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5.3 O QUE OS OLHOS NÃO VEEM

5.3.2 Cena 2: Reminiscência

A reminiscência se inicia com a substituição da imagem do velho pela foto de uma criança. O tom envelhecido é uma marca em todas as fotos. Para começar esta parte, temos o enunciado 4.

Quadro 29 – Enunciado 4 com consultoria

Revisão Consultoria

O rosto do velho dá lugar ao de uma criança. Sequência fotográfica em tom envelhecido. Destaque nos olhos da criança.

Seu rosto dá lugar ao de uma criança. Destaque nos olhos. Sequência fotográfica.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 29, os consultores, apoiados nas palavras dos roteiristas e revisores, decidiram não usar novamente o termo “velho” (“O rosto do velho”), que já veio na inserção anterior. Dessa forma, o pronome possessivo veio substituir sem causar danos na compreensão (“Seu rosto”); até porque não se pode pensar nas inserções de audiodescrição como enunciados separados, mas como um contínuo que precisa estar bem encadeado.

Em seguida, os consultores reorganizaram a frase feita pelos audiodescritores roteiristas/revisores. Em cada um dos roteiros, há três períodos. Para os videntes, temos: 1) rosto da criança; 2) sequência fotográfica; 3) destaque nos olhos. Para os não videntes, temos: 1) rosto da criança; 2) destaque nos olhos; 3) sequência fotográfica. Dessa última forma, o texto fica mais organizado e coeso, visto que os dois primeiros períodos se dedicam a descrever a sequência de uma mesma imagem enquanto o último trata da estrutura que o filme assumirá a partir daquele momento.

Vale ressaltar que não há, necessariamente, uma descrição de imagem ao afirmar “sequência fotográfica”, especialmente após os consultores terem decidido retirar a expressão “em tom envelhecido”. Há, todavia, uma orientação, uma direção, para que o espectador possa compreender o que virá nos próximos minutos do curta. Assim, podemos seguir para o enunciado 5.

Quadro 30 – Enunciado 5 com consultoria

Revisão e Consultoria

Sombras de pessoas enfileiradas próximas a uma cisterna.

No Quadro 30, temos um acatamento às palavras alheias, uma relação de concordância. É valido considerar que esse acatamento não necessariamente aconteceu sem tensão. Nesse embate dialógico, é possível que tenha havido conflito, questionamento ou, simplesmente, a aprovação.

Se voltarmos os olhos à imagem, vemos que outras informações visuais foram apresentadas. Havia, inclusive, um homem retirando água da cisterna para encher seus baldes, colocados no chão ao lado de uma carroça. Essa imagem foi destacada, como também a da sombra de pessoas. Os consultores com deficiência visual decidiram apresentar os elementos essenciais da imagem sem se ater a detalhes, e o motivo pode ter sido a questão do tempo para descrever aquilo que, mesmo não sendo essencial, é importante de ser dito, já que houve um destaque dado pelo diretor do curta.

No quadro abaixo, temos o enunciado 6.

Quadro 31 – Enunciado 6 com consultoria

Revisão Consultoria

Ao lado de um pote de barro, rapaz bebe água, refletido num espelho.

Rapaz bebe água ao lado de um pote de barro.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 31, os consultores optaram por trazer para o início da frase o sujeito, que é o rapaz. Ele havia sido deslocado anteriormente para que o pote de barro encabeçasse a descrição da imagem. Nesse período, os consultores optaram por uma frase organizada tradicionalmente, que se inicia com sujeito (Rapaz), é seguida por verbo e complemento (bebe água) e se conclui com adjunto adverbial (ao lado de).

Com o apagamento, os enunciados ganham mais objetividade. Isso não significa que são neutros ou não são subjetivos. O uso do adjetivo “barro” para compor a cena, por exemplo, comprova isso. Sem ele, a descrição ainda funcionaria e poderia ser compreendida como frase; como enunciado, essa expressão amplia a noção temática abordada no filme. Por isso, não podemos negar o valor ideológico na escolha.

