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3.5 Coleta 5 – Depoimento dos participantes

3.5.3 Depoimento de Tony (DT)

Em seu depoimento, Tony confessou ter sentido curiosidade no seu primeiro contato com o Lamento, que, segundo ele: “Era bem diferente das obras que eu já havia estudado, ou seja, não havia estudado muitas obras contemporâneas”. Dewey classifica: “A curiosidade como fator básico da experiência e, portanto, ingrediente primário no desenvolvimento do ato de pensar reflexivamente” (DEWEY, 1959, p. 45).

Quanto à sua primeira impressão do Lamento, que ele classificou como “Bem diferente”, não considerou o movimento “difícil, complicado”. Porém, ao se aprofundar no estudo, ele o considerou como sendo o mais difícil dos movimentos. Suas dificuldades ocorreram, como ele mesmo relata: “Pela falta de compasso, tempo definido, por ser livre, dando a sensação de falta de localização”. Ele ainda complementou dizendo: “Um tema tão simples e ao mesmo tempo tão difícil. O simples nesse caso é belo, é difícil, é traiçoeiro, engana o olhar desatento”.

Tony percebe qualidades e, ao mesmo tempo, pontos para serem trabalhados na sua interpretação do Lamento. Portanto, valorizei o fato de tê-lo considerado belo e ao mesmo tempo denso. Mesmo com as instruções recomendadas pelo compositor, ele confessa que ainda assim cometeu erros de leitura infantis, que foram corrigidos durante a aula ministrada. Infiro que, por trás da expressão “erros infantis de leitura”, o participante demonstra um grau de exigência que parece deixá- lo desapontado. Ele constatou que seu toque ainda era grosseiro, e que de certa forma isso relacionava-se com a falta de estudo no piano de cauda.

Erros de leitura são passíveis de ocorrer no contexto de uma escrita não habitual para o participante, como é o caso do Lamento. Preocupado em decifrar os códigos menos familiares, Tony encontrou dificuldade em reconhecer o fraseado e valorizar as pausas como elemento articulador entre as frases. Segundo Dewey, o fazer artístico resulta da assimilação da problematização, o que requer tempo para incorporar atitudes que afetarão no resultado da prática (2010).

Em relação à Dança, Tony considerou a parte técnica desafiadora, no sentido de atingir agilidade na execução das semicolcheias, segundo suas palavras,

“imprimindo um caráter grandioso e forte”. Entretanto, o realce das sutilezas constitui-se em desafio para ele. Nesse contexto, elencou aspectos como:

Fazer diferentes acentuações, usar o corpo, pulso, braço, mão, dedos. A diferença do toque non legato, que possibilita a acentuação correta, proporcionando uma sonoridade típica nordestina e velocidade ao movimento. O uso do pedal que faz efeitos especiais (DT, p. 103).

Dewey (2010) comenta que: “O pintor tem de vivenciar conscientemente o efeito de cada pincelada que dá, ou não saberá o que está fazendo nem onde vai o seu trabalho. Apreender tais relações é pensar, uma das modalidades mais exigentes do pensamento” (Dewey, 2010, p. 124). Nesse sentido, Tony percebeu que, para aperfeiçoar a sua performance, precisaria realçar as sutilezas de movimentos que permitiriam alcançar sonoridades desejadas, articulações e fluência. Importante reflexão feita pelo participante, quando associou o uso de recursos técnicos para garantir a “sonoridade nordestina”, ou seja, a realização sonora compatível com o caráter da música. Nas suas próprias palavras, ele deixa clara uma possível solução: “[...] a diferença do toque non legato, que possibilita a acentuação correta, proporcionando uma sonoridade típica nordestina e velocidade ao movimento”. Dessa forma, os meios de expressão – técnica, modos de fazer, associações imagéticas – vão sendo valorizados como veículos de significação no decorrer do seu processo, que partiu de uma problematização, resultando na sua habilidade e sensibilidade para resolvê-los.

