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O SETOR DE ACESSIBILIDADE DA SEDIS E O FILME A FORÇA

Podemos falar das pessoas com deficiência que são alunos da educação a distância (EAD), considerando ser ela uma modalidade que permite mais adaptação do tempo e do espaço no processo de ensino e aprendizagem. Nesse processo, os alunos podem fazer seus cursos frequentando salas de aula virtuais e interagir com

colegas de turmas e professores de modo não presencial, em suas próprias casas ou no polo a que está vinculado.

Para esses sujeitos, a EAD surgiu como uma maneira de tornar mais acessível o ensino, visto que garante a redução de algumas barreiras que impedem uma inclusão social adequada e plena no ensino. Exemplos disso são: a barreira atitudinal, que impedia de realização de ações que são comuns a diversos sujeitos sem deficiência, como ter um diploma de conclusão de ensino médio ou superior; e a barreira nas comunicações, que não permitia que as pessoas com deficiência tivessem acesso a informações cotidianas veiculadas por meio dos diversos sistemas semióticos de que fazem uso (BRASIL, 2015).

Sem dúvidas, muito ainda precisa ser feito para que a noção que relaciona a deficiência com a incapacidade ou com a impotência seja cada vez atenuada. Para tanto, muitas barreiras ainda precisam ser superadas, mas já podemos vislumbrar uma redução delas na EAD, como o desenvolvimento de materiais acessíveis a pessoas com deficiência visual.

Isso tem sido feito na Secretaria de Educação a Distância da UFRN (SEDIS), criada em 2003 com o objetivo de promover essa modalidade de ensino no Rio Grande do Norte, ampliando as possibilidades de ingresso no ensino superior. De lá para cá, ela tem trabalhado, junto a professores da UFRN, na formação complementar em produção de material didático, bem como na assessoria e no apoio aos alunos com deficiência. Nesse sentido, a SEDIS tem realizado diversos projetos que visam a um desenvolvimento docente e discente, como cursos na área de produção de material acessível, com recursos de audiodescrição e legendagem.

Esses cursos surgiram como forma de responder à necessidade de se desenvolverem atividades na área de acessibilidade na SEDIS, que começaram a ser feitas em 2010 com um grupo de trabalho (GT), devido à demanda de alunos com deficiência visual (baixa visão) que ingressaram na UFRN pela modalidade a distância. O GT era formado por profissionais de diversos setores da secretaria, como revisão, diagramação e designer, e os membros da equipe se dividiam entre a demanda dos setores a que estavam alocados e a nova demanda para alunos com baixa visão. Em 2012, após cursos de formação em audiodescrição e legendagem para surdos e ensurdecidos, formaliza-se o trabalho do GT e se oficializa o setor de acessibilidade, que vem pesquisando diversas possibilidades para tornar o material

didático cada vez mais usual e acessível para os alunos com baixa visão e com cegueira.

A princípio, a necessidade se pautava em ampliar os livros didáticos e prestar assessoria e consultoria a esses alunos. Depois, devido à demanda que surgiu ocasionada pela cegueira de um aluno, foi somada à ampliação o acréscimo da audiodescrição na diagramação, ou seja, passou-se a alterar a estética do material didático do aluno com deficiência visual para descrever as imagens presentes nele. A fim de evitar alterar a diagramação, o PDF acessível passou a ser utilizado pela equipe, já que, no mesmo material digital que chega às mãos dos alunos sem deficiência, é acrescentada a audiodescrição para aqueles que não podem enxergar. Essas descrições não afetam a diagramação, pois só podem ser percebidas pelo leitor de tela ou quando se coloca o cursor do computador sobre a imagem.

Após diversos trabalhos feitos em livros didáticos, o setor decidiu desenvolver a acessibilidade de imagens dinâmicas, desde a audiodescrição para pessoas com impedimentos na visão até a legenda e LIBRAS para surdos e ensurdecidos. Videoaulas, vídeos institucionais, documentários, cartilhas do SUS e curtas- metragens foram os materiais tornados acessíveis pelo setor para ser distribuídos para as pessoas com deficiência. Alguns dos vídeos, inclusive, apresentam acessibilidade baseada na noção de desenho universal, ou seja, um mesmo material foi pensado para os diversos públicos: videntes e não videntes; surdos, ensurdecidos e ouvintes, a fim de reduzir cada vez mais as noções de exclusão e segregação de grupos sociais.

Esse caráter investigativo do setor possibilitou um desenvolvimento significativo tanto para os alunos, visto que passaram a ter mais possibilidades de recursos e materiais acessíveis, quanto para o público externo, já que uma parte do que foi produzido pode ser encontrada na plataforma de streaming de vídeo YouTube. Isso garante mais visibilidade para o setor e, em consequência, mais responsabilidade para o que está sendo produzido.

Os primeiros materiais audiovisuais que passaram pelo processo de acessibilidade foram dois curtas-metragens, intitulados como A Força (2016) e

Pitikajara (2016), ambos de Teotônio Roque e Buca Dantas, produzido pela ONG

Olhares. Esses filmes chegaram ao setor de Acessibilidade da Secretaria de Educação a Distância da UFRN (SEDIS) por meio de uma parceria feita entre o setor e a ONG. A parceria consistia em produzir gratuitamente recursos acessíveis para os

filmes, como legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE), audiodescrição (AD) e interpretação de Língua Brasileira de Sinais (Libras). O objetivo era iniciar um trabalho mais incisivo e expansivo na área de acessibilidade cultural e educacional (considerando as videoaulas da EAD), buscando superar especialmente as barreiras comunicacionais que envolvem as deficiências.