A frase, mais uma vez, sofreu um encurtamento, com cortes de elementos. No caso, foi retirado que o rapaz se refletia no espelho, deixando apenas os elementos

considerados pelos consultores como essenciais: o rapaz e o pote de barro, sem espaço para o que, para eles, seria secundário. Essa ação garante que o espectador construa informações básicas, com poucos elementos, o que dará mais tempo de silêncio e uma leitura mais pausada, mesmo que desprivilegie o que os roteiristas e revisores consideraram como relevante. Em outras palavras, embora o espelho componha a cena, ele não é elemento valorado pelos consultores para que se compreenda o tema e o sentido do filme. Isso evidencia o posicionamento de dissonância existente entre os não videntes em relação ao que fora dito pelos videntes. Porém, ambos os enunciados se constroem no ambiente da estilização com o material audiovisual, respeitando as possibilidades semânticas que ele oferece.

Como o espelho é um elemento que foi percebido pelos dois roteiristas e mantido pelos dois revisores, seria interessante à consultoria discutir sobre sua manutenção ou não. É importante destacar que não estamos questionando as construções frasais apresentadas pelos consultores, mas o apagamento de uma imagem que foi percebida, traduzida em palavras por quatro videntes. Assim, valeria, por exemplo, sugerir o encurtamento da frase com a manutenção de todos os elementos imagéticos: o pote, o rapaz e o espelho.

A outra imagem descrita e tensionada pelos consultores resultou no enunciado 7.

Quadro 32 – Enunciado 7 com consultoria

Revisão Consultoria

Caldeirão tampado ao lado da chama de um fogão a lenha.

Caldeirão tampado num fogão a lenha.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 32, comparando os dois enunciados – o da revisão e o da consultoria –, percebemos que o segundo busca uma linguagem mais objetiva, centrada na essencialidade da imagem. Isso se torna perceptível quando apagam o fato de o caldeirão tampado estar “ao lado da chama”, deixando para o espectador a imagem desse caldeirão sobre o fogão a lenha. Tal apagamento não causou prejuízos à compreensão da imagem, e, por ser mais curta (com menos informações sonoras sobre o enunciado visual), concentrou a ênfase apenas nos objetos mais importantes: caldeirão e fogão.

É válido destacar que os adjetivos estão sendo mantidos, deixando mais explícita a temática de que trata o filme. Vemos, por exemplo, que não é qualquer fogão, mas um que funciona a lenha, característico das casas do sertão nordestino. Apagar esse termo adjetivador causaria uma perda de significado do filme e, por isso, desrespeitaria o enunciado original.

Adiante, enunciado 8.

Quadro 33 – Enunciado 8 com consultoria

Revisão Consultoria

Na cozinha, o rapaz e cinco crianças seminuas estão próximas ao pote de barro.

Na cozinha, o rapaz e cinco crianças estão próximas ao pote de barro.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 33, percebemos que, novamente, há uma busca por um enunciado mais conciso, com menos detalhes. Temos, por exemplo, o apagamento do adjetivo que caracteriza as crianças, “seminuas”, cuja importância, embora não essencial, era notável, já que explorava a condição de escassez vivida pelas pessoas sertanejas. A expressão, trazida intencionalmente pelos videntes, sugere para além da noção de que estão com pouca roupa, ou sem camisas; o seu uso é valorado e, portanto, suprimi-lo faz com que a pessoa com deficiência perca um dado importante a nosso ver.

Se a questão do apagamento da expressão acima se deu devido ao tempo de fala da locução, mais adequado, por exemplo, seria apagar a localização das pessoas do que as suas características. Em outras palavras, afirmar que estão reunidas “na cozinha” parece ser menos importante do que o fato de elas estarem “seminuas”. Nesse sentido, destacamos que, segundo os estudos bakhtinianos, há uma clara distinção entre a palavra autoritária e a palavra de autoridade. Assim, podemos ter as palavras das pessoas com deficiência como um suporte sólido para enunciados de audiodescrição, mas não significa que suas palavras são, mesmo que sólidas, inabaláveis. Elas estão sujeitas à crítica, ao reposicionamento, à tensão; bem como à aceitação, ao acatamento.

Comparando ainda os dois excertos, nota-se que nem todos os elementos linguísticos que foram postos pelos audiodescritores-roteiristas/revisores foram apagados. Novamente, a expressão “barro” aparece como atributo do cotidiano do

sertão, reforçando mais ainda a temática do filme, que é tratar da cultura sertaneja e das características que a compõem, como seca, fome, miséria, religião e resiliência.

