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No Brasil, a condição de mulheres artistas pouco difere dos demais países, visto que aqui também há um difícil reconhecimento das mulheres como produtoras de arte em termos qualitativos e quantitativos, embora exceções tenham começado a surgir, especialmente, a partir do século XX. Portanto, falar da presença de mulheres na arte brasileira é trazer à tona descontinuidades, ausências e apagamentos (LOPONTE, 2008).

Ana Paula Simioni (2008), em seu livro Profissão Artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras, afirma que, ao longo do século XIX e início do XX, as condições para a mulher alcançar a profissionalização não eram nada favoráveis. Primeiro, porque havia preconceitos de ordem familiar e acreditava-se em um discurso científico legitimador da desigualdade entre os sexos. Segundo, porque o ingresso legal nas instituições de ensino superior só foi possível em 1879 e apenas nas faculdades de medicina. Somente em 1892, com a proclamação da República, as mulheres obtiveram o direito de se inscrever nas demais instituições de ensino. Mesmo com esses mecanismos que dificultavam o acesso das mulheres ao mundo das artes, cerca de 25% a 30% dos expositores dos salões de arte no Brasil, na França e no México sempre foram mulheres. Ou seja, elas estavam ali, mas não eram reconhecidas, sobretudo por se dedicarem a pintura de gêneros não tão valorizados18.

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As mudanças começaram de fato a ocorrer quando as conquistas educacionais foram alcançadas e a supremacia do pensamento acadêmico nas artes iniciou seu declínio. Este se relacionava com o crescimento de um mercado de arte paralelo e com os questionamentos de novos grupos artísticos. Dentro desse contexto, a pintora Georgina de Albuquerque e a escultora Nicolina Vaz são exemplos bem-sucedidos de carreiras femininas. A produção dessas artistas impactou os críticos que estavam arraigados a pensamentos estereotipados sobre as mulheres (SIMIONI, 2008). No entanto, Simioni (2008) afirma que o declínio da hegemonia do sistema de ensino acadêmico não resolveu todas essas questões, pois depois dele diferentes estruturas de distinção com base no gênero continuaram a ocorrer.

Isto é o que notamos ao observar as diferentes trajetórias de duas artistas extremamente importantes para o movimento modernista brasileiro: Anita Malfatti (1889-1964) e Tarsila do Amaral (1886-1973). O trabalho destas artistas alcançou um lugar de grande destaque no cenário nacional, sendo impossível falarmos do modernismo brasileiro sem referenciá-las. Porém, percebemos que muitas das análises feitas sobre a produção e as carreiras dessas artistas levaram em conta aspectos estéticos ou da vida pessoal, como, por exemplo, destacar a beleza de uma e a feiura da outra, dizer que uma era amada por todos os homens e a outra desprezada ou enfatizar uma “rivalidade” entre ambas. A veracidade desses elementos não é essencial para examinar as trajetórias de Tarsila e Anita, todavia, alguns pesquisadores acabam reduzindo todos os fatores que estão envolvidos na consolidação de uma carreira às questões da vida privada, estética e emocional. Sabemos, todavia, que, quando se trata de artistas homens, as análises não consideram esses aspectos tão fundamentais e determinantes. Maria de Fátima Morethy Couto (2008) faz a seguinte observação a respeito desse tipo de distinção:

... estaríamos nós, mulheres, fadadas, por questões de gênero, a rivalidades em tais termos e a misturar o campo pessoal e o profissional de forma tão emotiva? Dito de outro modo, poderíamos utilizar esses mesmos parâmetros de análise para estudar a obra de pintores representativos de nosso movimento modernista? Estabelecer, por exemplo, um confronto entre o “filho e neto de modestos imigrantes italianos recém-instalados no interior paulista, coxo e de pequena estatura” que foi Portinari e o boêmio Di Cavalcanti, confronto esse que

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explicasse suas idas e vindas no campo artístico? Ou ainda entre o disciplinado e recatado Mário de Andrade e o irreverente Oswald? Não se trata de negar o encantamento de Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Menotti del Picchia, para não citar Oswald, em relação a Tarsila, tão evidente nos comentários citados anteriormente. Entretanto, cabe ressaltar que esta “sensitiva exaltada, misto de adulto e de criança, independência e medo” que foi Anita soube procurar seu caminho, na França, de forma profundamente independente, sem acatar interferências ou sugestões. Enfrentou as críticas de Mário de Andrade e rejeitou bravamente suas orientações. Tampouco sucumbiu aos encantos de Tarsila ou permaneceu à sua sombra. Percebe-se, ao cotejar as trajetórias das duas artistas na Europa dos anos 1920, que cada uma buscou inserir-se no meio artístico parisiense a seu modo, valendo-se dos recursos (desiguais, de fato) de que dispunham (COUTO, 2008, p. 145-146).

