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A TRANSMISSÃO E A INTERPRETAÇÃO DA VOZ ALHEIA NOS ROTEIROS

Para o Círculo de Bakhtin, só é possível agir socialmente quando se age com e para o outro, uma vez que nossos enunciados e ações advêm do que apreendemos na interação social. As falas, os sinais produzidos, as manifestações culturais, todas elas são elos na cadeia discursiva, são transmissões do que for apercebido ao longo da vida social. Isso acontece porque, para o Círculo de Bakhtin, o enunciado não pode se resumir a relações lógicas, como apontam os estudos estruturais e formais da língua, visto que a linguagem não é uma forma fria, ausente da ação do homem, bem como do espaço e do tempo em que está inserida. Pelo contrário, é necessário ver os enunciados como um modo de agir humano mediado por uma orquestração de vozes sociais, as quais ele nomeia de relações dialógicas.

Para a Análise Dialógica do Discurso, não podemos, necessariamente, falar de subjetividade, mas de intersubjetividade, uma vez que os sujeitos se constituem na alteridade. Em Bakhtin (2015a), o autor defende que todos os ambientes da vida estão repletos das palavras do outro, transmitidas em diversos graus de precisão e imparcialidade. Toda conversa é cheia de transmissão e interpretação do que o outro disse, ou seja, analisar as formas de relação dialógica não consiste apenas em entender que o discurso alheio aparece nas palavras do outro mas também em entender que esse outro torna-se autor, intérprete, recriador e avaliador.

As relações dialógicas são, necessariamente, extralinguísticas, não se prendem a estruturas predeterminadas da linguística. Para Bakhtin (2015b, p. 209), “toda a vida da linguagem, seja qual for seu campo de emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.) está impregnada de relações dialógicas”. Nesse pensamento e posicionamento se insere a audiodescrição, como uma palavra encarnada de relações dialógicas que vai muito além de relações linguísticas. Temos a palavra que responde e dialoga com a imagem e vice-versa.

As relações dialógicas, como afirma Bakhtin (2015b), são possíveis não só por meio dos enunciados integrais, mas ainda como partes dele ou mesmo com uma palavra isolada que não seja vista como ausente de significado. Dessa forma, é possível entender que, para compreender o posicionamento do outro, a palavra alheia, não é preciso, necessariamente, uma recriação integral e literal. Podemos perceber a voz do outro em apenas uma palavra, em um curto enunciado. Isso valida os estudos em audiodescrição, considerando que temos uma imagem que não pode ser traduzida integralmente, primeiramente porque toda tradução implica recriação com perdas e

ganhos de significado; depois, porque o tempo, muitas vezes, não permite a construção de uma imagem mais ampla, favorecendo o encurtamento do enunciado.

Bakhtin (2016a), falando a respeito das relações dialógicas, afirma:

A confiança na palavra do outro, a aceitação reverente (a palavra autoritária), o aprendizado, as buscas e a obrigação do sentido abissal, a concordância, suas eternas fronteiras e matizes (mas não limitações lógicas nem ressalvas meramente objetais), sobreposições do sentido sobre o sentido, da voz sobre a voz, intensificação pela fusão (mas não identificação), combinação de muitas vozes (um corredor de vozes), a compreensão que completa, a saída para além dos limites do compreensível, etc. Essas relações específicas não podem ser reduzidas nem a relações meramente lógicas nem meramente objetais. Aqui se encontram posições integrais, pessoas integrais (o indivíduo não exige uma revelação intensiva, ela pode manifestar-se em um som único, em uma palavra única), precisamente as vozes. A palavra (em geral qualquer signo) é interindividual. Tudo que é dito, o que é expresso se encontra fora da “alma” do falante, não pertence apenas a ele [...]. (BAKHTIN, 2016a, p. 97-98).

Pelas palavras do filósofo, podemos perceber que as relações dialógicas são variadas, produzidas no convívio humano com diversas intenções. Todos os enunciados reproduzem discursos cuja matriz é a vida concreta dos sujeitos em interação social, em tensas e intensas relações. Tal fato ratifica o que já vem sendo afirmado nos subcapítulos anteriores, que a palavra é uma arena de tensões em que os discursos sociais se orquestram para um enunciado valorado axiologicamente, que oriente o ouvinte a respeito do lugar no mundo em que se insere o falante. Todas as palavras (e signos, de uma forma geral) estão na boca dos outros, vem a nós por meio de outros, mas são transmitidas pelo falante como única, singular, como nova tonalidade e expressividade.

