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Filme acessível: a audiodescrição como a recriação de uma imagem em palavra

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA APLICADA

FILME ACESSÍVEL: A AUDIODESCRIÇÃO COMO A RECRIAÇÃO DE UMA IMAGEM EM PALAVRAS

D’AVILLE HENRIQUE VIANA GARCIA

NATAL-RN 2019

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D’AVILLE HENRIQUE VIANA GARCIA

FILME ACESSÍVEL: A AUDIODESCRIÇÃO COMO A RECRIAÇÃO DE UMA IMAGEM EM PALAVRAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de concentração: Linguística Aplicada.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Bernadete Fernandes de Oliveira

Coorientador: Prof. Dr. Jefferson Fernandes Alves

NATAL-RN 2019

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FILME ACESSÍVEL: A AUDIODESCRIÇÃO COMO A RECRIAÇÃO DE UMA IMAGEM EM PALAVRAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, defendida por D’aville Henrique Viana Garcia como requisito parcial para obtenção do título de mestre em estudos da linguagem.

Aprovada em: _____/_____/______

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Profa. Dra. Maria Bernadete Fernandes de Oliveira – Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________ Prof. Dr. Jefferson Fernandes Alves – Coorientador

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________ Profa. Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa– Examinador Externo

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________ Profa. Dra. Marília Varella Bezerra de Faria – Examinadora Interna

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, agradeço a Deus pela força e coragem. Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas.

À minha esposa, Ilu Medeiros, que me encoraja e acredita em mim mesmo antes de imaginarmos namorar, minha eterna gratidão e meu coração. Seu olhar compassivo, seu intenso desejo de me apoiar e seu amor tão forte me trouxeram até aqui. Não teria conseguido sem sua ajuda.

Aos meus pais, Neto e Josy, que investiram tudo que tinham para que os projetos de minha vida fossem concretizados. Priorizando a mim e meus irmãos, eles deram a vida e negaram os próprios planos e sonhos. Obrigado! Está valendo à pena! Aos meus irmãos, Denys e David. Eles são os melhores presentes que nossos pais poderiam me dar. Não imagino uma vida sem eles por perto.

À família que me acolheu como sua e me guardou em seu coração: Sandro, Clezia, Alessandro e Gabriel. Com eles, aprendi que a palavra “família” tem mais a ver com lealdade e amor do que com vínculos biológicos.

À minha orientadora, Maria Bernadete, pela generosidade em me acolher e pela coragem de assumir meu projeto. Não teria avançado se não fosse a sua confiança e encorajamento. Cada palavra, cada orientação, cada gesto cuidadoso se reflete neste trabalho e, certamente, estarão refletidos em muitos outros.

A Jefferson Fernandes, que me fez bem-vindo entre as suas equipes, tanto o grupo de Pesquisa “Arte e Inclusão” quanto o setor de acessibilidade da SEDIS, e me forjou para pensar a acessibilidade de maneira dialógica, ainda na graduação. Pelo seu esforço em me orientar, alcancei o mestrado para acentuar a voz que esse professor já expressava em favor das pessoas com deficiência.

A Maria da Penha que, desde o início da graduação, inspirou-me a pensar dialogicamente, a respeitar e ser ético com os diversos pensares. Dedico ainda a minha gratidão a essa professora pela criação e sustentação do grupo de pesquisas “GEBAK”, cujas palavras se transferem para esta pesquisa como enunciado responsivamente ativo.

A professora Marília Varella por toda ajuda ao longo das aulas do mestrado mas também pelo olhar atento e cuidadoso para a qualificação e defesa. Este texto carrega a sua voz.

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A professora Maria do Socorro por generosamente ter aceitado participar da banca de defesa desta dissertação e por ter contribuído com suas palavras para que este texto estivesse mais refinado.

A minha amiga e companheira de trabalho e resenhas, Roseli Silva. Seu carinho, confiança e cuidado me formaram. Espelho-me em seu exemplo de acolhimento e busco refletir.

