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A trajetória de Ronald Myles Dworkin rumo ao antipositivismo

3. Organização e disposição deste trabalho

2.1 A trajetória de Ronald Myles Dworkin rumo ao antipositivismo

Neste capítulo será apresentada breve biografia de Dworkin; a bibliografia selecionada para o estudo da “tese”, em notas de rodapé; além de algumas linhas sobre o contexto histórico norte-americano que o recepcionou. Dentro dos limites do tema desta dissertação, serão apresentados tópicos relacionados na obra do autor à tese-da-única-resposta-correta. Além deste tema dworkiniano, alguns problemas encontrados na sua doutrina por outros leitores (doxografia) serão reapresentados para auxiliar a caracterização do foco específico deste trabalho, qual seja, o estigma retórico não assumido por Dworkin nos textos da tese-da-única- resposta-correta157 e o ceticismo “interno” que lhe é peculiar, e que, resta não recepcionado no Brasil (teses). Como circunscreve o título desta dissertação, outros artigos que abordem a tese em oposição ao ceticismo “externo” de Rorty serão avaliados neste capítulo, sem adentrar propriamente no debate que ocorreu em Virginia.

Norte-americano, nascido no estado de Massachusetts, na cidade de Worcester, Ronald Myles Dworkin (11/12/1931) graduou-se em direito em Harvard (1957), exercendo em seguida a advocacia na cidade de Nova Iorque. A partir de 1962 inicia carreira acadêmica como professor em Yale, onde obtém cátedra (Chair

of Jurisprudence) apenas seis anos depois.

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Eis as indicações que o próprio Dworkin dá na nota de rodapé nº 1 do debate com Rorty, para o conhecimento da tese-da-única-resposta-correta em sua obra: capítulos 4 e 13 de “Levando direitos à sério”, pps. 127-204/429-446; capítulos 5, 6 e 7 de “Uma questão de princípio”, pps.157- 268 e capítulo 7 de “O império do direito”, pps. 271-332. DWORKIN, Ronald. Pragmatism, Righ

Answers, and True Banality. In: BRINT, Michael e WEAVER, William. Pragmatism in law and society. Oxford: Westview Press, 1991, pps. 359-388. As indicações completas destas três obras

Os artigos iniciais de Dworkin surgiram, no mundo jurídico anglo-saxão, endereçados contra às propostas teóricas de Herbert Hart158. Com a morte deste, conseguiu assumir a cátedra de titular de filosofia do direito em Oxford (1969). Em 1975 foi nomeado professor na Escola de Direito e no Departamento de Filosofia da Universidade de Nova Iorque. Na Universidade de Londres, desde 1984, atua como professor visitante159. Esteve uma única vez no Brasil em 2006, para participar de um congresso de Direito Constitucional no Rio de Janeiro. No final de 2007, Ronald Dworkin recebeu o prêmio Holberg da Academia Norueguesa de Humanidades por sua obra e lá compareceu para palestrar junto ao ex-aluno Jeremy Waldron em simpósio organizado por seu mais entusiasmado seguidor Stephen Guest, em torno de seu mais recente livro Justice in Robes.

Tendo como contexto histórico, a luta por direitos civis dos negros, a guerra do Vietnã e a perturbação política provocada pelos escândalos do governo Nixon, Dworkin assumiu a responsabilidade de propor aos operadores jurídicos uma teoria normativa (law as integrity) para resgatar a confiança nas instituições republicanas.

Grande influência no pensamento de Dworkin é a de Lon Füller160. Este dotava o direito com objetivos “modestos” perante a irracionalidade óbvia em muitas atividades humanas. Assim, as regras jurídicas são “fatos” que atuam como critérios para avaliações morais de outros fatos. Essa “moral” deve aspirar ao aperfeiçoamento das potencialidades adormecidas nos homens. Dworkin mantém-se fiel a uma “moralidade de aspiração161” que é confessadamente “otimista” para com

a tarefa de extrair finalidades da atividade dos profissionais envolvidos na argumentação jurídica.