Para Volóchinov (2017), os enunciados têm como ponto de encontro um ser falante e potencialmente respondente, repleto de palavra interiores; alguém que tem condições de avaliar as palavras alheias e as transmitir a outros, ou seja, ele pode perceber a temática e a significação que as palavras carregam entre os sujeitos participantes do diálogo. Para o falante, o discurso transmitido e o discurso transmissor estão em constante inter-relação dinâmica à medida que reflete diversas orientações sociais.

A esse fenômeno da língua viva, Volóchinov (2017) chama de discurso alheio e se dedica a discutir maneiras de sua transmissão. Para o teórico (2017, p. 249, grifo do autor), “O ‘discurso alheio’ é o discurso dentro do discurso, o enunciado dentro do

sobre o enunciado”. Isso significa que, para estudar a transmissão e a interpretação da voz alheia, é necessário entender como tal fenômeno se manifesta.

É possível que surja no enunciado de um falante de maneira autoritária, quando é plena de aspas, sem as condições de ser comentada e discutida por quem a fala. Para Bakhtin (2015a)

Não se representa o discurso autoritário: ele é apenas transmitido. Sua inércia, seu acabamento semântico e sua ossificação, seu afetado isolamento externo, a inadmissibilidade de que se aplique a ele um livre desenvolvimento estilizante – tudo isso exclui a possibilidade de uma representação ficcional do discurso autoritário. (BAKHTIN, 2015a, p. 138)

Em outras palavras, o discurso autoritário, para Bakhtin (2015a, p. 136), é aquele que “exige de nós reconhecimento e assimilação, impõe-se a nós independentemente do grau que, para nós, tem persuabilidade interior: já se pré- encontra em sua natureza autoritária”. É a palavra que exige acatamento, que não permite mudanças semânticas e emolduramentos variados; como aponta Bakhtin (2015a), não permite recriação, revisão, reconstrução. Ela precisa ser acatada, pois foi proferida por alguém que tem autoridade para falá-la. O discurso autoritário, para o ouvinte “obediente”, não conhece a estilização ou a paródia, não alcança a interpretação pessoal, não é profanada. Caso contrário, ela se torna internamente persuasiva.

O discurso internamente persuasivo acontece quando o sujeito falante internaliza o discurso alheio, fazendo-o tão seu quanto é do sujeito que anteriormente falou. As aspas somem, e o discurso alheio torna-se parte integrante e orgânica da vida e das palavras do sujeito. Ele pode fazer isso de diversas maneiras: denegrindo a palavra e discordando dela enquanto a polemiza; pervertendo-a enquanto a parodia. O sujeito também pode acatá-la, reformulá-la para as situações de comunicação que lhe interessam, estilizá-la a seu modo, dando novos acabamentos e expressividades que reforcem determinado ponto de vista de acordo com a intenção.

Para Bakhtin (2015a), há uma diferença entre o discurso internamente persuasivo e o externamente autoritário. O primeiro se caracteriza pelo fato de que, embora seja transmitida a palavra alheia, o autor também imprime seu posicionamento e ponto de vista. Na palavra internamente persuasiva, há dois posicionamentos marcados, há duas vozes explícitas e/ou implícitas. O segundo, externamente autoritário, por sua vez, em contraste com o primeiro, temos uma

palavra que não carrega a consciência de quem a pronuncia, mas apenas do autor original. Ela é uma palavra dogmática, indiscutível para o transmissor, que é dominado por esse discurso.

Em outras palavras, o discurso autoral, caso seja internamente persuasivo, tem a função de transmitir o tema do enunciado alheio à sua maneira, desconstruindo ou recriando uma nova sintaxe, com novas entonações; o enunciado ganha integridade linguística e independência (VOLÓCHINOV, 2017). Para Bakhtin (2015a), todos os discursos internamente persuasivos são bivocais, ou seja, é possível identificar a presença de dois discursos, duas vozes: o enunciado original e o enunciado recriado. Quando o discurso é internamente persuasivo, ele carrega duas consciências, dois posicionamentos, duas vozes (bivocalidade): tanto do autor original quanto do autor intérprete. A esse respeito, Bakhtin (2015b) afirma que

