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3.3 Coleta 3 – Relato da Análise, Segunda Gravação (G2) e Aula individual

3.3.3 Tony – Relato da Análise (RAT) e Segunda Gravação (G2)

Tony iniciou seu relato sentindo-se bastante à vontade e, de forma espontânea, comentou:

Eu tentei ler a análise olhando a partitura. Sabe: lê, olha, lê, olha e lê. Aquilo me deu um sono! Eu falei: Caramba! Aí, eu parei de ler. Mas quem que lê análise, né? Aí eu falei: eu tenho que achar outro jeito de ler, que não vai me dar sono. E o jeito de fazer isso era: estuda a música e vai lendo. Toca e lê, toca e lê, toca e lê (RAT, p. 23).

Sobre o movimento “Dança”, ele foi mais conciso nos comentários:

E cada pedacinho que você foi falando... por exemplo, na Dança. Você falou a primeira parte, só a parte que você está batendo no piano, né? Tem o ostinato da mão esquerda batendo no piano. Então eu estudei só essa parte e li. Depois eu fui para a segunda parte e li de novo (RAT, p. 23).

Ao relatar suas impressões sobre o movimento “Lamento”, Tony mostrou-se atraído pelos aspectos gestuais mencionados na análise:

Agora, no Lamento, é uma coisa só, né? Tirando a parte que está tocando as duas mãos ou que está tocando uma mão no teclado, é o tempo inteiro falando dos gestos. E aí fez muita diferença. Eu não sei se na hora que toquei fez tanta diferença, mas eu pensei como estava escrito na análise. Porque, quando eu toquei da primeira vez, eu não pensei em nenhum dos gestos. Por exemplo, eu não sei se saiu, mas eu pensei: os glissandos descendo estão repousando e os que estão subindo, interrogando e a batida da mão [fez o movimento com as mãos]... como é que você colocou lá? Ah! Gesto tônico! (RAT, p. 23).

Ele relembrou alguns momentos das aulas de piano que teve durante o seu curso de graduação, no tocante à gestualização. (Exemplo 44)

E pensei num outro também... das aulas... que eu não sei falar o nome. Sabe quando você tem que fazer uma ligadura e chegar numa nota que é impossível ligar? Você faz a ligadura com a força do pensamento? Eu chamei de gesto mágico. Então... é isso. É o tempo inteiro isso, né? Você tem que fazer o gesto... liga as coisas, ou não liga. E aí ela é o tempo inteiro isso. Eu pensei nos gestos como se fossem uma nota ligada, principalmente nos glissandos e quando tem a pausa. Porque o pedal fica o tempo inteiro soando, né? Só que o pedal soando por si só não significa que está ligado. Ele tá soando. Mas os gestos que você faz quando termina uma coisa da região que você começa e acaba. E na mão esquerda também. Você sai da mão esquerda, vai para a mão direita e um monte de pausa no meio. E a pausa que também tem sentido de... ela é a ponte... para as duas coisas. Eu acho que é mais isso no primeiro (RAT, p. 23).

Exemplo 44 – Tony – Conexão entre os gestos – Lamento (1° sistema)

No tocante ao gesto tônico representado pelas duas colcheias na mão esquerda, Tony prossegue relatando que sua intenção foi tocar as duas figuras em distâncias um pouco diferenciadas para dar a impressão de um gesto redondo. (Exemplo 45)

Tem duas colcheias seguidas. Eu não toquei nenhuma delas no mesmo lugar. Foram todas um pouquinho mais pra trás, outra mais pra frente e o gesto assim, meio redondo, para não ficar seca a pausa. Agora, sobre os

gestos ligados, foi uma experiência minha, de você nas aulas. Você falava nos gestos, aí eu lembrava deles: e vai pra cá e vem pra lá no piano (RAT, p. 23).

Exemplo 45 – Movimentos sugeridos por Tony – Lamento (1° sistema)

Tony foi mais sucinto no seu relato da análise, demonstrando uma atitude de maior curiosidade em relação ao movimento “Lamento”. À medida que ele relacionou os gestos à classificação dos nomes, sua atenção se voltou para a sensação corporal que cada um deles provocava. Uma vez que as sugestões fizeram sentido, ele passou também a relacioná-las com suas experiências passadas: “Agora, sobre os gestos ligados, foi uma experiência minha com você nas aulas. Você falava nos gestos, aí eu lembrava deles: e vem pra cá e vai pra lá no piano”. Para criar a sensação do gesto legato, Tony até sugeriu uma denominação para referir-se a essa apropriação sensorial: gesto mágico. Nessa perspectiva de ressignificação das experiências, Dewey (1959) afirma:

Logo que uma qualidade é claramente discriminada, ganhando uma significação toda sua, o espírito imediatamente busca em torno outros casos aos quais possa aplicar esse significado aprendido. Tal significação vai permitindo que casos anteriormente separados pelo seu sentido se tornem assimilados, identificados dentro do novo sentido (DEWEY, 1959, p.160). Na segunda gravação (G2) do movimento “Lamento”, ele descuidou-se de algumas pausas de semínima, fato não observado na G1. Porém, na G2, a incidência de toques muito fortes nos gestos tônicos foi menor. No que diz respeito ao andamento, não há diferenças significativas entre as gravações (G1 e G2). Notou-se em Tony uma certa agitação ao dar início à melodia modal da segunda pauta, pelo fato de abreviar o valor das notas pontuadas (G2T 00‟31‟‟ a 00‟36‟‟). Em contrapartida, realizou com mais fidelidade o ritmo das quiálteras na quarta pauta (G2T 1‟25‟‟ a 1‟38‟‟). De uma forma geral, a segunda gravação (G2) demonstrou um cuidado maior com o controle da dinâmica, principalmente nos ataques dos gestos tônicos.

No tocante ao movimento “Dança”, a escolha de Tony por um andamento mais tranquilo (♩ aprox. 92) permitiu a realização mais clara das respirações entre os momentos de retomada da sonoridade p, com o intuito de proporcionar o crescendo, assim como articular a entrada de uma nova estrutura musical. Similar à G1, a continuidade do pedal sincopado em cada compasso nos padrões rítmicos, desde as notas repetidas (G2T 00‟05‟‟ a 00‟11‟‟), e a sequência de arpejos (00‟12‟‟ a 00‟26‟‟) impediram a clareza dos acentos.

Alguns enganos na leitura de notas cometidos na G1 foram recorrentes na G2: Parte B (c. 8 a 10) e Parte B‟ (c. 54 a 56); Parte C (c. 51). (Exemplo 46)

Exemplo 46 – Tony – Erros de notas – Dança (c. 8 a 10; c. 50 e 51)

Ainda no aspecto da leitura, outro trecho que me chamou a atenção foi a alteração da nota si bemol do acorde, situado no final da Transição (c. 31), para si bequadro. (Exemplo 47)

Exemplo 47 – Tony – Alteração de notas – Dança (c. 31)

Observou-se uma pequena diminuição no andamento na entrada da Parte C (c. 46), a meu ver relacionada com a hesitação ocorrida pela incerteza do posicionamento do acorde e pela desaceleração provocada pelo rall (c. 45). A fração

de segundos, ocasionada pela indefinição do acorde, pode ter gerado esse discreto declínio no andamento (G2T 1‟05‟‟ a 1‟26‟‟). (Exemplo 48)

Exemplo 48 – Tony – Diminuição do andamento – Dança (c. 47)