Com o material pronto, a ONG cumpriu sua parte no acordo, fazendo a distribuição gratuita do material, em parceria com a SEDIS, tanto em mídia física (DVD) quanto em mídia digital, em sites de compartilhamento de vídeo. Esses materiais serviram como marco inicial dos trabalhos da equipe com vídeos e videoaulas, considerando que, a partir dos conhecimentos construídos empiricamente durante o processo, foi sendo percebido aquilo que era ou não adequado às traduções. Além disso, converteram-se em material para os cursos de formação ofertados pelo setor.

Em termos de gêneros fílmicos, os curtas se configuram desta forma:

Pitikajara (ROQUE e DANTAS, 2016) tem um caráter mais documental, com falas e

diálogos, enquanto há apresentação das fotografias, e os momentos de silêncio são poucos, fato que ocasionou uma quantidade menor de inserções de AD e maior de LSE; A Força (ROQUE e DANTAS, 2016), por sua vez, tem um caráter mais ficcional, com vozes acrescentadas em uníssono em momentos de reza ou canção, o que permitiu mais descrição de imagens e menos LSE.

Os processos de roteirização de ambos os filmes demandaram os olhares de diversos profissionais do setor, com formação em diversas áreas do conhecimento. Os primeiros olhares vieram de Rafael Garcia16 e Andrea Gurgel17, responsáveis pelo primeiro roteiro; os segundos espectadores foram os audiodescritores da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Bruna Leão18 e Klístenes Braga19, que

16Bacharel em Designer Gráfico pelo IFPE; especialista em Assessoria de Comunicação pela ESURP; mestrando em Inovação em Tecnologias Educacionais. Atua profissionalmente, desde 2010, como Designer Editorial voltado para materiais didáticos. Atualmente, pesquisa e trabalha com acessibilidade na SEDIS.

17 Graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Plásticas pela UFRN; especialista em Acessibilidade Cultural pela UFRJ; mestra em Comunicação Acessível, pela ESECS/IPLeiria. É membro da ONG Olhares e atua na área de acessibilidade na SEDIS.

18 Graduada em Letras pela UECE; mestre em Linguística Aplicada pela UECE; doutoranda em Linguística Aplicada pela UECE. Atua com Tradução Audiovisual Acessível e audiodescrição.

19Bacharel em Administração com Habilitação em Marketing pela FIC; ator pelo Centro de Formação e Pesquisa em Artes Cênicas do Ceará; especialista em Gestão Pública Municipal pela UECE; mestre em Linguística Aplicada pela UECE; Doutorando em Educação pela UECE. Atua, especialmente, com Tradução audiovisual e acessibilidade.

tomaram como base tanto o curta-metragem quanto a palavra dos primeiros audiodescritores, e contribuíram fazendo alterações, o que escambou no roteiro revisado.

Ao término da revisão, a equipe fez a sua locução para testar o tempo das inserções, mas não teve esse material como final, uma vez que eles viram a necessidade de apresentar o material para consultores com deficiência visual. O terceiro olhar foi oferecido por esses consultores com deficiência visual, que finalmente assistiram ao filme com audiodescrição, que foram Sidney Trindade20 e Bruno Lima21, construindo, então, o roteiro final. Após a participação desses três grupos, finalmente, as inserções passaram por mais uma locução, que foi inserida oficialmente no filme, para, em seguida, ser lançado com os outros recursos de acessibilidade22.

Quanto à pesquisa, a escolha pelo curta A Força (ROQUE e DANTAS, 2016), em detrimento de Pitikajara (ROQUE e DANTAS, 2016), se deu, especialmente, pelo material ter permitido mais inserção de audiodescrições, fato que fez com que tivéssemos mais material de análise. Além disso, o caráter ficcional, mais do que o documental, exige escolhas lexicais mais específicas, que dialogam de maneira mais próxima com a interpretação do espectador (audiodescritores videntes). Sabendo que as interpretações são postas, geralmente, em tensões, pois são tendenciosas à tutoria23, temos um roteiro de audiodescrição e sua revisão, produzidos por quatro videntes, e uma consultoria, produzida por dois sujeitos não videntes, específicos para a análise qualitativa; um total de três roteiros em relações dialógicas.

20 Tecnólogo em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo IFRN. Atua como consultor de Acessibilidade na UFRN.

21 Licenciado em Geografia pela UFRN. Atua como consultor de Acessibilidade na SEDIS.

22Há duas versões com audiodescrição disponíveis no Youtube. Uma versão, baseada no roteiro revisado, está desde o dia 11 de abril de 2015 disponível no canal da Ong Olhares. Uma segunda versão, baseada no roteiro com consultoria, está desde 18 de agosto de 2016 no canal da SEDIS. Sem o recurso de AD, o filme está no site de streaming desde 09 de janeiro de 2013 no canal da ONG Olhares. A versão da SEDIS, a segunda, é distribuída em DVD.

23 Afirmar que são tendenciosas à tutoria significa que determinadas maneiras de traduzir, impondo o ponto de vista do audiodescritor, pode limitar a pessoa com deficiência visual. Para exemplificar, podemos afirmar que, caso o audiodescritor, vendo um determinado objeto, o descreva com palavras que denotem juízo de valor (como “lindo” ou “feio”), ele pode agir como tutor da interpretação alheia. Assim, a interpretação da imagem, bem como a construção do juízo de valor, deve ser de responsabilidade exclusiva do espectador.