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Capítulo 3: A descoberta de um novo método

3.3 A transição da questão da verdade para a questão do sentido

No final do primeiro trimestre letivo de 1930, Wittgenstein recebeu uma bolsa de estudo de cinco anos do Trinity College, o que lhe deu a oportunidade de explorar as implicações de seu novo método. E a crítica à teoria dominou as discussões com Schlick e Waismann durante as férias de natal de 1930. Dizia a ambos que para ele uma teoria não tinha valor algum, pois não poderia lhe proporcionar o que estava procurando.

Após ter descartado qualquer possibilidade de construir uma teoria filosófica, Wittgenstein está apontando para o tema central de sua obra posterior. A frase do Fausto de Goethe, “Am Anfang war die Tat” [No princípio era o ato], poderia, como ele sugeriu, servir de lema para toda a sua filosofia posterior, que seria essencialmente prática e não como atividade teórica.

O fato de Wittgenstein ter abandonado certo modelo de linguagem de análise lógica, ao contrário do que pensou Russell mais tarde, não foi uma rejeição do

pensamento rigoroso ou uma abdicação do esforço de compreender90, mas sim a adoção

reverência e fascínio místico que os evangelhos do apocalipse, que passavam, por debaixo das batinas (ou togas) dos antigos cristãos no período do declínio de Roma.” O BrB era visto por Wittgenstein como

um trabalho publicável, veja-se, WCLD, 180, LW-WW, carta de 25/11/1934, p. 234.

90 Para Russell, “O Wittgenstein das PU parece ter ‘cansado de pensar sério’”. Ainda, segundo Russell, a

concepção wittgensteiniana de filosofia como gramática banaliza a tarefa da filosofia, substituindo problemas profundos e difíceis por rasos e superficiais. Original: “The later Wittgenstein, on the

de uma noção diferente do que vem a ser “compreensão”, qual seja, aquela que ressalta a importância e a necessidade de “ver conexões”.

Já na época em que Wittgenstein faz algumas declarações de ter encontrado um “novo método”, a este se refere ressaltando outras duas características essenciais do mesmo, a saber, a repetição e também que o método efetiva a transição da questão da verdade para a questão do sentido:

Eu continuo a achar minha forma de filosofar nova, e estou tão surpreso por sua novidade que eu devo frequentemente repetir a mim mesmo. Para outra geração vai se tornar parte do seu próprio ser e as repetições vão parecer chatas, mas para mim elas são essenciais.

Este método é fundamentalmente a transição da questão da verdade para a questão do sentido. 91

O método que efetiva a transição da questão da verdade para a questão do sentido também combate o cientificismo ou o método filosófico baseado no procedimento científico. Aliás, Pichler sugere que o MS 109 pode ter sido escrito em resposta à concepção do Círculo de Viena e da prática da filosofia de modo mais geral,

o que, é claro, encontrou expressão soberba no trabalho de Carnap92. As informações de

Pichler explicita a situação de atrito entre o método da ciência e o método da filosofia: de um lado, nota-se a convicção de que a ciência e o cientificismo devem abarcar todas as áreas da vida humana e do pensamento, incluindo a Filosofia; que a Filosofia deve construir estruturas complexas (pontes conceituais) a fim de se casar com outras disciplinas e tornar-se uma parte das ciências naturais. Por outro lado, tem-se o pessimismo de Wittgenstein focando muito sobre os problemas derivados da confusão entre ciência e Filosofia, e (também por isso) a crença de que a Filosofia não pode e não deve ser uma parte da ciência; que a Filosofia visa clareza em vez de estruturas complexas, e que, dessa forma, deve explorar e clarificar as bases de possíveis construções em vez de realmente construí-las. Assim, um movimento constrói um edifício adicionando, cuidadosamente e de mão em mão, uma pedra sobre a outra,

would make such an activity unnecessary. I do not for one moment believe that the doctrine which has these lazy consequences is true. I realize, however, that I have an overpoweringly strong bias against it, for, if it is true, philosophy is, at best, a slight help to lexicographers, and at worst, an idle tea-table amusement.” Cf. RUSSELL, 1959, p. 161.