Ainda em relação ao movimento modernista brasileiro, é importante mencionarmos que, além das artistas Anita e Tarsila serem avaliadas - por alguns teóricos - a partir de parâmetros nitidamente essencialistas, o movimento em si não apresentou uma discussão das relações de gênero. Para Giulia Crippa (1999), por mais polêmico que este movimento tenha sido, ele não objetivou romper com a representação tradicional dos corpos femininos já que, nas obras, estes corpos são apenas um reflexo da sociedade burguesa daquele período. Anita Malfatti tenta repensar uma nova definição do corpo feminino, mas não encontra um ambiente favorável, assim, retorna a uma arte mais “tradicional”. Além disso, no caso de Tarsila do Amaral, Giulia Crippa (2003) considera que há uma estratégia no uso do grotesco em suas obras. Para a autora, o grotesco constitui-se “como parte do patrimônio da expressão estética das mulheres”, não de forma essencialista e nem ligada a uma suposta natureza feminina, mas sim como uma espécie de artifício para alcançar um espaço de reconhecimento dentro da arte (CRIPPA, 2003, p.122). O uso do grotesco pode se dar de maneira consciente ou não. Vale dizer que Crippa (2003) esclarece que a produção das artistas não se limita ao grotesco e nem que o mesmo é algo exclusivo delas, o fato é que em dadas situações e épocas, no modernismo, no caso de Tarsila, a estética grotesca foi utilizada como uma estratégia para obter reconhecimento e não ser “esquecida” com o tempo.

Depois, já nos anos 60 e 70, o pensamento feminista chega à classe média paulistana e carioca e começa a causar transformações dentro e fora do campo

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artístico. Contudo, diferentemente do que aconteceu nos EUA, o feminismo não esteve tão presente na produção artística brasileira. Não podemos esquecer que, no Brasil, nas décadas de 60 e 70 vivíamos sob um regime militar e os artistas enfrentavam um momento difícil. Além das artes visuais, várias outras áreas foram utilizadas para questionarem as estruturas políticas, morais e culturais. Nessas décadas, os artistas discutiam as questões políticas e faziam inúmeras experimentações plásticas, questionando, conjuntamente, o sistema das artes e as políticas públicas. Desse modo, o feminismo não era uma tendência tão presente nas obras das artistas brasileiras, evidentemente, porque o contexto nacional era muito diferente dos EUA e Europa. Entretanto, há aspectos de gênero que podem ser observados nos trabalhos de Anna Bella Geiger19 (1933). Em alguns autorretratos fotográficos pertencentes à série Diário

de um artista brasileiro, criados em 1975, essa artista “indagou, dentro de um contexto histórico de repressão política e social, o lugar da mulher artista no Brasil” (BOTTI, 2005, p. 48).

Do mesmo modo, Talita Trizoli (2010) destaca que alguns nomes ainda não tão reconhecidos na nossa produção, na época, estabeleceram entrelaçamentos entre o feminismo e a arte como foi o caso da artista Regina Vater. Esta artista presenciou as criações artísticas de vanguardas nos anos 60 e 70, além das transformações sociais, lutas políticas e o discurso feminista – todos eles, é claro, influenciados pela ditadura militar que o Brasil vivenciava. Dentro desse contexto, a artista relata que teve que lidar com o preconceito, em primeiro lugar, por ser uma “jovem mulher aspirante a artista”, a partir de 70, em um meio dominado majoritariamente por homens e, segundo, por ser mulher latina quando viajou para o exterior. Trizoli faz uma análise do trabalho Tina América20, o qual acredita ser a produção em que mais a artista faz uma intersecção

entre arte e o pensamento feminista, visto que a pesquisadora considera Vater uma artista múltipla e em um processo de constantes mudanças (TRIZOLI, 2010).