A minha amiga e revisora, Fabíola Barreto, pessoa cuja lealdade não se pode calcular. Obrigado por ter sido, ao longo de todos esses anos, a minha grande encorajadora.

Aos amigos que fiz ao longo de minha vida escolar, minha imensa gratidão. Eles tornam leves os mais pesados fardos e nos ajudam a caminhar mais algumas milhas. Agradeço, especialmente, a Jânio Pablo, Kaciê Trindade, Jhonny Mery, Daniel Lucas, Maria Fernanda, Pammela Kamila, Paulo Bruno, Lucas Salas e Maria Amália. Aos meus colegas de trabalho e ao CDF-ZN minha imensa gratidão. Agradeço também aos alunos e amigos que conheci ao longo desses anos como professor. Eles são as principais razões de eu ainda acreditar que educação e pesquisa são transformadoras.

Aos meus professores, sem exceção, que me forjaram desde o começo de minha vida escolar até o mestrado.

À SEDIS não somente por ter me cedido o curta-metragem e todo o material de que precisei para a feitura desta dissertação mas também pela amizade que fiz em meio à família. O agradecimento especialmente é aos representantes dos setores de acessibilidade e de revisão, os professores Jefferson Fernandes e Maria da Penha, respectivamente.

À equipe de acessibilidade da SEDIS por ter me ensinado na prática tudo que precisei saber para que o trabalho em acessibilidade pudesse ser bem feito, especialmente aos que me tutorearam: Rafael Garcia, Elizabeth Garcia, Julianny Simião, Alexandre Medeiros, Orlando Brandão e Andreia Gurgel. E estendo minha gratidão aos diretores do material audiovisual A Força: Teotêonio Roque e Buca Dantes.

Por fim, agradeço ao CNPq por ter financiado integralmente a pesquisa, bem como ao PPgEL pelas contribuições incalculáveis feitas em benefício dos discente e dos docentes, esforçando-se para ser um programa de excelência.

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RESUMO

A audiodescrição é um gênero discursivo que consiste na tradução intersemiótica de imagens, ou seja, de um sistema de signos para outro, a fim de garantir a autonomia de pessoas com deficiência visual no processo de inclusão no mundo da vida e da cultura (ALVES, 2012, 2014; ALVES; TELES; PEREIRA, 2011, 2017; MOTTA; ROMEU FILHO, 2010). Dessa forma, este estudo, de cunho qualitativo-interpretativista, vinculado à Linguística Aplicada (IN)disciplinar (MOITA LOPES, 2006), compreende a audiodescrição de filmes como um recurso de acessibilidade para pessoas com deficiência visual, produzido por meio de signos verbais que se apoiam e se subordinam tematicamente a signos imagéticos. A pesquisa toma como objetos empíricos um roteiro de audiodescrição de um filme e duas revisões desse material, produzidos por três grupos de audiodescritores: roteiristas, revisores e, por fim, consultores. O objetivo é investigar as maneiras de apropriação e transmissão da voz alheia, na tradução intersemiótica de um vídeo para a linguagem verbal, por meio de um processo de audiodescrição, capaz de promover, na perspectiva da autonomia responsiva da pessoa com deficiência visual, seu acesso a recursos videográficos. Para tanto, será necessário compreender o processo de apropriação do tema/sentido predominante no material audiovisual pelos roteiristas e sua tradução em seus enunciados verbais; bem como comparar os posicionamentos dos audiodescritores videntes – tanto roteiristas como revisores – com o posicionamento dos consultores, materializados nos enunciados concretos. Dessa maneira, tem seu aporte em teóricos da semiótica da cultura, mais especificamente Bakhtin (2010a, 2010b, 2011, 2013, 2015a, 2015b, 2016), Medviédev (2012) e Volóchinov (2013a, 2013b, 2013c, 2017), principais representantes da Análise Dialógica do Discurso, para entender como se dá o processo de apropriação e transmissão do enunciado alheio. Além disso, busca suporte no filmólogo Eisenstein (2002a, 2002b), defendendo a noção de filme como um produto artístico construído dialogicamente, como uma manifestação das relações de interação entre sujeitos e, portanto, atravessadas por valores e posicionamentos ideológicos. Nesse sentido, lança mão da noção de sentido que o filme transmite, de valoração social e de olhar exotópico e das formas de transmissão da temática, por meio de recursos linguístico-discursivos, para pessoas com deficiência visual. Os resultados mostram que a audiodescrição explora a sensibilidade do olhar e a criatividade discursiva dos

