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2.3 Delineamento da Coleta de dados

3.1.1 A Trajetória de Aline

Natural do interior de Minas Gerais, Aline iniciou seu contato com o órgão eletrônico nos cultos que frequentava na sua igreja. Seu interesse pela música cresceu e por volta dos nove anos de idade iniciou os estudos de piano, incentivada pela sua mãe. Seu estudo foi interrompido pela mudança inesperada da sua professora, retomando-o somente aos 17 anos, com o propósito de se preparar para o vestibular. Frequentou durante pouco mais de um ano a escola de música da sua cidade, contando somente com a bagagem musical dos seus primeiros anos de estudos.

Sobre o período de preparação para o vestibular ao Curso de Licenciatura em piano na Universidade Federal de Uberlândia, ela relata:

Se eu soubesse o tanto que o piano exige, eu teria me preparado mais ou esperado mais para entrar na universidade. Depois que eu entrei no curso eu vi que não estava preparada. Eu vi que precisava de mais tempo, que devia ter começado a estudar mais cedo (EA, p. 2).

Apesar de reconhecer o seu despreparo para entrar no curso, Aline ressalta alguns pontos positivos no início da sua trajetória:

As Invenções de Bach... eu não conhecia nada desse mundo erudito, não tinha noção nenhuma. Então, quando eu entrei, começou a abrir um pouquinho da porta... comecei a ver o que era a literatura do instrumento, o repertório. Aí eu fiz Czerny, Bach, e algumas coisas do Schumann. Fiz uma Sonatina... então isso começou a abrir caminhos (EA, p. 2).

Sobre a disciplina Introdução ao Instrumento, Aline comentou que dividiu a aula com mais dois colegas, vivenciando questões totalmente novas durante esse processo:

Nós fizemos essa aula de técnica em conjunto. Então o professor falou questões do corpo, da articulação. E tudo isso foi um mundo muito novo pra mim. Eu ficava assim maravilhada e ao mesmo tempo um pouco assustada, porque era algo que eu nunca tinha visto... eu não sabia como fazia isso (EA, p.2).

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No momento da coleta de dados, Aline havia concluído sete semestres letivos, dos quais seis de piano na Universidade Federal de Uberlândia.

Aline estudou também nesse período uma Invenção de Bach, uma peça do

Álbum para a Juventude de Tchaikovsky, uma Cirandinha de Villa-Lobos e um

estudo de Burgmuller. A confiança no seu professor foi essencial no processo de Aline:

Acho que, com a experiência do professor, com meu empenho e vendo os colegas tocar, eu fui entendendo esse processo e fui tentando caminhar junto com o professor. Ele pediu para gente fazer uma análise, falar sobre o que tinha no estudo de Burgmuller... então isso foi trazendo muita experiência, né? E a forma de pensar diferente também, porque eu entrei muito crua e isso foi me forçando a pensar outras coisas (EA, p.3).

Como professora acho relevante considerar que, mesmo se sentindo despreparada para iniciar a graduação, Aline soube vencer os obstáculos e dificuldades na sua trajetória. É fato que o papel do professor no seu processo foi fundamental para que ela não se sentisse desestimulada. Pelo seu relato, é possível constatar a escolha cuidadosa do professor em relação ao programa, permitindo que seu conhecimento fosse ampliado gradativamente. Dewey (1959) acreditava que o verdadeiro método pedagógico consistia primeiro em prestar atenção às habilidades, às necessidades, às experiências vivenciadas pelos alunos e, em seguida, em desenvolver de forma conjunta sugestões. Isto, para o autor significa um projeto cooperativo, e não ditatorial. Aline acrescenta três fatores importantes para a sua evolução musical nessa fase, que foram o reconhecimento da experiência do professor, somado ao seu próprio empenho e à oportunidade de ouvir os colegas. As capacidades de aprendizagem e de reflexão se unem quando o aluno é convidado a juntar-se aos demais colegas numa prática compartilhada. Aline deixa isso claro quando diz: “Acho que, com a experiência do professor, com meu empenho e vendo os colegas tocar, eu fui entendendo esse processo e fui tentando caminhar junto com o professor”.

