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3.3 Coleta 3 – Relato da Análise, Segunda Gravação (G2) e Aula individual

3.3.2 Sofia – Relato de Análise (RAS) e Segunda Gravação (G2)

Sofia relatou dificuldades de compreensão no início da leitura da análise, passando a compreendê-la melhor à medida que relacionou a leitura com a identificação dos elementos musicais no piano. Entretanto, quando a leitura do texto foi realizada com o apoio do instrumento, o nível de interesse e assimilação do conteúdo aumentaram consideravelmente.

A primeira vez que eu li, eu não entendi nada, porque eu não estava no piano. Então eu fiquei pensando: gente, mas esse Tresillo, o que ela está falando? Depois eu tentei associar as partes porque, como eu estava sem o piano, eu não podia tocar quando eu li. Aí eu pensei: gente, eu vou ter que perguntar pra ela. Eu estou cheia de dúvida! Ai, depois eu comecei tocar, eu li parte por parte e reproduzindo. Aí foi fantástico! Chegou no final, e parece que eu tinha entendido e não tinha pensado nada antes. Eu vi um ritual... desses de dança de candomblé e tudo. Foi uma experiência assim incrível, principalmente no segundo movimento. Quando eu comecei a associar à dança parece que facilitou os acentos... porque fez sentido quando eu fui pensando em tudo que vi e que li. Nesse sentido foi outra coisa! Eu acho que toquei totalmente diferente. Não sei se vou consegui isso hoje, mas foi totalmente diferente pra mim. (RAS, p. 22).

Sobre o movimento “Lamento”, Sofia comentou:

Eu não tinha pensando no Lamento dessa forma... no canto das rezadeiras! É fantástico pensar nisso e sobre os gestos de interrogação, os tônicos. Parece que a gente tira a obra do papel e traz pra gente! Os gestos viram música, porque você pergunta e conclui. Foi muito bom! Tem uma pontuação, é um discurso! E é difícil pensar nisso sem associar ao verdadeiro sentido que eu acho que ele quis dar. Eu acho que é isso mesmo! Não sei o tipo de pesquisa que você fez, mas eu não sabia e eu não busquei (RAS, p. 22).

Sobre a divisão das frases, ela relatou: “O jeito que você dividiu as frases faz muito sentido! Observar a questão dos modos, que eu não tinha feito isso ainda... tem tudo a ver! Ah, sobre as matracas e os tambores... aí, foi o máximo! Eu adoro, né? Parece que eu toco melhor”.

Sofia confessou não ter entendido a diferença do Tresillo com a síncope característica, e questionou: “Na Dança, eu não tinha notado que isso era um Tresillo. Eu nunca tinha escutado falar nessa palavra. Eu já escutei falar sobre síncope característica, mas o Tresillo não! E aí, eu queria ver com você qual é a diferença... porque pra mim é a mesma coisa”.

Essa dúvida apresentada por Sofia foi respondida por troca de e-mails, anexado à mensagem o seguinte quadro estabelecido por Sandroni (2002, p. 106).

Quadro 5 – Síncope característica, Habanera e Tresillo – Sandroni (2002)

2/4 1 2 3 4 5 6 7 8 Sincope característica x x x x x Habanera x x x x Tresillo x x x Pontos comuns x x x Fonte: Sandroni (2002, p. 106)

O fato de a análise ter suscitado dúvidas e questionamentos constituiu um alerta para perceber o quanto a participante estava mobilizada com o material.

Em seu detalhamento sobre a Dança, Sofia salientou:

A questão dos intervalos aqui... muito bacana! Dos atabaques começando... até anotei na partitura para eu começar a pensar nisso! A síncope como um freio, porque a gente tem uma tendência a se desesperar na transição, né? Da parte B para o A‟! A mudança de compasso! Eu não tinha visto! Na parte C! Começa 2/4 e vai pra 4/4! Gente! E o que ele quis dizer com isso? O compasso 4/4 é mais narrativo... cabem mais coisas! Nossa, a análise me ajudou de verdade! Eu acho que se eu tivesse tocado depois de ter lido essa análise, eu teria tocado melhor! Muito menos tensa, porque eu estava muito tensa, porque eu não entendia a obra direito. Já tinha as dificuldades técnicas e eu acho que facilitou muita coisa tecnicamente depois que eu li e comecei a tocar, principalmente aquela parte da Dança, a parte B. Não sei se é pelo tempo que já toco a obra, mas, depois que eu li a análise, eu comecei a pensar nesses acentos e no movimentar a Dança. Aí parece que facilitou e está saindo mais... bem mais que antes! E no final das contas, eu penso que não era tão rápido quanto eu achava. Não é essa coisa frenética... é uma dança com molejo! Eu só queria fazer rápido, rápido! Eu concebi mais lento agora! Eu acho que ela deve ser mais gingada! (RAS, p. 23).

