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Capítulo 7: Aspectos sensitivos

8.3 Das emoções às disposições: esperança e expectativa

Iniciemos este item com um pronunciamento de Wittgenstein:

Dizemos ‘espero-o’, quando acreditamos que ele virá, mas sua vinda não ocupa nosso pensamento. (‘Eu espero-o’ significa aqui: ‘Eu ficaria surpreso se ele não viesse’ - e não vamos dar a isto o nome de descrição de um estado de espírito). Mas também dizemos: ‘Espero-o’ quando isto deve significar: aguardo-o. Poderíamos imaginar uma linguagem que, nesses casos use consequentes verbos diferentes. 308

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Uma espectativa, em ambos os sentidos, está inserida numa situação a partir

da qual ela surge, e que leva provavelmente a um determinado evento309: Aguardo a

explosão da bomba enquanto olho para o fusível consumindo; estou ansioso para a chegada de um ente querido com quem eu tenho um compromisso. A probabilidade do evento é determinada pela história contextual prévia do meu conhecimento sobre o tipo de evento.

O que diferencia a expectativa neutra da de esperança é o que poderia chamar de “tipo do sentimento”. No entanto, como mencionado anteriormente, esta expressão é bastante desencaminhadora. Isso significaria que, na esperança de que ele chegue para o evento, não está limitado à preparação para a sua ocorrência e, por conseguinte, que a esperança é uma coloração especial da expectativa, uma especificação.

Mas, usando a metáfora da “cor” que Wittgenstein usa frequentemente poderíamos dizer que a expectativa era incolor? Não estava emocionalmente determinado que fosse desprovido de sua “própria atmosfera”? A ideia da coloração parece expressar a sua falta de sentido da especificação, ou seja, de uma determinação maior dentro de um campo já determinado: a expectativa de que possa ser tanto isolada quanto envolvida, assim como a esperança. (Se eu disser “Espero que faça bom tempo a próxima vez que sair de férias”, eu realmente espero, mas indefinidamente, sem envolvimento). Não se trata de uma coloração mais intensa, mas de uma coloração mais específica: posso servir-me de algo que eu temo, bem como algo que espero, ou que eu não me importo e que simplesmente acredito que isso vai acontecer.

Agora, mesmo se a expectativa possa ser vista a partir do ponto de vista da esperança, esperar não é simplesmente um caso particular da expectativa: na expectativa, a pretenção subjetiva não tem qualquer referência necessária; a expectativa é bastante similar a um saber, a uma avaliação cognitiva em que a esperança manifesta uma consideração de valor.

No caso da espectativa, o problema da relação entre a representação e realidade apresenta-se com extrema urgência. O que acontece quando eu espero determinado evento? A estrutura da expectativa (por exemplo, o desejo ou a esperança) consiste em uma disposição receptiva que pode ser cumprida por um acontecimento real

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que não é dependente da minha vontade. Como se configura a comparação entre esses dois elementos heterogêneos?

Vejo alguém apontando uma arma e digo: ‘Espero uma detonação’. O tiro sai. Como você esperava por isto, esta detonação já estava, portanto, de algum modo em sua expectativa? Ou sua expectativa corresponde ao ocorrido apenas a partir de outro ponto de vista? Este barulho não estava contido em sua expectativa e adveio apenas a um acidente, no momento em que a expectativa se realizou? [...]‘A detonação não foi tão forte como eu esperava’.- ‘Será que detonou-se mais forte na sua expectativa’? 310

O exemplo e sua problematização são particularmente eficazes e permitem- nos ver claramente a natureza da representação e sua relação com a realidade. No caso de um disparo, dificilmente cairia na tentação de conceber a representação que rege a expectativa, como uma imagem objetiva, como um objeto mental, em comparação com o objeto percebido. E, portanto, uma espécie de representação do evento deve estar bem disponível, dado que podemos julgar se o evento real é resultado diferente em comparação com as expectativas.

Mas, o que fazemos na prática quando esperamos um estrondo? Geralmente tapamos os ouvidos, e se isso não for possível ou oportuno, contraímos os músculos especialmente aquelas ao redor do pescoço e das mandíbulas, que faz com que o ruído nos abale em uma intensidade menor, ecoa menos em todo o nosso corpo e em nossos ouvidos, em particular. Esta contração muscular é a mais intensa quanto mais violência é temida e podemos dizer que temos esperado um ruído mais violento daquele efetivado no momento onde a contração teria sido suficiente para reduzir o ruído ainda maior, ou seja, a percepção real vem mais abafada do que sabíamos ter sido tolerável.