No quadro abaixo, temos o enunciado 9.

Quadro 34 – Enunciado 9 com consultoria

Revisão Consultoria

Fachada da casa de taipa, com o rapaz e um menino na porta.

Fachada da casa de taipa, com o rapaz e um menino.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 34, mais uma vez, há um apagamento de informações sonoras que traduzem a imagem. Provavelmente, os consultores decidiram suprimir a localização das pessoas da imagem, fato que não compromete a tradução, para contribuir com a locução. Desse modo, a leitura pode ser mais lenta, reduzindo o tempo de silêncio entre uma leitura e outra, ou mais rápida, ampliando o tempo de silêncio.

Nessa direção, destacamos que os elementos essenciais foram mantidos, bem como a característica do elemento de mais relevância na imagem visual, que é a casa de taipa. Afirmar que um rapaz e um menino estão na fachada de uma casa feita de taipa é mais relevante, nesse caso, do que descrever a característica dos sujeitos (informação suprimida do roteiro dos videntes) assim como ao fato de estarem “na porta”.

Adiante, temos o enunciado 10.

Quadro 35 – Enunciado 10 com consultoria

Revisão e Consultoria Pés descalços e enxada sobre chão batido.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 35, temos uma relação de concordância entre os posicionamentos dos audiodescritores. Mais uma vez, isso não significa afirmar que não houve tensão dialógica durante o processo até que acatassem a palavra alheia, mas que, por fim, houve uma aceitação.

No texto em tela, temos uma audiodescrição objetiva, curta e comprometida com os elementos essenciais da imagem: os pés, a enxada e o chão. Desses, apenas a enxada não apresenta característica que a descreva; os outros elementos carregam

atributos descritivos. Esse comprometimento com o que é elementar à imagem visual pode ter ocasionado a aceitação à palavra alheia por parte da consultoria.

A seguir, temos o enunciado 11.

Quadro 36 – Enunciado 11 com consultoria

Revisão Consultoria

Numa paisagem árida, um homem sem camisa, de calça comprida e descalço, remexe a terra com uma enxada.

Paisagem seca. Um homem remexe a terra com a enxada.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

A priori, percebemos que a primeira maneira de descrição, feita pelos videntes, é mais descritiva, apresenta mais informações para as pessoas com deficiência visual. Há um período simples, mas que se amplia devido ao acréscimo de adjuntos, a começar pela primeira informação apresentada: o ambiente em que imagem acontece, que é “paisagem árida”. Esse adjunto adverbial foi substituído por uma expressão nominal: “paisagem seca”, cujo adjetivo facilita a compreensão por trazer uma palavra mais usual e cotidiana.

A posteriori, boa parte dos elementos descritivos do enunciado foi apagada. A pessoa com deficiência visual deixa de receber informações mais detalhadas sobre o homem devido a esse fator. Por um lado, mesmo não sendo informações essenciais, elas constituem a imagem visual e poderiam estar presentes na audiodescrição. Por outro lado, apagar todos os elementos que descrevem o homem faz com que a locução seja mais objetiva, ampliando o espaço de silêncio. Isso pode contribuir para que a pessoa com deficiência tenha mais tempo para construir imagens mentais e acessar em sua memória linguística determinada expressão dita pela locução ao descrever a imagem.

Assim, retomando o que já foi dito, retirar informações que caberiam na fala, já que roteiristas e revisores construíram o texto pensando na locução, daria oportunidade, por exemplo, para que o ouvinte apercebesse a expressão “árida”, sem a necessidade de substituí-la por “seca”. Além disso, poderia ainda, em vez de tornar o adjunto adverbial em expressão nominal isolada, deixá-la como estava. Embora se trate de uma fotografia, há uma montagem cinematográfica nela, como aponta Eisenstein (2002a), que pode ser traduzida em uma linguagem linear, simples e objetiva.

Quadro 37 – Enunciado 12 com consultoria

Revisão Consultoria

Em primeiro plano, à direita, árvore seca com galhos retorcidos. Ao fundo, uma casa de taipa.