Refletindo sobre o relato da análise de Sofia, foi perceptível o seu entusiasmo ao relacionar os materiais musicais da obra com as imagens presentes na análise. As sugestões trazidas na análise surgem como uma cadência de ideias para Sofia, ampliando seus conhecimentos. Dewey (1978) diz que: “Todas as vezes que a experiência for assim reflexiva, isto é, que atentarmos no antes e no depois do seu processo, aquisição de novos conhecimentos, ou conhecimentos mais extensos do que antes, será um dos seus resultados naturais” (DEWEY, 1978, p. 17).

Ficou evidente na gravação do movimento “Lamento” que Sofia, após a leitura da análise, sentiu-se um pouco mais à vontade na execução dos gestos e na flexibilidade do tempo. Assim, as importantes significações aprendidas por ela ao longo de sua aprendizagem ficam associadas ao seu processo evolutivo. Nessa perspectiva, Dewey (1959) afirma que:

Educação, em seu aspecto intelectual, e obtenção de uma ideia do que é experimentado, são expressões sinônimas. Que vale uma experiência que não deixe, atrás de si, uma significação ampliada, uma melhor compreensão de alguma coisa, um plano e propósito mais claro de ação futura, em suma, uma ideia? (DEWEY, 1959, p.156).

Sofia pareceu-me bastante entusiasmada com as ideias musicais surgidas a partir da leitura da análise e esse comportamento se refletiu em sua performance com gestos mais incorporados ao conteúdo expressivo do Lamento. A integração da participante aos elementos musicais contidos no movimento proporcionou-lhe um potencial comunicativo muito maior. Sua sonoridade nas passagens modais destacou-se da gravação anterior (G1) por criar gestos corporais que acompanhavam o percurso das ressonâncias projetadas pelas notas acentuadas. Esse processo gradativo de compreensão musical de Sofia assemelha-se ao pensamento de Merleau-Ponty (1971): “A apreensão das significações se faz pelo corpo: aprender a ver as coisas é adquirir um certo estilo de visão, um novo uso do corpo próprio, é enriquecer e reorganizar o esquema corporal”. (MERLEAU-PONTY, 1971, p. 212). Quanto aos aspectos relativos à estabilidade do andamento e à observação dos tempos das pausas, ela prosseguiu com as mesmas ideias apresentadas na G1. Similar à G1, cometeu o mesmo engano na realização das oitavas na 4ª pauta, submetendo a mão esquerda a uma oitava acima, ao contrário do que a partitura indicava (oitava acima somente para a mão direita).

Em relação ao movimento “Dança”, o andamento mais lento conferido ao movimento (aprox. ♩=90), uma vez que a partitura indicava (♩=100), fez com que ela perdesse um pouco a fluência no início do movimento. Similar à G1, nessa gravação valorizou o sinal de crescendo no c. 7 (G2S 00‟18‟‟), realizando uma pequena respiração através da retomada da sonoridade p. Logo no início do c. 9 (GS 00‟21‟‟), manteve em todos os padrões rítmicos um decrescendo no final das sequências dos arpejos, fazendo com que os dois últimos acentos de cada compasso perdessem a intensidade e a clareza. Por outro lado, observou o sinal de crescendo no início do c. 20, resultando em uma bela respiração ao iniciar a frase (G2S 00‟36‟‟). Na Transição (c. 28 a 31), mais uma vez as ligaduras de duas notas não foram consideradas e o uso do pedal impediu a clareza desse tipo de articulação. Na parte A‟, à medida que o andamento começou a fluir, os acentos se tornaram mais evidentes, talvez pela presença do impulso do antebraço nos acentos. Já na Parte C, Sofia mostrou uma pequena tendência em acelerar o andamento, ocasionando, na retomada da Parte B‟, o andamento um pouco mais rápido em relação ao início da obra, com a presença de pequenos esbarros (G2S 2:11). Esse pequeno desequilíbrio pode ter causado a ausência do decrescendo antes da retomada da frase final da Dança (2‟14‟‟, c. 64), assim como a preparação para o crescendo nos últimos compassos (2‟15‟‟, c. 65).