Se concebermos a representação em geral de uma forma semelhante a esta contração preparatória veríamos que o problema clássico da comparação entre a natureza heterogênea de uma imagem mental e uma percepção atual certamente não se coloca: o que a linguagem reclama não é um objeto no mundo, mas uma reação comportamental, enquanto evocado voluntariamente se torna um tipo de ação, mesmo que não seja ulteriormente analisado. Neste contexto, à expectativa são componentes essenciais: 1) um saber sedimentado, ou uma certeza imediata, em relação a um tipo de experiência; 2) a possibilidade de ativar este saber na ausência da própria experiência; e 3) indicações existentes que sugerem uma possível representação.

O índice objetivo que caracteriza a expectativa em seu ser “a expectativa de...” é dado pelo terceiro fator, isto é, da história imediatamente anterior que fornece

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razão para se esperar qualquer coisa: com base no que sei ou acredito entendo uma seqüência de eventos como uma unidade que leva a... . De certa forma, a expectativa mediada é forma de saber no ordenamento de eventos futuros o quanto um saber no sentido próprio não se pode falar: a tematização mediada é a tarefa esperada do segundo momento, da ativação de uma vivência.

No exemplo formulado por Wittgenstein, ele diz: “Espero um golpe”, e algo ativa a experiência do corpo explicitando a expectativa. Mas necessitamos da linguagem da expectativa? Não expectativa em geral: se eu vejo a queima de fusível eu não preciso me dizer alguma coisa para me representar o surto, mas eu espero certamente, porque ela pertence a um estrato de crença imediata. Mas se eu esperar a chegada de um amigo, eu posso fazê-lo em ausência de linguagem? “Um cão pode esperar por seu dono, mas pode-se esperar que o seu dono chegue depois de

amanhã?”311.

A expectativa imediata vê no presente o germe do futuro, de modo que o futuro não é realmente outro a partir do presente, é incipiente nesse mesmo: se eu vejo um vidro que começa a cair, a queda do vidro já está toda presente, embora talvez alguém possa voar e agarrá-lo, ao passo que, se um compromisso é marcado no calendário, este sinal torna-se uma expectativa, mas não sem a minha participação ativa, sem que a representação do evento intervenha no diálogo silencioso da alma consigo

mesma: “na linguagem, tocam-se expectativa e realização.”312

Este nível duplo, imediato e mediato, está presente na expectativa, mas não na esperança: eu posso esperar que algo caia, mas uma vez caído, não posso “esperar” que caia. A expectativa imediata é, como um acreditar imediato, um estar certo e, por conseguinte, algo independente da identidade do sujeito. Enquanto na esperança, como na expectativa mediata, o sujeito, enquanto lugar de saber, está envolvido na representação, e por assim dizer, não esperando que eu possa empurrar na imaginação o vidro para baixo, porque ele já está se movendo à velocidade máxima que as minhas expectativas o podem mover. Esperamos coisas das quais não estamos certos, mas do conteúdo de uma expectativa imediata estamos certos. Saber e certeza, que não são

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MS 137, 114b = LSPP I, § 360; MS 144, 1 = PPF, i, § 1. Original: “Man kann sich ein Tier zornig,

furchtsam, traurig, freudig, erschrocken vorstellen. Aber hoffend? Und warum nicht? Der Hund glaubt, sein Herr sei an der Tür. Aber kann er auch glauben, sein Herr werde übermorgen kommen? Und was kann er nun nicht? a Wie mache denn ich’s? Was soll ich darauf antworten?”.

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predicados do futuro, são expressos pelo futuro respectivamente na expectativa mediata e imediata.

Um limite interessante é aquele entre esperar e desejar. O uso dos dois verbos é amplamente comum: “Eu desejaria receber um presente” é equivalente a “Espero receber um presente”; se, no entanto, eu digo: “Desejo jantar”, isto não é equivalente a “Espero jantar”, e isso porque esperança é completamente divorciada da vontade, enquanto desejar é a sua forma condicional.

Se desejo jantar isso significa que, se eu puder, farei em forma de jantar; na esperança em vez disso, não há algum aceno (gesto) à minha ação: o que eu espero é um evento de princípio, e não apenas de fato, independente de minha vontade. Da mesma forma, a intenção difere da esperança porque tem a intenção de fazer algo, ou fazer algo acontecer, mas não se pode ter uma intenção para que algo aconteça, mas se pode esperar.