Alguns estudos recentes sinalizam que, a partir dos anos 80, há um aumento de produções artísticas que interseccionam a arte com as questões de gênero. Neste

19 Ver figura 52 nos anexos.

20 Tina América é um livro de fotografias em preto e branco feito por Vater e Maria da Graça Lopes Rodrigues,

realizadas todas em 1975 em uma só sessão. A própria Vater afirma que esse trabalho tinha a ver com o feminismo e ela mesma é a modelo de todas as fotos (TRIZOLI, 2010). Uma imagem desse trabalho pode ser vista nos anexos (Figura 53).

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sentido, por exemplo, Luana Saturnino Tvardovskas (2008) examinou as poéticas visuais das artistas Márcia X. (1959-2005), Fernanda Magalhães (1962) e Rosângela Rennó (1962), relacionando suas produções com a crítica cultural feminista. Márcia X. produziu obras questionando não só o estatuto da arte, mas também do artista. Seus trabalhos fazem uma crítica aos binarismos, regimes antagônicos e indica caminhos diferentes para o erotismo e novas possibilidades para a sexualidade. Já Fernanda Magalhães trabalha com corpos nus de mulheres gordas. Suas imagens são compostas por recortes de jornais, escritos pessoais, receitas de comida que criam um tom de sarcasmo em relação as repetidas exigências de que mulheres devem ser magras. Rosângela Rennó colhe criteriosamente fotografias que são rejeitadas pela sociedade e, a partir disso, seus objetos e instalações são produzidos. Assim, a artista destaca em suas criações os papéis de gênero, o excesso de normas sobre o corpo e a elaboração das identidades através das fotografias. Segundo Tvardovskas, as ideias feministas que ressoam nas obras dessas artistas transformam “a lógica dual que coloca a mulher numa posição de assujeitamento na sociedade – dominação legitimada por meio da associação do feminino a elementos da natureza e do corpo, em contraposição às esferas da cultura e da razão” (TVARDOVSKAS, 2008, p.7).

Heloisa Buarque de Hollanda (2003, s/p.) afirma que, a partir dos anos 90, há uma tendência entre as artistas em abordar questões externas e não internas: “em situar-se, em mapear com precisão o território onde nos encontramos através de uma surpreendente, e até inesperada, perspectiva de gênero”. E o que a nova artista vê é a violência e a desestabilização sociocultural modulada em vários pontos: o erótico, familiar, amoroso, social (HOLLANDA, 2003). Claro que a autora fala em tendência, não em regra, pois nem todas as mulheres necessariamente trabalham com essas temáticas. Heloísa Buarque de Hollanda acredita que o feminismo deixou de herança para a geração de jovens artistas o direito de demonstrar a sua raiva e ambição, algo que por séculos foi negado às mulheres. Assim, notamos que as novas gerações de artistas incorporam e reelaboram questões feministas. As artistas desconstroem o corpo e a sexualidade e constroem imagens variadas: algumas utilizam a ironia para criticar a feminilidade e a delicadeza, outras são mais brutas e agressivas (HOLLANDA, 2003).

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Nesse sentido, podemos observar o crescimento não apenas do número de artistas que trabalham com questões de gênero, mas também de pesquisas acadêmicas que analisam essas produções. É possível perceber ainda o aumento de trabalhos que, a partir de uma crítica feminista, questionam as representações do corpo feminino nas artes brasileiras21, além do aparecimento de estudos22 que discutem a arte

brasileira buscando incluir artistas que ficaram à margem dos relatos oficiais. Apesar disso, parece existir no Brasil o “mito da democracia de gênero” pelo fato das mulheres terem muitas conquistas e não serem tão subjugadas como em alguns outros países. Porém, o Brasil é um país imenso e multicultural, o que fragiliza em vários aspectos esse “mito”. A palavra feminismo ainda causa, dentro das artes visuais, certa desconfiança, independentemente de inúmeros autores reconhecerem o impacto do movimento feminista nas artes causando deslocamentos e descentramentos do sujeito artista masculino. Assim, quem sabe, o desafio maior talvez seja desmistificar a palavra feminismo visto a enorme necessidade de articularmos arte e gênero23. (LOPONTE,

2008).

Se por um lado o desconhecimento a respeito do feminismo o coloca em um lugar mítico, por outro, a falta de intersecção entre arte e gênero contribui para que os mecanismos de apagamento das diferenças e das desigualdades se perpetue. Neste sentido, trabalhar com dados estatísticos, por mais que às vezes possa parecer “simplista”, pode apontar questões que devem ser melhor investigadas e pensadas.