91 Original: “Meine Art des Philosophierens ist mir selbst immer noch, und immer wieder, neu, und

daher muss ich mich so oft wiederholen. Einer anderen Generation wird sie in Fleisch und Blut übergegangen sein und sie wird die Wiederholungen langweilig finden. Für mich sind sie notwendig. -Diese Methode ist im Wesentlichen der Ubergang von der Frage nach der Frage nach der Wahrheit zur Frage nach dem Sinn.” Cf. MS 105, 46 = VB, p. 3.

92 Cf. PICHLER, 2009, pp. 75-77. In: MORENO, 2009, pp. 57-97. Pichler refere-se ao prefácio da 1ª

edição de Der logische Aufbau der Welt/ The Logical Structure of the World de R. Carnap publicado em 1928 e ao prefácio publicado em VB de Wittgenstein.

enquanto o outro mantém alcançando constantemente a mesma pedra. Referindo-se a essa idéia, Wittgenstein declara: “Cada frase que eu escrevo está tentando dizer a coisa toda, que é a mesma coisa uma e outra vez e é como se fossem vistas de um objeto de

diferentes ângulos”.93

Segundo este “novo método” de Wittgenstein, filosofar é uma atividade cuja função terapêutica visa substituir as formas ideais de expressão por formas da linguagem ordinária e auxiliar alguém a libertar-se do fascínio e incômodo de certas expressões, assim como enunciar usos habituais e inventar novos usos:

Filosofar, no sentido em que empregamos esse termo, é, em primeiro lugar, lutar contra o facínio que exercem sobre nós certas formas de expressão. [...] Quando nos referimos a ‘formas ideais de expressão’, não é a de uma palavra, mas de intenção de, com elas, substituir as formas da linguagem ordinária; mas, apenas, com a finalidade de auxiliar alguém a se libertar dessa idéia que o incomoda, a saber, que ele conseguiu aprender a forma exata de uso de uma palavra da língua cotidiana. É por isto que adotamos esse método que não se limita a enunciar as formas de uso habituais, mas se esforça deliberadamente em inventar novos usos, e, por vezes, em razão mesmo de seu aparente absurdo. 94

Nas obras que pertencem à segunda fase do seu pensamento, Wittgenstein afirmou que os problemas filosóficos não são problemas reais mas a confusão resultante, entre outras razões, da busca de generalidade, das semelhanças na gramática de superfície de expressões ou emulação de métodos da ciência. Para descartar essas confusões, é necessário apresentar os problemas filosóficos de alguma outra maneira. E é neste ponto que entra em cena um dos mais caros conceitos utilizados por Wittgenstein, a saber, o conceito de uma übersichtlich Darstellung [apresentacão perspícua].

...

Em síntese, vimos neste capítulo alguns aspectos característicos do método filosófico de Wittgenstein que emerge a partir de 1929: as declarações, as oscilações e a transição do espírito em ação bem como as questões relativas ao sentido. No próximo capítulo pretendemos destacar alguns pontos relevantes de alguns dos principais inspiradores de Wittgenstein com relação ao novo método.

93

MS 109, 207 = VB, p. 9. Original: “Jeder Satz den ich schreibe meint immer schon das Ganze also

immer wieder dasselbe und es sind gleichsam nur Ansichten eines Gegenstandes unter verschiedenen Winkeln betrachter.”

94 MS 309, 44 e 45 = BlB, pp. 27 e 29. Original: “Philosophy, as we use the word, is a fight against the

fascination which forms of expression exert upon us. [...]. Whenever we make up ‘ideal languages’ it is not in order to replace our ordinary language by them; but just to remove some trouble caused in someone's mind by thinking that he has got hold the exact use of a common word. That is also why our method is not merely to enumerate actual usages of words, but rather deliberately to invent new ones, some of them because of their absurd apearance.”