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audiodescritores, uma vez que o processo de roteirização, revisão e consultoria se dá, majoritariamente, pela estilização do discurso alheio; ainda que sejam percebidas as vozes autoritárias, a polêmica velada e aberta, bem como outros tipos de relações dialógicas. Isso permite construir um enunciado que recrie em palavra a imagem, não apenas o traduza de maneira formal.

Palavras-chave: Análise Dialógica do Discurso. Estilo e vozes sociais. Montagem cinematográfica. Tradução audiovisual acessível. Audiodescrição de filmes.

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ABSTRACT

Audio-description is a discursive genre that consists of the intersemiotic translation of images, that is, from one system of signs to another, in order to guarantee the autonomy of visually impaired people in the process of inclusion in the world of life and culture (ALVES, 2012, 2014, ALVES, TELES, PEREIRA, 2011, 2017, MOTTA, ROMEU FILHO, 2010). Thus, this qualitative-interpretative study, linked to the UNdisciplined Applied Linguistics (MOITA LOPES, 2006), includes the audio-description of films as an accessibility resource for people with visual impairment, produced through verbal signs that support and are subject to thematic signs. The research takes as empirical objects an audio-description script for a film and two revisions of this material, produced by three groups of subjects: sighted audio-describers, sighted consultant, and, finally, non-sighted consultant. The objective is to investigate the ways of appropriation and transmission of the voice of others, in the intersemiotic translation of a video into verbal language, through an audio description process, capable of promoting, from the perspective of the responsive autonomy of the visually impaired person, their access to video resources. To do so, it will be necessary to understand the process of appropriation of the predominant theme / meaning in the audiovisual material by the visionary audio-describers and their translation in their verbal statements; as well as comparing the positions of the visionary audio-describers - both writers and reviewers - with the positioning of non-visionary audio-describers consultants, materialized in the concrete statements. For this, it has its contribution in the theorists of the culture semiotics, more specifically Bakhtin (2010a, 2010b, 2011, 2013, 2015a, 2015b, 2016), Medviédev (2012) and Volóchinov (2013, 2017), main representatives of the dialogical studies of language, to understand how the process of appropriation and transmission of the statement of others occurs. In addition, he seeks support in the filmmaker Sergei Eisenstein (2002a, 2002b), defending the notion of film as a dialogically constructed artistic product, as a manifestation of the interaction relations between subjects and, therefore, crossed by ideological values and positions. In this sense, it makes use of the notion of meaning that the film transmits, of social valuation and of exotopic perspective and of the ways of transmitting the theme, through linguistic-discursive resources, for people with visual impairment. The results shows that the process of routing an audio-description explores the sensibility of the look and the discursive creativity of the audio writers, since the process of scripting,

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revision and consulting takes place, mainly, by the stylization of the discourse of others, although the authoritarian voices, the veiled and open controversy, as well as other types of dialogical relations are perceived. This allows us to construct a statement that recreates the image in word, not only translates it formally.