Dentro desta perspectiva, o estudo Mulheres artistas: há desigualdade de gênero no mercado das artes plásticas no século XXI?24 realizado por Priscilla Cruz Leal, em

2012, levantou dados quantitativos na tentativa de descobrir se há igualdade de gênero

21 Sobre isso vale a pena conferir a tese de doutorado de Giulia Crippa: CRIPPA, Giulia. Imaginário e construção

da experiência: as representações do corpo feminino nas artes plásticas brasileiras (1900-1940). São Paulo: 1999.

Tese (Doutorado em História Social)- USP, 1999.

22 Alguns estudos são:

TRIZOLI, Talita. Trajetórias de Regina Vater: por uma crítica feminista da arte brasileira. São Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado em Estética e História da Arte)-USP, 2011.

SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Profissão Artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras. São Paulo: Edusp, 2008.

23 A esse respeito, vale a pena conferir o recente dossiê Arte e gênero: o debate da produção transversal de

diferenças, publicado na revista Poiesis, em 2010.

24 Em relação a este estudo, devemos salientar que a pesquisadora optou apenas por um recorte de gênero, não há

um recorte de raça. Segundo Priscilla Leal (2012), a escolha levou em conta adificuldade em pesquisartaisdados e pela exigência de um período maior de pesquisa. Mas a autora considera uma pesquisa com recorte racial de extrema importância, tanto quanto com o viés do gênero.

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no campo das artes no século XXI. Para realizar a pesquisa, Priscila Leal contactou a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e o Sindicato Nacional dos Artistas Plásticos em São Paulo (SINAPESP), Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), Museu brasileiro da Escultura (MUBE), Fundação Bienal de São Paulo, além do site do Centro Cultural Instituto Tomei Ohtake. Descobriu, então, que estas instituições não possuem dados quantitativos em relação ao sexo dos artistas que possuem obras em seus acervos. O SINAPESP e a ANPAP também não tinham essas informações.

Contudo, a biblioteca do MASP liberou seus catálogos para que fosse possível realizar a pesquisa: até 2008, o acervo do museu possuía por volta de 380 obras de homens artistas e 28 obras de artistas mulheres. A Fundação Bienal de São Paulo também permitiu a listagem dos artistas que participaram das últimas bienais: na Bienal de 2010, de um total de 163 artistas (contando coletivos), 101 foram homens e 47 mulheres (os coletivos não entraram nessa contagem); em 2008, de um total de 41 artistas, 24 foram homens e 11 mulheres; em 2006, dos 109 artistas, 59 foram homens e 37 mulheres; no MUBE, através do site do Museu, a respeito das exposições realizadas entre 2009 e 2011, a pesquisadora apontou que 18 exposições foram de homens e 6 de mulheres artistas; no Instituto Tomie Othake, entre 2005 e 2011 foram realizadas 51 exposições individuais de artistas homens e 15 de mulheres, contando que 6 foram da própria Tomie Othake (LEAL, 2012).

Por fim, Leal (2012) sustenta que baseada nos dados, não pode afirmar nem que há igualdade e nem que não há, pois, para isso, os dados comparativos que estariam envolvidos deveriam ser mais complexos. De acordo com o Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo, o número de mulheres artistas sindicalizadas é maior que o de homens, no entanto, como vimos nos parágrafos acima, as mulheres ainda são minoria nos museus. Ou seja, há uma lacuna: por que as mulheres são a maioria nos sindicatos, mas nos museus são minoria? Esta é uma pergunta difícil de responder e nós não temos a resposta, mas fica nítido que este é um ponto para se investigar. Paulo Henkenhoff, no catálogo da exposição Manobras Radicais (2006, p.17), afirma que "O Brasil é refratário à discussão das diferenças no campo da arte". No campo das artes,

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apesar de existirem pesquisas de gênero, Leal alega não ter encontrado estudos com levantamentos de dados mais claros que abordam esse tema no século XXI. Sabemos, entretanto, que só dados quantitativos não são suficientes, porém, eles podem oferecer pistas importantes.

Essas desproporções entre o número de exposições realizadas por homens e mulheres e a maior quantidade de obras de artistas homens em instituições museológicas, são percebidas por alguns pesquisadores, historiadores e críticos de arte e curadores. Neste sentido, algumas exposições vêm sendo elaboradas especialmente com enfoque sob a produção de artistas mulheres. Destacamos as exposições Mulheres, Artistas e Brasileiras, concebida pela presidenta Dilma Rousseff, realizada em 2011 no Palácio do Planalto e a já mencionada Manobras Radicais25, com curadoria

de Heloísa Buarque de Hollanda e Paulo Henkenhoff, no Centro Cultural Banco do Brasil- São Paulo, em 2006.