Árvore seca. Ao fundo, casa de taipa.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 37, observa-se não ser importante o uso da linguagem cinematográfica em todos os momentos da descrição (ainda que ela seja intrínseca à imagem visual), por isso, houve o apagamento de boa parte dela na consultoria sem afetar a compreensão textual. Em outras palavras, caso houvesse mais tempo, se a fotografia não fosse vinculada ao audiovisual (apenas ao visual), poderia ser apresentada a localização da árvore, por exemplo, bem como o plano de câmera. Mas esses elementos foram omitidos sem causar danos ao ouvinte. Em contrapartida, nem todos os elementos linguísticos podem ser apagados, e o cuidado especial deve recair sobre aquelas palavras que, de fato, descrevem a imagem. Vemos, por exemplo, que parte da descrição da árvore foi apagada: a questão de seus galhos estarem retorcidos.

Aparentemente, há mais preocupação com o tempo de locução, já que os enunciados foram encurtados, do que com a descrição em si. É necessário que ambos sejam bem pensados para que sejam produzidos enunciados descritivos que caibam bem no tempo do filme, respeitando momentos de silêncio e a imagem que origina a palavra.

Logo abaixo, seguimos para o enunciado 13.

Quadro 38 – Enunciado 13 com consultoria

Revisão Consultoria

Palma rodeada por vegetação seca em terreno pedregoso.

Palma em terra seca.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

Novamente, no Quadro 38, há um apagamento de informações para a construção de enunciado mais encurtado, com menos descrições de imagens. Nesse caso, os consultores decidiram por omitir que a planta de palma se encontra em meio a outras plantas secas e substituíram a descrição do ambiente. Assim, para os videntes, a planta está em um “terreno pedregoso”; para os consultores, “em terra

seca”. Embora semelhantes, não podemos afirmar que está sendo traduzida a mesma ideia por ambos os grupos. Nem toda terra seca é, necessariamente, pedregosa. Como outras informações foram apagadas, poderia haver o acréscimo dos dois adjetivos, ampliando a noção de seca e escassez do sertão.

Logo a seguir, temos o enunciado 14.

Quadro 39 – Enunciado 14 com consultoria

Revisão Consultoria

Numa estrada de terra, jovem apoia uma vara sobre os ombros, que sustentam dois galões d’água.

Jovem carrega vara sobre os ombros com dois galões d’água.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 39, o enunciado de partida, dos audiodescritores videntes, constrói um período sintático com duas orações, sendo uma subordinada, encabeçada por um adjunto adverbial de lugar, “Numa estrada de terra”. A consultoria recriou esse enunciado em uma oração simples. Comparando todas as sugestões da consultoria, pode-se afirmar que simplificar as construções linguísticas tem sido uma marca de seu trabalho. Com isso, percebemos que não apenas a construção sintática tem sido afetada mas também a imagética.

O rapaz caminha em uma estreita estrada de terra, formada ao longo do tempo pelo caminhar constante dos passantes. Essa informação tem uma carga semântica para o desenvolvimento da noção de esforço, de força, que é aplicada pelo sertanejo diariamente em busca por recurso e sobrevivência. A estrada pode ser um elemento representante da trajetória de luta diária de um povo pela vida; os galões de água, um breve momento de alívio da escassez para aquele que a carrega e para os seus. Mesmo transformando a oração subordinada em oração simples, o adequado seria manter em palavras a imagem da estrada, do ambiente por onde os sujeitos circulam e correm atrás de sua sobrevivência. Embora o termo seja um adjunto – acessório, para a gramática normativa – a expressividade de “estreita estrada de terra” vai além do que a construção frasal pode oferecer, visto que expressa o cotidiano do povo sertanejo.

Quadro 40 – Enunciado 15 com consultoria

Revisão Consultoria

Uma criança esquelética, deitada em perfil, com pernas flexionadas e joelhos com cicatrizes.

Criança esquelética.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 40, a informação mais importante que temos da imagem visual é a da criança em situação esquelética. Ela encabeçou a audiodescrição proposta pelos videntes. Não apenas isso, eles decidiram ampliar as possibilidades de compreensão da imagem central descrevendo detalhes delas, como o modo em que se encontra.