Keywords: Dialogical analysis of language. Cinematographical editing. Style and social voices. Accessible audio-visual translation. Audio-description of movies.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas AD – Audiodescrição

EAD – Educação a Distância GT – Grupo de Trabalho LA – Linguística Aplicada

LIBRAS – Língua brasileira de sinais

LSE – Legenda para surdos e ensurdecidos MEC – Ministério da Educação e da Cultura MPP – Médio primeiro plano

ONG – Organização não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PcD – Pessoa com deficiência

PcDV – Pessoa com deficiência visual PP – Primeiro plano

SEDIS – Secretaria de Educação a Distância SUS – Sistema Único de Saúde

TAV – Tradução audiovisual

TAVa – Tradução audiovisual acessível

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – O sertão é um universo mágico e hostil... ... 90

Figura 2 – A Força – Título do curta-metragem ... 91

Figura 3 – Velho delirando na rede ... 91

Figura 4 – Velho moribundo ... 94

Figura 5 – Velho e senhoras ... 99

Figura 6 – Velho e senhoras, a imagem se desfoca ... 100

Figura 7 – Início do delírio ... 104

Figura 8 – Alternância de cores – Parte 1 ... 106

Figura 9 – Alternância de cores – Parte 2 ... 106

Figura 10 – Alternância de cores – Parte 3 ... 107

Figura 11 – Rosto de criança ... 109

Figura 12 – Olhos de criança ... 109

Figura 13 – Fila de pessoas próximas a uma cisterna ... 111

Figura 14 – Rapaz e pote de barro ... 113

Figura 15 – Caldeirão e fogão à lenha ... 115

Figura 16 – Um rapaz e cinco crianças ... 117

Figura 17 – Fachada da casa de taipa ... 118

Figura 18 – Pés descalços e enxada no chão ... 120

Figura 19 – Homem remexe a terra com enxada ... 121

Figura 20 – Árvore seca e casa de taipa ... 123

Figura 21 – Palma em terra seca ... 124

Figura 22 – Jovem carregando água ... 126

Figura 23 – Criança esquelética ... 127

Figura 24 – Túmulo solitário ... 129

Figura 25 – Pilares em T ... 130

Figura 26 – Cortejo fúnebre ... 131

Figura 27 – Mulher com balde na cabeça ... 133

Figura 28 – Mulher observa o cortejo ... 133

Figura 29 – Pessoas saem do enquadramento ... 135

Figura 30 – Paisagem ... 135

Quadro 1– Quantidade de enunciado descritivo em cada roteiro ... 87

Quadro 2 – Enunciado 1... 95

Quadro 3 – Sugestão de audiodescrição para enunciado 1 ... 98

Quadro 4 – Enunciado 2... 101

Quadro 5 – Sugestão de audiodescrição para cena com zoom-out ... 103

Quadro 6 – Enunciado 3... 104 Quadro 7 – Enunciado 4... 107 Quadro 8 – Enunciado 5... 109 Quadro 9 – Enunciado 6... 111 Quadro 10 – Enunciado 7... 114 Quadro 11 – Enunciado 8... 116 Quadro 12 – Enunciado 9... 117 Quadro 13 – Enunciado 10... 119 Quadro 14 – Enunciado 11... 120

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Quadro 15 – Enunciado 12... 122

Quadro 16 – Enunciado 13... 123

Quadro 17 – Enunciado 14... 125

Quadro 18 – Sugestão de alteração do Enunciado 14 ... 125

Quadro 19 – Enunciado 15... 126 Quadro 20 – Enunciado 16... 128 Quadro 21 – Enunciado 17... 129 Quadro 22 – Enunciado 18... 130 Quadro 23 – Enunciado 19... 132 Quadro 24 – Enunciado 20... 134 Quadro 25 – Enunciado 21... 136

