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3.5 Coleta 5 – Depoimento dos participantes

3.5.2 Depoimento de Sofia (DS)

Para Sofia, a experiência da retomada de estudo dos Dois Momentos

Nordestinos foi como reaprender a obra, visto que na última etapa da pesquisa teve

a oportunidade de concebê-la de maneira totalmente diferente se comparada à sua primeira execução. Sintetizou seu pensamento dizendo: “Uma concepção que agora faz mais sentido para mim, que possibilitou um amadurecimento da obra e melhorou minha performance musical”. Dewey (2010) defende a ideia de que a experiência artística oferece oportunidade para o exercício da enunciação, levando a pessoa à satisfação de criar e significar, colocar-se no mundo mediante a apresentação de algo novo. Acredito que o indivíduo imerso em situações plenas de significados torna-se capaz de incorporar ao seu modo as atitudes que afetarão seu modo de ouvir, de ver e sentir e, consequentemente, o seu modo de compreender as coisas. Durante um processo de elaboração expressiva está implícita uma multiplicidade de significados oriundos de experiências anteriores, os quais, por meio de uma ação reflexiva e um ambiente de aprendizagem estimulador, passarão por uma reorganização, alcançando novo patamar de entendimento.

Quanto a sua visão da análise, revelou:

A análise entregue a mim durante o estudo foi simplesmente espetacular e, quando eu falo sobre uma nova concepção, me refiro às imagens criadas pela professora e à maneira como ela abordou cada elemento musical presente na obra. Fiquei fascinada por aquele olhar (DS, p. 102)

Expressões como “espetacular, fascinante”, revelam o grau de mobilização de Sofia ao ter contato com o material de apoio durante a pesquisa. A emoção gerada durante o processo de reaprendizagem, a meu ver, potencializou a experiência artística da participante. Dewey (2010) enfatizava que a educação como experiência estética destinava-se a despertar a sensibilidade de todos os envolvidos no processo. A sua pedagogia pauta-se na promoção do acesso a significados que possibilitem a imaginação, levando as pessoas a atos de criação, reelaborações de si mesmas e também a almejar sonhos futuros.

Foi possível também perceber que havia uma conexão entre os desejos e propósitos de Sofia e o que foi proposto na aula ministrada. Nesse sentido, ela acrescentou:

Pensar no Lamento como um ritual me fez mergulhar em uma interpretação que eu particularmente gosto muito, pois me ajuda a entender os gestos musicais e principalmente a intensidade que eu quero colocar em cada toque, em cada glissando e em cada nota. Isso se fez ainda mais claro durante a aula, quando deliciosamente entramos no mundo da imaginação e aprendi a me preparar internamente para a atmosfera que eu, como intérprete, gostaria de criar durante a execução da obra (DS, p. 102).

Dessa forma, Sofia passou a valorizar as particularidades de cada elemento musical da obra. As especificidades são potencializadas e não silenciadas, como, por exemplo, o entendimento dos gestos musicais que estabelecem ligações com as imagens criadas a partir deles. Acredito que, no contexto do diálogo e de experimentações ocorridos durante a aula, criou-se uma rede de comunicações e significações, suscitando uma importante relação de troca de conhecimentos. Dewey (2010) afirmou que:

As linguagens artísticas constituem-se em ferramentas essenciais na instrução, pois é pela experiência rítmica – estética, artística e expressiva – que se torna possível exercitar a enunciação, ato de pensamento e ação que viabiliza transcender o existente (DEWEY, 2010, p. 581).

Ainda no contexto da aula, Sofia revelou que, no aspecto técnico, suas dificuldades diminuíram diante das orientações recebidas durante o processo:

No segundo movimento, eu tive dificuldades técnicas e sob um olhar atento da minha professora pude enxergar como alguns movimentos me prejudicavam e como o tipo de toque poderia resolver ou amenizar essas dificuldades. Após esse olhar atento, comecei inclusive a curtir a obra enquanto eu tocava, sem ficar “bitolada” com os erros ou problemas técnicos. Entendi que o importante era transmitir aquela energia, mostrar aquela dança e aquele ritmo envolvente que a obra trazia, carregado de gingado e significados (DS, p. 102).

Vê-se que o seu fazer torna-se aos poucos um ato de expressão contendo intenções e o desejo de comunicar algo próprio. Segundo Dewey (2010), como ato de expressão, o fazer também é um ato de arte. Sofia afirmou que, se tivesse tido a oportunidade de vivenciar esse processo de aprendizagem antes do seu recital de formatura, teria executado a obra com mais alegria e tranquilidade.

Por outro lado, acredito que as experiências na aprendizagem anterior da obra influenciaram no aprimoramento e amadurecimento de suas percepções e no exercício do poder da sua imaginação. Quando características sensoriais e

perceptuais adquiridas nas experiências passadas são mobilizadas, há o desejo de expressar algo novo.

Apesar do seu entendimento e concordância em relação às propostas descritas na análise e imagens sugeridas durante a aula, Sofia declarou que o tempo foi insuficiente para que suas intenções ficassem claras em G3. Entretanto, assegurou ter consciência dos meios necessários para aprimorar uma execução futura: “O tempo não foi suficiente para deixar tudo claro durante a gravação, mas eu tenho consciência do que poderia ter sido e o que poderia fazer para melhorar a execução da obra.

Seu ponto de vista me fez reportar às ideias de Schön (2000) em relação à reflexão sobre a ação, que repousa no ato de pensar sobre uma ação passada, consolidando o seu entendimento e, dessa forma, possibilitando a adoção de uma nova estratégia. Ao final do depoimento, Sofia sentiu-se agradecida pela experiência, não somente pelo fato de ter-lhe proporcionado o amadurecimento da obra, mas, como ela mesma disse:

Por ressuscitar em mim a criação dessas imagens que está intimamente relacionada com os gestos e a intenção de um pianista diante do instrumento. Muitas vezes, com o estudo excessivo, não paramos para pensar sobre a obra, sobre os movimentos e sobre as intenções do compositor e as nossas também, porém isso faz total diferença quando é algo claro para o pianista (DS, p.102).

Quando Sofia chama a atenção para o estudo excessivo acompanhado de automatismo e desviado da ação reflexiva, remeto-me a Dewey, que diferencia o pensamento reflexivo dos atos rotineiros guiados por hábitos e impulsos. É gratificante perceber o quanto ela procura fugir dos comportamentos automáticos, tão presentes em nossas ações e que nos distanciam da nossa capacidade reflexiva. Na reflexão está imbuído o desejo de mudar, inovar, descobrir e transformar e sua ausência poderá trazer a sensação de dependência e incapacidade de solucionar os problemas que surgem durante o processo de aprendizagem.

A palavra “ressuscitar” quer dizer voltar à vida, ressurgir, reanimar. Quando Sofia afirma que por intermédio dessa experiência ela ressuscitou ideias imagéticas, tidas como importantes recursos de interpretação, eu me sinto feliz por incentivar seu desejo de expressar algo próprio. Sua imaginação integrou-se ao movimento de

atuação, de construção, canalizando suas emoções para assumir um direcionamento de escolhas.