No caso da esperança, se apresenta fortemente a tentação de considerá-la um sentimento. Mas como mencionamos acima, nenhuma emoção (e, em geral, nenhum conceito) pode ser reduzida a característica de sentimento: “Quando [...] se diz, porém, ‘Espero que ele venha’ - o sentimento não confere à palavra ‘esperar’ o seu significado?

(E o que se passa com a proposição ‘Não espero mais que ele venha’?)” 313. O

sentimento parece conferir significado, porque é uma marca de autenticidade: se espero com sentimento, quero dizer, espero realmente e não pretendo esperar. No caso da proposição negativa, na qual diz não esperar mais, parece que existe a possibilidade dessa identificação através (com) de sentimento.

Em alguns casos, certamente é concebível que a frase indica realmente esperança desapontada, e não a ausência de esperança, mas se eu disser: “Quando eu era criança eu sempre esperei...” aqui eu posso efetivamente usar o verbo de uma forma significativa e autêntica, embora atualmente não haja nenhum traço desse sentimento. No uso do verbo no presente da primeira pessoa “Esperança” também pode ter a função de uma espécie de exclamação: “Eu espero que venha!” (Ou também, “Esperamos que venha!”, que serve, no entanto, da primeira pessoa do singular). Este uso parece função predominante de externalização de um estado de alma e não o de comunicação.

A fronteira entre a função exclamativa e comunicativa, no caso da esperança, é particularmente difícil de detectar, porque não há um comportamento

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característico da esperança: pode-se jogar sem palavras, a vontade e o desejo, mas não a

esperança314, uma vez que nenhuma ação é característica do sujeito. Não há, portanto,

critérios externos reais e próprios para identificar a esperança, independentemente da linguagem.

Uma esperança imediata não possui traços diversos do desejo ou da expectativa imediata: um cão, por exemplo, espera que a comida será jogada se ele dá os sinais de desejo, não se leva a comida em si, mas sim espera. No entanto, no sentido imediato, isto é, na presença do objeto e sem intervenção linguística não é possível distinguir “desejo” de “esperança”: nada no comportamento externo as diferenciam.

Wittgenstein coloca a esperança entre as emoções (Gemütsbewegungen)315.

E embora ela não tenha uma expressão facial característica, está ligada com o nível representativo, como o desejo. A esperança e o desejo têm um determinado local, enquanto se apresentam como os conceitos psicológicos orientados teleologicamente, com o maior fluxo: se há um sujeito, ele deve poder esperar e querer sempre, mesmo quando ele não está em uma condição de querer: no caso de que isso seja completamente paralisado, eu não posso propriamente querer, mas eu sempre posso esperar que algo aconteça.

O fato hipotetizado de uma paralisia ou algo semelhante, a impossibilidade para agir, quer seja considerada como acidental, momentânea, e não envolvendo toda a vida de uma pessoa é um detalhe essencial: não podemos dizer que uma pedra quer (deseja), porque ela não age e nunca agiu, não se mostra poder fazer, e, portanto, a sua estatibilidade não é imobilidade e, portanto, não há espaço para a relevância de uma subjetividade. A pessoa que estava na mesma condição de total impossibilidade de agir sempre não poderia mesmo aprender a querer uma ação (mesmo um ato de percepção) e, portanto, não poderia mesmo esperar que algo de determinado aconteça: neste caso, não podemos falar de subjetividade. Esperar é o nível mínimo de subjetividade teleológica, sempre, de fato, possível; o seu único pressuposto é o saber: posso esperar também contra toda a possibilidade empírica de querer, portanto, mesmo quando não há mais espaço para o desejo. A esperança é um momento psicológico ligado à emoção, isto é, de uma origem e razão externas, onde o desejo e a vontade determinam a origem do sujeito como o interior.

314 MS 144, 1 = PPF, i, § 1. 315

Esperamos os eventos nos quais queremos agir. O espaço para o esperar é aquele fechado entre o saber, como o limite externo, e o agir como limite interno ao saber: Eu apenas posso esperar, se sei o que esperar, não espero no momento em que quero (ato), e não posso esperar do que tenho certeza. Este alcance do conceito de esperança se torna sem sentido em expressões como “Hoje ele teve esperança pela

primeira vez”316, e que isto, enquanto horizonte da esperança é coextensivo com aquele

da vida consciente: de fato até quando existir vida (consciente) há esperança, talvez aquela esperança indeterminada que, às vezes, somos inclinados a chamar de “curiosidade sobre o amanhã”. Para saber quando se começa a esperar, devemos poder determinar quando se começa a pensar, o que, obviamente, não é temporalmente determinado, uma vez que para sabê-lo devemos já poder pensar.

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