Quadro 26 – Enunciado 1 com consultoria... 138

Quadro 27 – Enunciado 2 com consultoria... 139

Quadro 28 – Enunciado 3 com consultoria... 140

Quadro 29 – Enunciado 4 com consultoria... 141

Quadro 30 – Enunciado 5 com consultoria... 141

Quadro 31 – Enunciado 6 com consultoria... 142

Quadro 32 – Enunciado 7 com consultoria... 143

Quadro 33 – Enunciado 8 com consultoria... 144

Quadro 34 – Enunciado 9 com consultoria... 145

Quadro 35 – Enunciado 10 com consultoria... 145

Quadro 36 – Enunciado 11 com consultoria... 146

Quadro 37 – Enunciado 12 com consultoria... 147

Quadro 38 – Enunciado 13 com consultoria... 147

Quadro 39 – Enunciado 14 com consultoria... 148

Quadro 40 – Enunciado 15 com consultoria... 149

Quadro 41 – Enunciado 16 com consultoria... 149

Quadro 42 – Enunciado 17 com consultoria... 150

Quadro 43 – Enunciado 18 com consultoria... 151

Quadro 44 – Enunciado 19 com consultoria... 151

Quadro 45 – Enunciado 20 com consultoria... 153

Quadro 46 – Enunciado 21 com consultoria... 154

Quadro 47 – Enunciado 15 com consultoria... 158

Quadro 48 – Enunciado 14 com consultoria... 159

Quadro 49 – Sugestão de roteiro ... 159

Quadro 50 – Enunciado 17 com consultoria... 160

Quadro 51 – Enunciado 6 com consultoria... 161

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“A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito”. (Manoel de Barros, 2002, p. 79)

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SUMÁRIO

1 AS CENAS DA PESQUISA ... 16

1.1 A RELEVÂNCIA DA PESQUISA EM AUDIODESCRIÇÃO EM TEMPOS DE DESAMOR ... 16

1.2 MONTANDO AS CENAS DA PESQUISA ... 23

2 PALAVRAS E PERSPECTIVAS SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL... 28

2.1 A DEFICIÊNCIA EM CONTEXTO: UM HISTÓRICO DAS LUTAS SOCIAIS PELA INCLUSÃO E ACESSIBILIDADE ... 28

2.2 AS QUESTÕES NORMATIVAS A RESPEITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 32

2.3 A AUDIODESCRIÇÃO EM CONTEXTO ... 36

2.3.1 Os parâmetros técnicos da AD de imagens estáticas e dinâmicas ... 36

2.3.2 O filme pela audiodescrição ... 42

3 A ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO NOS FILMES COM AUDIODESCRIÇÃO ... 52

3.1 O SENTIDO DA PALAVRA E O SENTIDO DA IMAGEM: A QUESTÃO DA NEUTRALIDADE ... 54

3.2 EXOTOPIA DO OLHAR NA CONSTRUÇÃO DE UM ENUNCIADOINCLUSIVO 63 3.3 A COMPREENSÃO E A RESPONSIVIDADE DO AUDIODESCRITOR COMO ATOS CRIATIVOS ... 66

3.4 A TRANSMISSÃO E A INTERPRETAÇÃO DA VOZ ALHEIA NOS ROTEIROS DE AUDIODESCRIÇÃO ... 71

4 MONTAGEM DAS CENAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA ... 79

4.1 O SETOR DE ACESSIBILIDADE DA SEDIS E O FILME A FORÇA ... 81

4.2 PERCURSOS DE ANÁLISE ... 86

5 A FORÇA QUE OS OLHOS (NÃO) PODEM VER ... 89

5.1 PREQUELA: A FORÇA DO SERTÃO E DO SERTANEJO EM QUESTÃO NO CURTA-METRAGEM ... 89

5.2 O QUE OS OLHOS VEEM... ... 93

5.2.1 Cena 1: Velhice ... 94

5.2.2 Cena 2: reminiscência ... 108

5.2.3 Cena 3: cortejo fúnebre ... 131

5.3 O QUE OS OLHOS NÃO VEEM... ... 137

5.3.1 Cena 1: Velhice ... 138

5.3.2 Cena 2: Reminiscência ... 141

5.3.3 Cena 3: Cortejo fúnebre ... 151

5.4 DAS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE OS AUDIODESCRITORES-ROTEIRISTAS/REVISORES E OS CONSULTORES: POSICIONAMENTOS EM JUSTAPOSIÇÃO ... 155

