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As figuras e os efeitos retóricos de compressão e expansão de sentido

3. Organização e disposição deste trabalho

1.5 As figuras e os efeitos retóricos de compressão e expansão de sentido

As figuras retóricas impõem um desafio duplo à persuasão: sugerem liberdade interpretativa e restringem essas combinações a esquemas codificados143. A própria retórica será estigmatizada pelo abuso de suas figuras. A redução da força da retórica aos deslumbres gerados pelos recursos de estilo ainda a associa a mero instrumento de crítica literária144.

Querela que exige uma posição crítica prévia da dissertação, para a limitação do método aqui empregado (“leitura retórica”). Este método não será “afeiçoado” ao resultado de sua obra, tal qual o amor de um amante por “si mesmo145”.

Com o uso da metáfora dão-se nomes às coisas “inonimáveis”. Por conseguinte, não devemos extraí-las das coisas distantes, mas daquelas semelhantes e análogas, tal que a similaridade seja claramente percebida tão logo as palavras sejam ditas. Aristóteles compreendia que os materiais das metáforas deviam ser belos aos “ouvidos”, ao “entendimento”, aos “olhos” ou a qualquer outro “sentido físico”. Na sua teoria da metáfora, Aristóteles prezava por uma “coisa

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REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. 2. ed. Trad. Ivone C. Benadetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pps. 59.

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NIETZSCHE, Friedrich. Da retórica. Trad. Tito Cardoso e Cunha. Lisboa: Passagens, 1995, p. 49.

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Reboul também prestigia o tratamento de Cícero dado à terminologia de Aristóteles. Cf. REBOUL, p. 64.

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LAUSBERG, Heinrich. Elementos de Retórica Literária. Ed. 5. Trad. R.M. Rosado Fernandes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, pps. 138-270.

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ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior; Paulo F. Alberto; Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998, p. 89 (1371b).

original146” que seria relacionada a outra. Ele fez ainda importantes distinções sobre a metáfora. Metáfora proporcional: “foi como se a primavera fosse excluída do ano”. Metáfora descritiva (fazer ver coisa em atividade): “até que todos os helenos gritem alto”. Metáfora ativa (por ocasião): “Não respeitam nem mesmo essa estatura de bronze daquele que em outra época intercedeu por eles147”.

A parisosis (concepção de dois membros de um período de igual extensão), paronomasia (concepção de palavras extremas de ambos os membros semelhantes entre si). Ainda temos as variações de inflexão da mesma palavra (parônimo) e inflexão da sílaba (homeoteleuto).

A regra dos termos coordenados e inflexivos da mesma estirpe (o que é verdadeiro de um termo relacionado é verdadeiro para todos) está relacionada à semântica aristotélica (concepção de linguagem) que é uma vertente de sua metafísica148. Pela complexidade do tema, não se tratará dele aqui.

Entimemas também funcionam como “princípios de seleção” de argumentos e se formam por linhas de provas. São elas: (1) Linha de prova por oposição, (2) linha de prova por mudança de sentido de palavra-chave, (3) linha das idéias correlatas, (4) linha de prova a fortiori (mais e menos), (5) considerações de tempo, (6) aplicar ao orador aquilo que ele disse para desacreditar o acusador, (7) garantir a defesa de seus termos, definindo-os, (8) Manipular diversos sentidos de uma palavra, (9) basear-se na divisão da Lógica, (10) basear-se na indução: citar casos isolados, de exceção, (11) usar alguma decisão já enunciada, (12) tomar separadamente as partes de um assunto, (13) usar de conseqüências como um motivo para incitar que algo deverá ser feito com respeito aos gêneros do discurso, (14) estimular ou desencorajar o curso de uma ação que pode ser feita de dois modos distintos, (15) tentar estabelecer o ponto de vista que seus oponentes não adotaram e arrancar confissões escondidas do público, (16) invocar uma correspondência racional, (17) invocar antecedentes iguais para tratar resultados como iguais, (18) invocar os erros dos homens149, (19) invocar motivos possíveis

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ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior; Paulo F. Alberto; Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacioanal – Casa da Moeda, 1998.

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ARISTÓTELES. Retórica. trad. Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007.

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ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. trad. Antônio P. de Carvalho. introd. e notas. Jean Voilquin e Jean Capelle.

