XX e início do século XXI, após várias décadas dos primeiros questionamentos feministas, a situação das artistas mulheres no mundo das artes transformou-se razoavelmente. Simioni (2011), em seu artigo A difícil arte de se expor mulheres artistas, fala sobre a crescente quantidade das exposições internacionais de artistas mulheres. Segundo a autora, durante o ano de 2009, o Centre Georges Pompidou realizou a exposição Elles composta por obras de mulheres artistas

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presentes em sua coleção. Apesar de incomum, a exposição não foi inédita, pois já em 1995, o mesmo museu organizara a exposição Féminin-Masculin: le sexe de l'art. Em 2007, o Museum of Contemporary Art, de Los Angeles, realizou a exposição Wack! Art and Feminist Revolution. Entretanto, Simioni destaca que a dimensão de Elles se sobressai, por causa da grandeza de sua escala que reuniu mais de 200 artistas e mais de 500 obras. Para a socióloga brasileira, isso comprova o impacto que os estudos sobre as relações entre arte e gênero foram capazes de provocar nas instituições artísticas.

Nessa perspectiva, Linda Nochlin (2006), 30 anos após seu texto inicial Why have there been no great women artists?, afirma que as teorias do discurso e dos feminismos transformaram grandemente a história da arte. Para a autora, os feminismos foram muito importantes para o pensamento contemporâneo sobre a arte, visto que através deles houve a descentralização de um tipo de análise focada apenas nos “mestres”, fazendo com que muitas artistas mulheres passassem a ter lugar no mundo da arte. Entretanto, a seu ver, a maneira como estas artistas foram aceitas é questionável. Além disso, Nochlin apresenta alguns exemplos de mulheres artistas consagradas para mostrar as mudanças ocorridas desde 1970. No final do seu texto, a autora afirma que as tentativas dos feminismos iniciadas na década de 70 ainda não foram finalizadas; sugere, então, que as novas gerações precisam continuar trabalhando nesse sentido.

Amelia Jones (2008), por sua vez, acredita que o feminismo não eliminou completamente as estruturas machistas, pois são essas que ainda sustentam o mundo da arte em todos seus aspectos. O que ocorre de fato, segundo Jones, é uma conquista do feminismo em relação à aceitação das artistas mulheres. “No entanto, o corolário dessa valoração da arte feminina é, como não, uma valoração econômica: tornar a colocar-nos no mesmo centro (como seja) do problema do capital” (JONES, 2008, p.9). Para Jones, a lógica da crítica feminista consistiria em destruir o conceito de arte como nós conhecemos no mundo Ocidental. Neste sentido, o feminismo é muito importante para rever privilégios políticos, culturais e econômicos mantidos por estruturas que muitas vezes são ocultas, interiorizadas e silenciadas.

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Todas as teorias feministas, apresentadas anteriormente, foram fundamentais para que os autores brasileiros desenvolvessem um posicionamento crítico em relação à história da arte brasileira, pois muitos dos problemas que ocorreram/ocorrem nos EUA e na Europa também aconteceram/acontecem aqui. Entretanto, no Brasil, há especificidades que devem ser consideradas. Deste modo, no próximo tópico faremos observações sobre as questões de arte e gênero no Brasil, a partir de alguns estudos que foram desenvolvidos por autores brasileiros e que consideramos mais pertinentes para a nossa pesquisa.

1.3 Estudos sobre Arte e Gênero no Brasil: alguns apontamentos

No Brasil, a condição de mulheres artistas pouco difere dos demais países, visto que aqui também há um difícil reconhecimento das mulheres como produtoras de arte em termos qualitativos e quantitativos, embora exceções tenham começado a surgir, especialmente, a partir do século XX. Portanto, falar da presença de mulheres na arte brasileira é trazer à tona descontinuidades, ausências e apagamentos (LOPONTE, 2008).

Ana Paula Simioni (2008), em seu livro Profissão Artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras, afirma que, ao longo do século XIX e início do XX, as condições para a mulher alcançar a profissionalização não eram nada favoráveis. Primeiro, porque havia preconceitos de ordem familiar e acreditava-se em um discurso científico legitimador da desigualdade entre os sexos. Segundo, porque o ingresso legal nas instituições de ensino superior só foi possível em 1879 e apenas nas faculdades de medicina. Somente em 1892, com a proclamação da República, as mulheres obtiveram o direito de se inscrever nas demais instituições de ensino. Mesmo com esses mecanismos que dificultavam o acesso das mulheres ao mundo das artes, cerca de 25% a 30% dos expositores dos salões de arte no Brasil, na França e no México sempre foram mulheres. Ou seja, elas estavam ali, mas não eram reconhecidas, sobretudo por se dedicarem a pintura de gêneros não tão valorizados18.