5.4.1 O roteiro, a revisão e a consultoria nas tramas das relações dialógicas 155 5.4.2 A vidência e a não vidência em justaposição ... 158

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REFERÊNCIAS ... 171

APÊNDICE A – ROTEIROS PRODUZIDOS PARA O CURTA-METRAGEM A

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1 AS CENAS DA PESQUISA

Este capítulo objetiva apresentar uma contextualização sobre os fatores contemporâneos que tensionaram a pesquisa, demonstrando a relevância de sua inserção no contexto acadêmico da Linguística Aplicada e dos estudos de Tradução Audiovisual Acessível (TAVa). Isso se comprova, especialmente, porque lida com a audiodescrição (AD) para pessoas com deficiência visual, com baixa visão ou cegueira.

Em tempos de “cegueira moral”, há uma necessidade de se ampliar estudos cuja intenção seja colocar o outro no centro da atenção, inclusive aqueles que por muito tempo estiveram afastados ou ausentes de seus direitos, seja pela exclusão social, seja pelo desconhecimento de suas possibilidades como cidadão. Assim, nas páginas a seguir, apresentaremos a relevância da pesquisa nesta contemporaneidade, bem como as questões e os objetivos que nos provocaram durante todo o processo de escrita e observação.

1.1 A RELEVÂNCIA DA PESQUISA EM AUDIODESCRIÇÃO EM TEMPOS DE DESAMOR

Se – no olhar sensível de Manoel de Barros (2002, p. 79) – “a maior riqueza do homem é a sua incompletude” 1, buscamos voltar a atenção para a incompletude dos sujeitos; perceber aquilo que poucos querem perceber. A intenção não era combater as diferenças que surgem na sociedade, como forma de subtraí-las, mas de entender como essas diferenças podem atuar em diversos ambientes da convivência humana, especialmente na esfera da cultura e da educação. Esses ambientes foram, por longos anos (e ainda são), locais que buscam manter a tida “normalidade”, o que provoca, em consequência, a exclusão de sujeitos que não se enquadram nos padrões sociais.

Fazendo isso, provoca-se a acentuação de forças divergentes, que saem dos eixos de padronização e corroboram a busca pelo diferente e incompleto, ou seja, pelo sujeito que é comum, deixado na periferia dos direitos sociais e da visibilidade. Defendemos, a partir das construções sociais que nos atravessam, a unicidade e a

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singularidade de toda e qualquer pessoa. Mas, ainda assim, não são todos que têm vez e voz para agir autonomamente na sociedade. Por isso, este trabalho visa a ter a função política e social de entender as vozes que estão emergindo das lutas sociais das pessoas com deficiência.

Como afirma Bauman (2004), vivemos imersos em uma contemporaneidade cujo amor está cada vez mais líquido; a cada dia, tornam-se mais fluidas as relações interpessoais, o que afeta a forma de ver, responder e corresponder aos outros. Como ele pondera, as relações se tornaram conexões, fato que provoca o que ele e Donskis (2014) também chamam de cegueira moral, caracterizada, muitas vezes, pelo fato de alguém não olhar o outro como sujeito de direitos. Apaga-se o outro e esconde-se dele em benefício próprio.

A insensibilidade, marca desta geração demasiadamente fragmentada e líquida, nas palavras de Bakhtin (2010b), também se conhece por desamor. Esse termo aponta para ações de sujeitos que não consideram as necessidades e os limites dos outros sujeitos com quem interagem, não entram no horizonte discursivo do outro para produzir enunciados de maneira respeitosa.

