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Momentos da interpretação crítico-construtiva das normas jurídicas

3. Organização e disposição deste trabalho

2.5 Momentos da interpretação crítico-construtiva das normas jurídicas

Nos seus escritos mais recentes224, Dworkin está engajado em fornecer pistas para uma base comum mínima para democratas e republicanos nos Estados Unidos, pelo que chama de “cultura do argumento”. No seu último livro de filosofia política225, propõe dois valores gerais e suficientemente abstratos (expressos por princípios), para ampliar a argumentação “genuína” no cenário político bipartidário de seu país. São eles: o princípio do valor intrínseco da vida humana e o princípio da responsabilidade pessoal.

Pelo princípio do valor intrínseco da vida humana cada uma tem um valor objetivo: o valor está na possibilidade de desenvolvimento máximo das aptidões de cada indivíduo, rumo a uma vida de sucesso ou fracasso. O princípio da responsabilidade pessoal sugere que cada indivíduo pode controlar sua vontade e ser o guardião do respeito pela rota de sua própria vida. Dworkin, seguindo a formulação kantiana para o conceito de dignidade humana1, pretende desfazer o conflito entre os valores da igualdade e liberdade226, na sua tentativa de cercar um mote comum para um debate (feito de argumentos chamados por ele de “genuínos”). Propõe como a inclusão no ensino mais elementar de uma disciplina que trate do Papel do Judiciário na sociedade, para que num futuro próximo, os membros da comunidade política possam argumentar com “responsabilidade”, e não se postarem passivos diante da “retórica formal das eleições”.

Essas linhas gerais apenas prepararam o objeto deste tópico, porque não interessa à dissertação debater o cenário da última eleição norte-americana. É que a “ênfase” dada pelos jornalistas televisivos, durante os debates das campanhas presidências norte-americanas, à “oratória”, à “linguagem corporal” e ao “porte” dos candidatos, incomoda Dworkin. Desprezar tais componentes da comunicação retórica implica num certo isolamento para o modelo de interpretação de Hércules. Insiste-se aqui, na sugestão que Dworkin lança para compor a cena do Hércules-

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La comunidad liberal. [Liberal Community] trad. Claudia Montilla. Santafé de Bogotá: Siglo Del Hombre Editores /Universidade de los Andes: 1996. 191 p.

225

A virtude soberana: teoria e prática da igualdade [Sovereign virtue] trad. Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

leitor, quando tenta livrar o direito de controvérsias. Este incômodo é coerente com o retrato que Dworkin faz da retórica. Cumpre a ele combater esses elementos persuasivos não verbais, para destilar o discurso e tentar cristalizar o logos dos princípios. São os princípios “levados à sério” que religam as etapas de interpretação da tese da única-resposta-correta de Ronald Dworkin. São os argumentos de princípios que livram as desqualificadas “respostas” dos adeptos da discricionariedade judicial (Kelsen, Hart, Ross) do adjetivo “correta”. Dworkin não se satisfaz com a correção, ele quer a “integridade do direito”, para tanto, a metáfora da unidade completa a sintaxe de sua tese.

Segundo esta tese, cada parte pode alegar que pode sair vencedora num processo. Até aí, não há objeção, visto que não se trata apenas de vencer, e sim de ter correspondida a expectativa de que o direito não tenha sido “inventado” após o fato. Essa expectativa é o critério que Dworkin apresenta como inexorável na negação do poder discricionário.

O respeito às etapas de interpretação do modelo de Hércules não conduz “juízes diferentes” a uma mesma decisão. Esta ressalva é feita por Dworkin, já antecipando qualquer tentativa de reconhecimento externo de um ceticismo implícito à sua formulação.

Como exposto na introdução desta dissertação, mesmo a força da recusa por parte de Dworkin de qualquer forma de ceticismo não o livra de estigmas retóricos227. O ceticismo rejeitado por Dworkin, portanto, envolve a “habilidade dialética” de um juiz de discernir na sua moralidade pessoal o acesso a uma moralidade política que instaure “a” resposta correta numa adjudicação judicial.

Isto porque Dworkin não problematiza a diversidade de “saltos” e diversas formas de racionalidade (como a retórica). Ele as simplifica e reduz a uma: a de Hércules. É assim que pretende proteger o “treino” de juristas da tese da nenhuma resposta correta, e não tratar a tese da única-resposta-correta como um “mito” mal-

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O que nesta dissertação se apresenta como o ceticismo inicial de Dworkin se exemplifica nesta passagem. O gosto de Dworkin pela antecipação de futuras objeções e as variações de tom de seus textos estão no apêndice de DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 448, p. 451, p. 456, p. 462, p. 471, p. 476, e p. 483.

sucedido228. Insiste que juízes sejam filósofos e nos convida a entender alegações filosóficas como “intrínsecas” ao empreendimento que trata de relações jurídicas.

Cumpre aceitar o seu convite de conhecer teorias da interpretação literária. A hipótese estética de Dworkin tenta tornar o objeto estudado “melhor”, mais “correto”, sem aceitar qualquer relatividade ou ceticismo que imponha ao seu estudo “tiranias interpretativas”. Dworkin considera a interpretação uma instituição pública. O autor pretende impedir conclusões abusivas que dissociem teorias da arte da filosofia ou da sociologia, entretanto, admite que as delimitações de cada gênero atribuem maior ou menor poder interpretativo (topos do mais/menos) ao intérprete sobre os significados, referências, tema e tom de cada obra229.

E é neste bordão, que Dworkin tenta explicitar a “psicologia da criação” dos intencionalistas, porquanto, restrinjam os propósitos de uma obra apenas aos propósitos conscientemente antevistos pelo autor. A diferença entre a atividade do artista que “interpreta enquanto cria” (restrito à dimensão formal) e a atividade do crítico que “cria enquanto interpreta” (restrito à dimensão substantiva) tenta

ultrapassar a concepção de interpretação intencionalista. Para transplantar o sentido de interpretação como atividade de simples resgate, Dworkin explora uma metáfora.

A metáfora do romance em cadeia sugere um grupo de escritores que são críticos e precisam escrever capítulos em diferentes momentos, prezando pelas dimensões formais e substantivas, para que o romance preserve o valor da integridade (estigma retórico da forma/substância). Dworkin não está interessado em “contos”, quer um romance “único”. Mais uma vez o estigma retórico da univocidade se presta para a resolução de casos controversos no direito.

Juízes devem se apresentar como íntimos “parceiros” do direito, como instituição que é um empreendimento em cadeia. Este empreendimento político oferece plurais práticas, convenções e decisões pretéritas que exibirão a ética interpretativa da melhor “leitura” dessa história e, por conseqüência, permitem a defesa da tese da única-resposta-correta, por via da política. Essa ingerência da teoria política na interpretação, longe de “corromper” o direito, politiza a interpretação e a vincula à filosofia.

228

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 446.

229

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 225.

Conforme a síntese do parágrafo anterior, o direito se relaciona com a estética e com a política, dependendo a sua “adequação” ao passado e seu “valor” para o futuro dos ensinamentos dos filósofos. Com este texto e gesto230, Dworkin mantém a filosofia no topo dos saberes e diz que juristas podem aprender com a arte.

Será que algo mais precisa ser dito, para justificar a junção Dworkin-Rorty? A resposta pode aguardar a defesa da pesquisa que se realizou para a escritura do capítulo seguinte.

230

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 254.

CAPÍTULO TERCEIRO – A FILOSOFIA IRONISTA DE RICHARD RORTY