Dworkin defende o que chama de “teoria liberal” do direito. Para tanto, elegeu como inimigo número um (o que chama de “teoria dominante do direito”) o

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Só em 1994 foi publicado, na forma de epílogo póstumo, o escrito com as contestações de Hart às críticas de Dworkin. Cf. HART, Herbert. O conceito de direito. 2. ed. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 295 – 340. A resposta de Dworkin compõe o capítulo mais longo do seu livro Justice in Robes. Cf. DWORKIN, Ronald. Justice in Robes. London: Belknap Press of Harvard University Press, 2006, p. 140-186.

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BONORINO, Pablo Raúl. Integridade, direito e justiça: uma crítica a la teoria jurídica de Ronald Dworkin. Bogotá: Siglo Del Hombre Editores y Universidad Nacional de Colômbia, 2003, p. 18-19.

160

MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. trad. Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 501.

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O conceito é de Leon Luvious Füller. Cf. MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos

conjunto de escritos desenvolvidos por alguns leitores de Jeremy Bentham, que defendem o positivismo jurídico e o utilitarismo econômico. O ataque se dá em duas frentes: na primeira, o jurista combate a descrição de “fatos a respeito das regras que foram adotadas por instituições sociais” (definição positivista do direito) como condição “necessária e suficiente” para instaurar a “verdade” das proposições jurídicas; na segunda, luta contra o modelo “utilitarista” do “bem-estar médio” prescrito para as políticas das instituições sociais.

O grande problema teórico enfrentado por Ronald Dworkin está na pretensão dos positivistas de separar a dimensão conceitual da normativa, ou seja, o “formalismo” do positivismo jurídico e o “individualismo utilitarista”, separados, contribuem para a discricionariedade judicial. E contra a “discricionariedade” que afeta a “integridade” no direito a tese da única-resposta-correta se movimenta.

Após nomear elementos de uma teoria geral do direito (teoria da adjudicação, teoria da legislação e obediência às leis), Dworkin quis deixar claro seu esforço para convocar teorias filosóficas que tratem da “natureza humana”, da “objetividade da moral” e da “lógica filosófica”, para fundamentar sua defesa de “direitos humanos individuais” como direitos políticos naturais anteriores aos direitos explicitados pelas regras da legislação.

Curiosas expressões tais como: “luxo ontológico”, “entidade fantasmagórica”; são escritas por Dworkin para caracterizar as objeções dirigidas à sua idéia de que direitos individuais são como “trunfos” preferenciais que prescindem de qualquer “metafísica”.

Estes trunfos são direitos de base (background rights), na distinção do vocabulário de Dworkin. O que nem sempre recebe destaque nas leituras da definição dworkiniana é a aceitação por parte do autor do “formalismo” de sua proposta162.

Os “trunfos políticos” que revestem os direitos de “ter” e “fazer”, pretendidos por Dworkin, são sempre condicionados às “justificativas” de uma comunidade política em oposição às “perdas” e “danos” de um indivíduo. O projeto do autor estudado neste capítulo ataca mais atenciosamente o tema da “adjudicação judicial”

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DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, xvii.

e defende o reconhecimento de “casos difíceis” que se projetam na aceitação de que são os juízes príncipes guardiões de “direitos políticos” não expressos por uma decisão judicial ou prática social inequívoca.

Para impedir alguma pergunta sobre a possibilidade de que uma prática social seja descrita como “inequívoca”, Dworkin já assume que qualquer resposta ao sentido da univocidade em questão requer uma teoria normativa das práticas sociais. E assim, adentra no jogo das definições persuasivas e permite ao seu texto o contato com estigmas retóricos, ou seja, com duplas de definições que criam uma hierarquia de sentidos. Para Dworkin, descrever sem prescrever é valorizar negativamente uma prática social que deve, para ele, respeitar o direito “axiomático” da igualdade.

Talvez, seja o valor da “igualdade” que force Dworkin a antecipar a impossibilidade de que um procedimento único “demonstre” os mecanismos de convencimento que dissociem “ativismo” de “comedimento”, na interpretação dos direitos. Eis o pathos. É a confissão de que a sua tese da única-resposta-correta não depende de uma proposição “verdadeira” para além dos díspares “métodos de argumentação”, todos impossibilitados de “demonstrar” a univocidade de decisões oficiais.