[...] um autor pode usar o discurso de um outro para os seus fins pelo mesmo caminho que imprime nova orientação semântica ao discurso que já tem sua própria orientação e a conserva. Nesse caso, conforme a tarefa, deve ser sentido como o de um outro. Em um só discurso ocorrem duas orientações semânticas, duas vozes. Assim é o discurso parodístico, assim é a estilização, assim é o skaz estilizado. (BAKHTIN, 2015b, p. 216, grifo do autor)

É no sentido da palavra internamente persuasiva que se constrói a acessibilidade de pessoas com deficiência visual, considerando que, primeiramente, não há possibilidade de um audiodescritor-roteirista construir um enunciado que não se apoie em um alheio, que é a imagem. Em segundo lugar, ele não pode reproduzir esse enunciado como se o discurso original fosse autoritário, já que a audiodescrição é uma tradução intersemiótica, sendo a imagem a matriz da palavra. A imagem precisa ser avaliada para, então, ser comentada pelo audiodescritor, que falará sobre ela de seu ponto de vista, de seu lugar no mundo. O audiodescritor-revisor se apoia tanto na imagem quanto na palavra dos roteiristas para construir um novo enunciado que seja adequado para os não videntes, o que deixa claro que a palavra pode ser polemizada, recriada, apagada e substituída. O consultor com deficiência visual só terá apoio na palavra, mas isso ainda não faz dela autoritária, visto que cada um construirá uma

contraimagem mental de maneira distinta, recriando, por meio do som, um novo filme.

A responsabilidade do audiodescritor, por esse motivo, é de grande proporção, já que ele será mediador da compreensão da pessoa cega. Em outros termos, o não vidente só poderá “olhar” por meio da palavra alheia, só terá acesso ao

conteúdo audiovisual por meio da audiodescrição. O audiodescritor-roteirista torna-se autor-criador da audiodescrição, por mais que o enunciado, que é gênese dessa tradução, não seja dele; no caso, o vídeo. Ainda assim, o seu enunciado se materializa em um novo contexto de produção, vislumbra um novo público, responde a ele, antecipa réplicas, esclarece ou obscurece informações; constrói-se, de fato, no terreno aperceptivo da pessoa com deficiência visual, considerando suas habilidades no contato com o gênero discursivo em questão.

Segundo Bakhtin (2016a, p. 76, grifo do autor), “o acontecimento da vida do texto, isto é, sua verdadeira essência, sempre se desenvolve na fronteira de duas

consciências, de dois sujeitos”. Nesse caso, a audiodescrição existe na relação entre

o audiodescritor e a pessoa cega. Mesmo que não a conheça ou tenha interagido pessoalmente com ela, o roteirista constrói uma identidade mental para seu público.

Assim, o audiodescritor, reiterando a noção de elo discursivo, tanto responde a um enunciado, que é o material audiovisual, quanto responde à imagem presumida do público para quem ele enuncia. Dessa forma, já entendendo que a palavra é persuasiva e não autoritária, seu enunciado não pode corromper ou transgredir aquilo que está posto na imagem, pois, se assim o fizer, a pessoa com deficiência não terá a compreensão esperada ou adequada, bem como haverá perversão do enunciado alheio, que é a imagem, o que se configura como um ato antiético, de desamor. Não podendo ser parodiada, a estilização, portanto, é o tipo de interpretação exigido pela audiodescrição.

A audiodescrição deve agir com orientação única em relação ao enunciado que a origina, ou seja, deve manter a mesma orientação semântica, permitindo uma mesma compreensão, mesmo que seja sob o ponto de vista do audiodescritor. Segundo Bakhtin (2015b, p. 217), “A estilização pressupõe o estilo, ou seja, pressupõe que o conjunto de procedimentos estilísticos que ela reproduz tenha tido, em certa época, significação direta e imediata, exprimiu a última instância da significação”.

Em outros termos, a estilização é a apropriação do estilo de outro e a sua transmissão sem a desconstrução desse estilo. Para Bakhtin (2015b), o estilizador trabalha com um ponto de vista do outro. Não chega a ser como discurso direto, revestido de aspas, subordinado a um enunciado de autoridade; até porque o fato de ser transmitido de um sistema semiótico para outro não permite que a palavra seja pronunciada literalmente. Muito pelo contrário, o enunciado chega ao audiodescritor como uma imagem internamente persuasiva.