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As mudanças começaram de fato a ocorrer quando as conquistas educacionais foram alcançadas e a supremacia do pensamento acadêmico nas artes iniciou seu declínio. Este se relacionava com o crescimento de um mercado de arte paralelo e com os questionamentos de novos grupos artísticos. Dentro desse contexto, a pintora Georgina de Albuquerque e a escultora Nicolina Vaz são exemplos bem-sucedidos de carreiras femininas. A produção dessas artistas impactou os críticos que estavam arraigados a pensamentos estereotipados sobre as mulheres (SIMIONI, 2008). No entanto, Simioni (2008) afirma que o declínio da hegemonia do sistema de ensino acadêmico não resolveu todas essas questões, pois depois dele diferentes estruturas de distinção com base no gênero continuaram a ocorrer.

Isto é o que notamos ao observar as diferentes trajetórias de duas artistas extremamente importantes para o movimento modernista brasileiro: Anita Malfatti (1889-1964) e Tarsila do Amaral (1886-1973). O trabalho destas artistas alcançou um lugar de grande destaque no cenário nacional, sendo impossível falarmos do modernismo brasileiro sem referenciá-las. Porém, percebemos que muitas das análises feitas sobre a produção e as carreiras dessas artistas levaram em conta aspectos estéticos ou da vida pessoal, como, por exemplo, destacar a beleza de uma e a feiura da outra, dizer que uma era amada por todos os homens e a outra desprezada ou enfatizar uma “rivalidade” entre ambas. A veracidade desses elementos não é essencial para examinar as trajetórias de Tarsila e Anita, todavia, alguns pesquisadores acabam reduzindo todos os fatores que estão envolvidos na consolidação de uma carreira às questões da vida privada, estética e emocional. Sabemos, todavia, que, quando se trata de artistas homens, as análises não consideram esses aspectos tão fundamentais e determinantes. Maria de Fátima Morethy Couto (2008) faz a seguinte observação a respeito desse tipo de distinção:

... estaríamos nós, mulheres, fadadas, por questões de gênero, a rivalidades em tais termos e a misturar o campo pessoal e o profissional de forma tão emotiva? Dito de outro modo, poderíamos utilizar esses mesmos parâmetros de análise para estudar a obra de pintores representativos de nosso movimento modernista? Estabelecer, por exemplo, um confronto entre o “filho e neto de modestos imigrantes italianos recém-instalados no interior paulista, coxo e de pequena estatura” que foi Portinari e o boêmio Di Cavalcanti, confronto esse que

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explicasse suas idas e vindas no campo artístico? Ou ainda entre o disciplinado e recatado Mário de Andrade e o irreverente Oswald? Não se trata de negar o encantamento de Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Menotti del Picchia, para não citar Oswald, em relação a Tarsila, tão evidente nos comentários citados anteriormente. Entretanto, cabe ressaltar que esta “sensitiva exaltada, misto de adulto e de criança, independência e medo” que foi Anita soube procurar seu caminho, na França, de forma profundamente independente, sem acatar interferências ou sugestões. Enfrentou as críticas de Mário de Andrade e rejeitou bravamente suas orientações. Tampouco sucumbiu aos encantos de Tarsila ou permaneceu à sua sombra. Percebe-se, ao cotejar as trajetórias das duas artistas na Europa dos anos 1920, que cada uma buscou inserir-se no meio artístico parisiense a seu modo, valendo-se dos recursos (desiguais, de fato) de que dispunham (COUTO, 2008, p. 145-146).

Ainda em relação ao movimento modernista brasileiro, é importante mencionarmos que, além das artistas Anita e Tarsila serem avaliadas - por alguns teóricos - a partir de parâmetros nitidamente essencialistas, o movimento em si não apresentou uma discussão das relações de gênero. Para Giulia Crippa (1999), por mais polêmico que este movimento tenha sido, ele não objetivou romper com a representação tradicional dos corpos femininos já que, nas obras, estes corpos são apenas um reflexo da sociedade burguesa daquele período. Anita Malfatti tenta repensar uma nova definição do corpo feminino, mas não encontra um ambiente favorável, assim, retorna a uma arte mais “tradicional”. Além disso, no caso de Tarsila do Amaral, Giulia Crippa (2003) considera que há uma estratégia no uso do grotesco em suas obras. Para a autora, o grotesco constitui-se “como parte do patrimônio da expressão estética das mulheres”, não de forma essencialista e nem ligada a uma suposta natureza feminina, mas sim como uma espécie de artifício para alcançar um espaço de reconhecimento dentro da arte (CRIPPA, 2003, p.122). O uso do grotesco pode se dar de maneira consciente ou não. Vale dizer que Crippa (2003) esclarece que a produção das artistas não se limita ao grotesco e nem que o mesmo é algo exclusivo delas, o fato é que em dadas situações e épocas, no modernismo, no caso de Tarsila, a estética grotesca foi utilizada como uma estratégia para obter reconhecimento e não ser “esquecida” com o tempo.

Depois, já nos anos 60 e 70, o pensamento feminista chega à classe média paulistana e carioca e começa a causar transformações dentro e fora do campo

Referências

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