Por outro lado, a pesquisadora Rosa Maria Blanca (2013) considera que algumas outras exposições que focam a produção de mulheres, no Brasil, não debatem a questão da heteronormatividade e são essencialistas. Como exemplo, a autora comenta a exposição O museu sensível: uma visão da produção de artistas mulheres na coleção do MARGS, de 2012, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, onde no centro do espaço expositivo colocaram um útero como forma de analogia entre o feminino e a reprodução. Este tipo de abordagem é extremamente reducionista e localiza-se dentro do pensamento patriarcal, onde o papel da mulher como mãe e esposa é o único que se constrói. Assim, pouco importa a capacidade da mulher como artista, tudo naquela exposição focalizava a redução do corpo e da sexualidade feminina.

Neste sentido, a artista e pesquisadora Mónica Mayer (1998) faz uma importante assertiva. A falta de conhecimento por parte de muitas curadorias, como no caso da exposição do MARGS, ao se utilizar da nomenclatura “arte de mulheres”, em uma perspectiva supostamente biológica, levam ao público desconhecimento ao invés de conhecimento, além de gerar opiniões equivocadas em relação às questões de gênero e causar possíveis desinteresses por esse assunto e até mesmo pela arte. Esse tipo de

25 A exposição envolveu cerca de 25 artistas, entre elas encontram-se Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Anna Maria

Maiolino, Rosana Paulino, Marcia X, Rosangela Rennó, Ana Miguel entre outras. Disponível em: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/exposicao-manobras-radicais-2006/.

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abordagem presta apenas um desserviço às mulheres e aos estudos de gênero, pois além de reduzirem suas produções artísticas e suas próprias identidades, essencializam a arte feita por mulheres, como se existisse temáticas e formas específicas que fossem elaboradas pelo feminino, o que é um grande erro.

Possivelmente, o problema que algumas artistas veem ao serem enquadradas na categoria Mulheres Artistas, tenha a ver com esses desconhecimentos e equívocos. Ana Mae Barbosa acredita que grande26 parte das artistas mulheres que alcançam

certa visibilidade, no Brasil, denegam a nomenclatura “artista mulher” e, consequentemente, não reconhecem que há diferenças de gênero. A esse respeito, Ana Mae (2010) conta que, em 1989, Josely Carvalho, artista brasileira que morava em Nova York e Sabra Moore elaboraram a exposição Conexus: Artistas Mulheres, Brasileiras e Norte-Americanas, em Diálogo. As artistas americanas que participaram da mostra eram conhecidas, já em relação às brasileiras, foi custoso poder contar com as que possuíam semelhante visibilidade. Os argumentos utilizados pelas artistas que recusaram o convite eram: “Não quero vínculos com exposições só de mulheres, sou tão importante quanto um homem, não quero ser vista separadamente” e “Para expor, não preciso apelar para gênero; esse é o caminho das artistas sem qualidade”. Segundo Ana Mae (2010), as artistas brasileiras acreditavam que se fossem atreladas a “arte feita por mulheres” perderiam “status”.

No entanto, ainda de acordo com Ana Mae (2010), quatro anos depois as artistas que se recusaram a compor a mesma exposição Conexus por possuir um recorte de gênero aceitaram participar de A Arte do Brasil Contemporâneo Ultra-Moderno, exibida no Museu Nacional da Mulher das Artes em Washington, DC. Para a autora, os críticos de arte acentuam esse tipo de preconceito ao contrapor-se às questões de gênero por temerem a estigmatização que supõem estar atrelada a esse campo. Ana Mae (2010) ilustra sua afirmação expondo um fato ocorrido com ela. Certa vez, o Museu de Arte Moderna de Nova York fez um convite para que a mesma participasse de uma exposição de arte latino-americana, em uma mesa que discutiria a arte feita por mulheres. Ana Mae alega que se sentiu estimulada a participar. Entretanto, uma crítica

26 Sabemos, todavia, que esse foi um comentário generalizado e que para tal afirmação é necessária uma pesquisa

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e historiadora da arte fez a seguinte observação: “Nenhum crítico de arte importante