É importante destacar que o autor transmite a palavra alheia, de maneira estilizada, algumas vezes, privilegiando determinado ponto de vista para cumprir as próprias intenções do autor. Bakhtin (2015b, p. 221) afirma que “a estilização estiliza o estilo do outro no sentido das próprias metas do autor”. O autor imprime suas ideias sem deturpar ou se chocar com as ideias originais.

Da mesma maneira, os audiodescritores e os consultores recriam o enunciado original, que é a imagem, imprimem na audiodescrição um posicionamento, pois privilegiam enunciar aquilo que consideram ser mais relevante para a compreensão temática. Sabendo que nem todas as descrições de imagens caberão no tempo determinado para a locução da audiodescrição, os participantes da tradução intersemiótica precisam selecionar, sem entrar em conflito com o filme, aquela imagem mais adequada.

A depender do contexto ou do gênero fílmico a que a palavra autoral se subordina, essa audiodescrição vai sofrer variação. Bakhtin (2015a) afirma que emoldurações distintas vão existir a depender da forma de se transmitir o discurso alheio. Assim, não se pode, de maneira alguma, dissociar o contexto da palavra autoral do contexto da palavra alheia. Na audiodescrição, portanto, a palavra é metade daqueles que produziram o vídeo e metade daquele que traduz, parafraseando Bakhtin (2015a). O teórico ainda afirma que

A palavra do autor, que representa e emoldura o discurso do outro, cria para este uma perspectiva, distribui sombra e luz, cria a situação e todas as condições para que ele ecoe, por fim penetra nele de dentro para fora, insere nele seus acentos e suas expressões, cria para ele um campo dialogante. (BAKHTIN, 2015a, p. 155).

Ele ainda defende que “as palavras do outro, introduzidas em nossa fala, são revestidas inevitavelmente de algo novo, da nossa compreensão e da nossa avaliação, isto é, tornam-se bivocais” (BAKHTIN, 2015b, p. 223), uma vez que não é apenas uma voz, não é a voz do diretor do filme apenas mas também a voz dos roteiristas de audiodescrição. Isso leva, mais uma vez, a crer que o papel do audiodescritor e do consultor é contribuir para a construção de um terreno de compreensão para a pessoa com deficiência, considerando que essa compreensão é um ato dialógico. É dessa maneira que se pode construir um enunciado acessível para esses sujeitos.

Pensar em audiodescrição, como já foi dito, é pensar numa palavra solidária para auxiliar as pessoas com deficiência visual a apreender a imagem transmitida a ela por meio de filme, pintura, fotografia, dança. A palavra que recria a imagem, no entanto, precisa dar autonomia para os sujeitos que a recebem, e, para isso, a palavra não pode ser transmitida de qualquer maneira. Uma das formas inadequadas de construir a audiodescrição é construir uma palavra autoritária, que manipule o pensamento da pessoa com deficiência a compreender aquilo que o audiodescritor quer que ela compreenda, retirando-lhe a autonomia de pensamento e a criação mental.

4 MONTAGEM DAS CENAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA

No que tange à pesquisa científica, um dos primeiros métodos aplicados para a análise de dados foi o método positivista, como afirmaram Laville e Dionne (1999). Por meio desse método, os objetos de estudo eram postos a experiências regulares: o que se aplicava a um tendia a se aplicar a outros, na busca por resultados semelhantes e satisfatórios para o analista. Esse método, que foi bem aceito na comunidade dos cientistas da natureza, ao entrar em contato com as ciências humanas, não apresentou a esperada aceitação. Ainda que alguns estudiosos das ciências humanas lancem mão de seus métodos para construir pesquisas quantitativas, o positivismo não percebeu semelhante recepção que lhe foi dado pelos que estudam as ciências naturais.

Isso aconteceu porque, neste último caso, as ações humanas não apresentam a mesma regularidade que as ações naturais e exatas, o que resulta em eventos sociais distintos. Assim, mesmo as ciências humanas tendo se ancorado no método quantitativo, é possível afirmar que muitos pesquisadores da área não se viram satisfeitos e procuraram por novos métodos que suprissem as suas necessidades de pesquisa.