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ARISTÓTELES. O homem de gênio e a melancolia: o problema XXX, I. trad. Jackie Pigeaud e Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Lacerda, 1998, apresentação, p. 7-68.

para um evento ou estado de coisas, (20) usar intimidações ou estímulos para uma ação nomeando condições, (21) invocar pressuposições improváveis ou inverossímeis, (22) refutar o processo do oponente pela observação de comparações ou contradições de datas, ações ou palavras que são exibidas em qualquer lugar e nas relações de conduta, (23) demonstrar o porquê de fatos não serem admitidos numa acusação, (24) demonstrar que, se a causa estiver presente, o efeito estará presente, e se a causa estiver ausente, o efeito também estará ausente, (25) considerar se o acusado pode ou poderia ter tomado outro curso numa falácia, (26) examinar inconsistências entre ações do presente com as do passado, (27) equivocar-se antecipadamente sobre os fundamentos da acusação ou da defesa e (28) deduzir significados dos nomes150.

A linguagem, para Aristóteles, é um “som vocal, que possui uma significação convencional”. Aristóteles distingue a “proposição” e o discurso “geral” 151

. A proposição constitui-se essencialmente pela composição ou divisão dos termos significantes isolados, “implicando” em referência à existência. O discurso é significante em “cada uma de suas partes” (nomes e verbos), fazendo abstração da coisa significada ou não fazendo abstração. A significação não se refere à existência, pois. Já a proposição é um “julgamento” da existência do que se tenta significar152.

Os nomes (catáfasis) e verbos (apófasis) aproximam e afastam nosso entendimento das coisas que existem, mas nunca se igualam às coisas que são como são. A “categoria do ser” é o máximo ter do “ser”. A sua presença e a sua ausência garantem a menor unidade de significação. Significação é convenção e sentido, sentido e convenção. A garantia de que a significação será lógica está na ontologia (ousia). Não há contradição entre ontologia e discurso humano, entre lógica e ser na concepção designativa da “semântica153” de Aristóteles154

.

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Sobre a influência dessas linhas no direito consultar CAMPOS, J. R. Segurado e. Introdução. In: ARISTÓTELES. Tópicos. Trad. J.A. Segurado e Campos. Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 2007, p. 189.

151

Este é o primeiro texto a ser citado por Russell na sua apresentação à Aristóteles em Cf. RUSSELL, Bertrand. History of wester civilization. London: The Folio Society, 2004, pps. 155-199.

152

ANGIONI, Lucas. Introdução à teoria da predicação em Aristóteles. Campinas: UNICAMP, 2006, pps. 17-45.

153

OLIVEIRA, p. 25-34.

154

ARISTÓTELES. Da interpretação. In Órganon. trad. Edson Bini, São Paulo: EDIPRO, 2005, p. 81- 110.

Aristóteles elenca os seguintes sentimentos: raiva, fúria, calma, serenidade, amizade, rancor, hostilidade, aversão, medo, confiança, vergonha, cinismo, bondade, crueldade155. O Estagirita trata da compaixão, da indignação, da inveja, da emulação e do “despertar pessoal para a auto-superação” 156

.

É pelo tópico do possível/impossível que se manejam os argumentos relacionados ao tempo (passado, presente e futuro), bem como as categorias de necessidade, possibilidade e contingência, que são tão importantes na concepção designativa aristotélica. Esta metafísica sustenta a hierarquia entre as formas de racionalidade da dialética e da retórica, que permitem o tópico da “grandeza e pequenez das coisas”.

As emoções, para Aristóteles, são todos aqueles sentimentos que tanto alteram os homens como afetam seus julgamentos, e que são acompanhadas também pelo prazer e pela dor. É importante saber qual o estado psicológico das pessoas, “quais as pessoas que inspiram os sentimentos e os fundamentos para esses sentimentos”. A dor e o prazer são componentes indispensáveis à formação de afetos, inclusive, na interpretação.

A interpretação é refém da memória seletiva que os homens têm dos fenômenos que afetam sua carga existencial. É na junção do par dor/prazer com o par memória/esquecimento que se respeita ou desrespeita um estigma retórico.

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ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior; Paulo F. Alberto; Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacioanal – Casa da Moeda, 1998, cap 3.

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ARISTÓTELES. Retórica das paixões. trad. Isis Borges B. da Fonseca. pref. Michel Meyer. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

CAPÍTULO SEGUNDO – A TESE DA ÚNICA-REPOSTA-CORRETA NA DOUTRINA JURÍDICA DE RONALD DWORKIN