No que tange à leitura, Tony sentiu facilidade em ambos os movimentos. Porém a questão interpretativa foi o seu principal desafio. Ele revelou que: “A leitura, tanto do primeiro quanto do segundo movimento, foi rápida. A dificuldade começou no estudo interpretativo da obra. O estudo sozinho foi superficial, por falta ainda de experiência”. Nesse sentido, ele revela ter o conhecimento da importância dos aspectos mais subjetivos da sonoridade na preparação de uma obra e suas complexidades. A facilidade presente tanto no aspecto da leitura quanto na parte mecânica não foi suficiente para satisfazê-lo. Assim, ele destacou que durante as aulas percebeu que faltavam no Lamento sutilezas gestuais e diferenças de sonoridade, e na Dança um toque diferenciado, ágil e conscientização na utilização do pedal. Lamentou a falta do auxílio de um professor: “Na aula pude perceber a carência de um professor auxiliando. Foi a maior frustração. Estar formado em um

curso superior e não conseguir estudar uma obra sozinho, com profundidade, sem auxílio da professora”.

Essa frustração sentida por Tony após o confronto da aula pode ter relação com a falta de orientação desde a sua formatura. Ao mesmo tempo, sua fala revelou uma atitude desinformada. Segundo depoimento, Tony teria acreditado que ao finalizar o curso de bacharelado em piano saberia solucionar os problemas encontrados em obras novas no seu repertório. Dewey (1978) dizia que: “Educação é vida, não preparação para a vida. Temos que voltar para vida para ver como o que aprendemos nos auxilia a refazer e reorganizar a nossa própria vida” (Dewey, 1978, p. 37). Finalizar uma etapa de estudo não é garantia de completude no aprendizado. Eis a magia da vida – a possibilidade de aprender e reaprender com nossas experiências. E por que não nos apoiarmos em outros profissionais, seja na busca, troca ou confronto de ideias? Aliás, a formação contínua mais eficaz consiste muitas vezes em termos em mente que a aprendizagem nunca irá se estagnar, pelo contrário, cresce constantemente, acompanhando a experiência e, sobretudo, a reflexão sobre a experiência.

Tony fez uma reflexão de suas impressões desde o início do estudo até o período antes da G3:

Após a aula, veio o período de estudo pré-gravação. Após isso, foi possível perceber o quanto a música evoluiu desde os primeiros estudos sozinho e após a interferência da professora. A diferença foi gigantesca, o que me entristece. Fez-me perceber o quanto ainda sou dependente da professora, perceber que sozinho ainda não consigo fazer uma obra por inteiro, só parte da obra, e a parte menos importante. Apesar disso o estudo da obra trouxe um bom ensinamento: que ainda é preciso muito estudo para que eu possa me tornar um intérprete independente e um bom professor (DT, p. 103). Observei na sua fala dois sentimentos se contrapondo. Quando ele constatou a evolução “gigantesca” da obra desde o estudo individual até aula que recebeu, fica claro o reconhecimento da evolução do seu nível performático. Entretanto, sentiu-se “entristecido” quando atrelou a conquista desse nível mais apurado de percepção à dependência de uma orientação, admitindo que não se sentiu capaz de apreender aspectos relevantes para a execução da obra.

Em seu depoimento percebi um aspecto importante em relação à falta da orientação de um professor após a finalização da sua graduação. A ausência de um

acompanhamento mais efetivo interrompeu seu processo de aprendizagem. Portanto, confrontado com a experiência da aula, sentiu-se tomado de frustração.

Observei em seu relato que, por mais que alguns aspectos trabalhados durante a aula não tenham saído a seu contento, ele foi capaz de relacionar, ajustar, colocar em prática várias questões técnicas e musicais em curto espaço de tempo. A pedagogia Deweyana defende que o acesso aos signos e significados pode desenvolver a imaginação, levar as pessoas à elaboração de propósitos, atos de criação, reelaborações contínuas do próprio eu e também a sonhos esperançosos sobre o futuro. Nesse sentido, é gratificante perceber, no final do seu depoimento, o quanto essa experiência despertou-lhe o desejo de continuidade do estudo para tornar-se cada vez mais um intérprete com decisões próprias e um bom professor: “O estudo da obra traz um bom ensinamento: de que ainda é preciso muito estudo para que eu possa me tornar um intérprete independente e um bom professor” (DT, p. 103).