As introduções dos livros de Dworkin estão repletas de adversativas163, porque para cada assertiva e tese uma limitação ele reintroduz. É esta constante que fragiliza e ao mesmo tempo fortalece a atenção que Dworkin consegue atrair para seus escritos.

A “sinceridade” é uma responsabilidade que Dworkin exige dos indivíduos que compõem as instituições e é importante critério de redução da “incerteza” sobre direitos. São os “argumentos de princípio” que defendem a pretensão de compatibilizar o valor democrático do “direito à igual consideração e respeito” com o valor da “integridade” no direito.

Tal compatibilidade pode ser resumida na seguinte fórmula: toda interpretação deve exibir a prática no qual se insere sob sua “melhor luz”, ou seja, tornando o objeto interpretado o melhor exemplo possível. Cidadãos só devem ser

163 DWORKIN, Ronald. A leitura moral da constituição norte-americana [Freedom’s law]. trad.

coagidos pelo governo por decisões justificadas, pois o direito deve decorrer de uma interpretação “construtiva” da história institucional do sistema jurídico164. O sentido da interpretação deve articular uma coerência entre as informações pertinentes disponíveis sobre o passado da prática165. Essa frente desdobrou-se, para tentar refutar o convencionalismo (positivismo relacionado à busca das intenções dos legisladores originais) e o realismo (atualização perene dos significados dos direitos em prol de políticas públicas) 166.

A obra de Dworkin toca em questões ainda espinhosas dos Estados Democráticos de Direito do Ocidente, tais como: discriminação inversa, pornografia, aborto, desobediência civil, eutanásia, homossexualidade, subvenções estatais ao trabalho artístico e limites à liberdade acadêmica. Muitos de seus textos combativos e produções encontram-se disponíveis no New York Review of Books, e podem ser consultados pela internet. Essa vasta produção dificulta a nítida separação da ligação do desenvolvimento de suas teses com outros autores167.

Sua doutrina é anti-positivista, pois comprometida com o condicionamento do direito pela moral; é liberal, pois assume a narrativa norte-americana do valor político primacial do indivíduo perante o Estado; e está centrada no problema da interpretação do direito, principalmente na atividade judicial168 dos membros integrantes do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos.

164

Sobre a desatenção de Dworkin ao tema da autoridade Cf. KRESS, Kenneth e LARRY, Alexander. Contra os princípios jurídicos In: MARMOR, Andrei. Direito e interpretação: ensaios de filosofia do direito. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martin Fontes, 2004, pps. 419-494.

165

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 77.

166

Cf. FIQUEROA, Alfonso García. Princípios y positivismo jurídico: el no positivismo principialista el nas teorias de Ronald Dworkin y Robert Alexy. Madrid: Centro de estudos políticos e constitucionais, 1998, p. 220.

167 Aqui as palavras exatas: “I have not tried generally to compare my views with those of other legal and political philosophers, either classical or contemporary, or to point out how far I have been influenced by or have drawn from their work”. Traduzo: [Não tentei comparar, de modo geral,

minhas opiniões, com as de outros filósofos do direito ou da política, sejam clássicos ou contemporâneos, ou especificar o quanto fui influenciado por suas obras, ou o que delas aproveitei]. Cf. DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 1986, (preface) ix.

168 Dworkin adianta sua predileção: “Meu projeto também é limitado em outro sentido. Concentra-se

na decisão judicial, nos juízes togados, mas estes não são os únicos protagonistas do drama jurídico, nem mesmo os mais importantes. Um estudo mais completo da prática do direito levaria em consideração os legisladores, policiais, promotores públicos, assistentes sociais, diretores de escolas e vários outros tipos de autoridades, além de pessoas como banqueiros, administradores e dirigentes sindicais, que não são considerados funcionários públicos, mas cujas decisões também afetam os direitos jurídicos de seus concidadãos”. Cf. DWORKIN, Ronald. O Império do