Durante o seu relato é possível visualizar que Aline se enquadra nas três atitudes apontadas por Dewey (1959) que favorecem o hábito de pensar de maneira reflexiva: “Espírito aberto – uma atitude, disposição para o novo; De todo coração – estar absolutamente interessado em determinada causa, se jogar de coração à atividade; Responsabilidade – atitude necessária para conquistar as metas”. O educador complementa: “Ser intelectualmente responsável é ter a capacidade de examinar as consequências de um passo projetado” (Dewey, 1959, p. 40).

Em vários momentos de seu relato, Aline deixa clara a presença dessas atitudes tão significativas na construção do pensamento reflexivo. Disposição e mente aberta para considerar novas ideias e quebra de paradigmas se evidenciam no seu relato: “E a forma de pensar diferente também, porque eu entrei muito crua e isso foi me forçando a pensar outras coisas”.

3.1.1.1 Sobre sua prática de estudo

Ao descrever sua prática de estudo, Aline relatou que a primeira coisa que faz é olhar a peça como um todo antes de tocar, observando para onde está caminhando, e depois faz uma leitura da obra no piano. Ela comentou:

No caso da Sonata, tento ler a peça toda, porque aí eu já detecto alguns lugares em que eu vou ter mais dificuldade técnica. Depois dessa leitura total eu tento fragmentar. Estudo nesse dia até onde determinei e depois noutro dia eu pego dessa parte e mais um pouco da peça. Então vou por partes. Se é alguma obra de Bach, eu separo... não dá para juntar (EA, p. 3).

Aline considera a concentração e a percepção daquilo que está realizando no momento do estudo como uma das estratégias de aprendizagem no seu processo e enfatizou:

Quando você para pra estudar você tem que estar muito concentrado e consciente daquilo que você está fazendo, porque se não você perde uma hora do seu estudo fazendo algo mecânico, fazendo por fazer e depois volta e parece que você não resolveu o problema (EA, p. 3).

Dewey (1959) tem em mente que os pensamentos são concentrados, não por serem mantidos em quietação e imobilidade, mas por serem movidos para um objeto. “Concentração não quer dizer fixidez. Significa variedade e mudança de ideias, combinada num movimento uno e constante para uma conclusão” (DEWEY, 1950, p. 55).

Ao relatar a sua prática de estudo, Aline mostrou a sua capacidade de planejamento, que se inicia com a leitura da obra fora do teclado, seguida da leitura no instrumento a fim de detectar os trechos mais difíceis tecnicamente (EA, p. 4). Percebem-se, portanto, pontos determinados durante suas tarefas diárias. Nesse sentido, Dewey estabeleceu alguns valores inseridos no pensamento reflexivo:

O pensamento reflexivo nos torna capazes de dirigir nossas atividades com previsão e de planejar de acordo com fins em vista ou propósitos de que somos conscientes; de agir deliberada e intencionalmente a fim de atingir futuros objetivos ou obter domínio sobre o que está, no momento, distante e ausente (DEWEY, 1959, p. 26).

Ela conclui dizendo que tem procurado evitar um tempo muito longo numa determinada peça e detectar as dificuldades com o objetivo de solucioná-las. E acrescenta:

Eu consegui resolver pelo menos essa parte da minha peça. Então, pequenas sessões da peça e um estudo concentrado. Se não tem concentração, faz outra coisa, porque, se eu for tocar essa peça novamente, eu não vou ter subido nenhum degrau (EA, p. 5).

Quando Aline diz “subir um degrau”, está implícita, a meu ver, a sua necessidade de aproveitar o tempo com qualidade, resultando, a cada retomada do estudo, na ressignificação de suas percepções.