No roteiro elaborado após a consultoria, decide-se apagar a descrição construída a respeito da criança, fato que pode reduzir o que se compreende da situação apresentada na imagem. Apenas o que é essencial é apresentado, desconsiderando os elementos periféricos, mas que estão impressos na fotografia e que podem auxiliar ainda mais no processo de construção de uma imagem mental.

Um fato a ser observado é a manutenção do adjetivo “esquelético”, que é uma palavra carregada de valor e posicionamento de mundo. Provavelmente, seria um termo rejeitado pelos manuais mais tradicionais de audiodescrição, mas que foi bem acatado pela consultoria, considerando que, de fato, representa bem o que pode ser visto pelos videntes. É inegável que substituir o termo por “criança magra” ou mesmo “criança muito magra” não traria o significado tão carregado de emotividade que “criança esquelética” carrega.

Em seguida, partimos para o enunciado 16.

Quadro 41 – Enunciado 16 com consultoria

Revisão Consultoria

Sobre chão pedregoso, túmulo solitário próximo a um arbusto e cerca de palmas.

Túmulo solitário.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 41, mais uma vez, a ambientação, o cenário, teve apagamento na descrição das pessoas não videntes. Nesse caso, a imagem central é privilegiada em detrimento das imagens periféricas. Não podemos esquecer de que, embora “túmulo solitário” seja o foco do enquadramento da fotografia, ele não é o único elemento registrado pelas lentes. Assim, mesmo que se reduzisse à construção sintática

proposta pelos videntes, seria importante manter a descrição do local onde se encontra o túmulo, o que o cerca. Esses elementos podem auxiliar na construção de uma imagem mental sobre o sertão.

É válido destacar que nem todas as pessoas, até mesmo as videntes, têm noção geográfica, geológica, biológica, entre outras, a respeito do sertão; não conhecem sua vegetação e sua fauna, os objetos culturais que atravessam seu cotidiano. Assim, descrever mais do que o essencial acaba sendo uma forma de ampliar a compreensão a respeito do elemento visual e, também, cultural.

Adiante, temos o enunciado 17.

Quadro 42 – Enunciado 17 com consultoria

Revisão Consultoria

Às margens duma estrada, estrutura inacabada com três pilares em T, com homem recostado ao centro.

Numa estrada, três pilares em T, com homem ao centro.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 42, temos um exemplo de um enunciado de consultoria que não apagou elementos imagéticos oferecidos pelos roteiristas videntes. Percebemos uma reorganização da frase para oferecer uma informação mais objetiva, com menos recursos linguísticos, mas que não deixou de apresentar aquilo que contém no enunciado de origem, que é a palavra dos consultores videntes.

Os dois enunciados dividem-se, visivelmente em três partes, bem marcadas pelas vírgulas que as separam. Por exemplo, na primeira, inicia-se com: “às margens duma estrada”; na segunda, “numa estrada”. Ambas dizem “o mesmo”, mas cada uma de sua forma, sendo a segunda mais objetiva, estreitando as relações com as normas de audiodescrição e com as necessidades de tempo para a locução. Dessa forma, fica perceptível que é possível fazer uma audiodescrição simples e objetiva, com poucos elementos linguísticos, mas que respeite e recrie bem os elementos discursivos presentes no enunciado de origem, que pode ser a imagem (para os videntes), a palavra que traduz (para os não videntes) ou ambas (para os revisores).

O enunciado abaixo evidencia um posicionamento presente apenas na consultoria. Vejamos:

Quadro 43 – Enunciado 18 com consultoria

Consultoria

Fim da sequência.

Fonte: Autoria própria – adaptado de Leão e Braga (2014) e Trindade e Lima (2015)

No Quadro 43, para finalizar a segunda cena, a reminiscência, surge um elemento que, até então, não havia sido apresentado nas audiodescrições anteriores, que é a marcação linguístico-discursiva do fim da sequência fotográfica. Isso pode ter acontecido pelo fato de o próprio filme não fazer uso de um recurso cinematográfico para auxiliar na compreensão de que há uma transição de cenas.

Nesse caso, a fotografia dá logo lugar ao cenário por onde passa o cortejo e a mulher com balde na cabeça. Em oposição, o início do filme mostra uma transição