A busca, então, como apontam Laville e Dionne (1999), foi por uma pesquisa em ciências humanas que pretendia privilegiar a natureza social e histórica desse processo de conhecimento. Um dos primeiros passos para isso foi compreender o objeto de estudo como algo que é constituído por diversos fatores sociais. Essa compreensão, por sua vez, atravessa as lentes utilizadas na pesquisa em ciências humanas centradas nas operações de compreensão e interpretação do objeto de estudo. Além disso, buscou-se uma ciência que não se fixasse em um território específico, mas, trouxesse mais compreensão sobre o objeto, tocasse em outros territórios. Para tanto, a interdisciplinaridade começou a ser desenvolvida para poder abarcar toda a complexidade das ciências humanas.

Nas ciências tidas como humanas e, mais especificamente, em Linguística Aplicada, que se faz de maneira crítica, reflexiva, indisciplinar, entre outras, a produção de conhecimento se dá de maneira qualitativa e interpretativista, que põe em protagonismo tanto os sujeitos quanto os objetos focos das observações atentas do pesquisador. Assumir esse posicionamento é comprometer-se com estudos que vão além das noções quantitativas propostas pelo positivismo.

Nesse sentido, Oliveira (2016), posicionando-se a respeito da construção de um saber científico em ciências humanas, apoiando-se nas teorias apresentadas pelos autores do círculo de Bakhtin em consonância com a LA, afirma

A LA é convocada a partilhar de uma determinada visão das Ciências Humanas que entende a produção de conhecimento como uma prática social, defendendo um conhecimento interessado, optando por um modo de fazer pesquisa questionador do papel da linguagem na vida social (OLIVEIRA, 2016, p. 51).

Dessa maneira, podemos entender a pesquisa como um fazer, antes de tudo, político, visto que quebra paradigmas tradicionais que exigem o silenciamento tanto de quem produz conhecimento quanto de quem é o alvo dos estudos. Retomando os termos da autora, trata-se de um “conhecimento interessado”, que busca interagir de maneira dialógica com os sujeitos. Esse posicionamento dialoga diretamente com o que Fabrício afirma. Para ela

[A] LA se constitui como uma prática problematizadora envolvida em contínuo questionamento das premissas que norteiam nosso modo de vida; que percebem questões de linguagem como questões políticas, por compreender que elas significam imobilização do pensamento que tem clara postura epistemológica, entendendo que a produção de conhecimento não é neutra, pois se encontra entretecida a um domínio de práticas sócio-historicamente situadas, podendo apenas ser aplicadas ao contento da situação sob investigação [...]. (FABRÍCIO, 2006, p. 60-61).

Moita Lopes (2015, p. 22), por sua vez, advoga que “é crucial pensar formas de fazer pesquisa que sejam modos de fazer política ao tematizar o que não é tematizado e ao dar voz a quem não tem”. Em outras palavras, a pesquisa em LA busca “sulear” (MOITA LOPES, 2006; KLEIMAN, 2013) os estudos para além dos grandes centros epistemológicos, em um saber interessado pelo que é periférico e fronteiriço, que questiona as relações sociais e os acontecimentos em que a linguagem tem papel fundamental.

Para Oliveira (2008, p. 14), “o objeto dos estudos das ciências humanas é o homem social, o ser expressivo e falante, um ser não coincidente consigo mesmo”. Por ser falante e social, por fazer uso da linguagem e ser constituído na interação com outros sujeitos, a pesquisa em LA não pode isentar-se da responsabilidade de ser dialógica, inter/trans/indisciplinar (MOITA LOPES, 2006; PENNYCOOK, 2006). Isso quer dizer que a LA é uma área de produção do conhecimento que não age de maneira individualizada, sem contato com outras áreas do conhecimento. Pelo

contrário, a LA, para compreender a modernidade fluida (BAUMAN, 2001) e fragmentada (HALL, 2015), precisa não apenas tangenciar como também trabalhar com a Linguística, a Psicologia, a Sociologia, os Estudos Culturais, entre outras áreas.

Além disso, essa relação dialógica não acontece somente entre áreas do conhecimento. É necessário que os sujeitos envolvidos na pesquisa não sejam silenciados, isto é, não podemos permitir que tanto o pesquisador quanto o sujeito foco da pesquisa, e até mesmo o objeto, estejam em posição de objetividade tal que não permitam dialogar com a epistemologia. Para Moita Lopes (2015), a pesquisa não deve mais ser sobre o sujeito, mas com o sujeito, o que deixa clara a importância de não pensarmos numa ciência neutra e, em consequência, neutralizadora de ações e práticas sociais.

A partir desses constructos teóricos que subsidiam a metodologia de análise, esclarecemos que os subcapítulos a seguir vão adentrar no território das