A audiodescrição está na contramão da modernidade líquida, pois ela se configura como a palavra “amorosa” construída no horizonte aperceptivo da pessoa com deficiência visual (PcDV). É o enunciado que surge da contemplação de quem vê, mas se coloca no lugar de quem não vê, para que este apreenda noções que estão diretamente ligadas à imagem, a qual é incompreendida sem o auxílio sonoro. Esse recurso surgiu na contemporaneidade como uma força que se orienta pela perspectiva responsiva das pessoas com deficiência visual (cegueira, baixa visão) para permitir-lhes olhar o mundo pelas palavras alheias. A AD pode ser entendida como uma palavra solidária que ratifica a luta desses sujeitos, proporcionando-lhes a apropriação de recursos visuais e audiovisuais que atravessam a sociedade.

Esse recurso acessível e amoroso consiste não só na tradução intersemiótica das imagens e na expansão do horizonte discursivo dos usuários mas também na criação de um enunciado novo e singular, apoiado nas imagens destinadas aos videntes. Isso torna mais favorável a acessibilidade nos ambientes até então não frequentados por eles, visto que essas pessoas podem ter acesso a eventos culturais, cinema, teatro e às demais informações imagéticas à medida que as barreiras atitudinais são reduzidas.

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Dessa forma, fica clara a importância da amorosidade que atravessa o ato do audiodescritor2 no processo de transmissão do conteúdo para pessoa com deficiência visual, bem como a necessidade de seu olhar sensível para aquilo que vai traduzir no processo de criação dos enunciados. É importante que o profissional se ausente de seu território e parta, primeiramente, para o território da imagem, contemple-a de perto, buscando nuanças de marcas e posicionamentos ideológicos; em seguida, ele deve entrar no território dos seus ouvintes, a fim de entender as suas necessidades e habilidades. Então, seu enunciado produzido será singular e ideologicamente marcado pela forma como ele vê tanto a imagem quanto o seu ouvinte.

Geraldi (2016) afirma que, por amor à ciência, durante muitos anos, muitos métodos científicos se dispuseram a buscar um homem neutro sem historicidade e sem construções sociais, ou seja, alguém “coisificado”. Tudo isso seria feito em busca de uma verdade exata e irrefutável. No entanto, para ele, a pesquisa feita dessa forma reproduz um pensamento descompromissado com os fazeres e as necessidades sociais, considerando se tratar de uma pesquisa de exclusão. Nas palavras de Geraldi (2016),

[...] a amorização é um processo de um contínuo dar-se aos outros para se fazer único e irrepetível, apondo nossa assinatura responsável na estética, na ciência e na ética. No mundo da vida, onde as relações se constituem, a amorização nos abre para o além de nós próprios, para o imprevisível, para o futuro que se constrói passo a passo na ressignificação do passado. (GERALDI, 2016, p. 10)

Nas humanidades, não se pode fazer pesquisa sem colocar o sujeito e sua historicidade em questão, o que torna inadequado calar a voz das pessoas com deficiência visual quando pesquisamos sobre a audiodescrição que busca incluí-las, de maneira mais autônoma, no ambiente da cultura e da vida. A pesquisa é, em essência, um ato amoroso, e almeja alcançar seu objetivo em prol daqueles que estão em desfavorecimento.

Em síntese, trazendo novamente Manoel de Barros para o diálogo, percebe-se que o foco de sua arte e poesia não eram as coisas grandes, visíveis e

2 Doravante, nomearemos apenas de “audiodescritor”, sem qualificador, o grupo de pessoas videntes que exercem a função de traduzir imagens para pessoas com deficiência visual, bem como fazer a sua tradução. Se a intenção for referenciar apenas o roteirista, nomeamos como “audiodescritor-roteirista” ou, simplesmente, “roteirista”; se for referenciar o revisor, nomeamos de “audiodescritor-revisor” ou, simplesmente, “revisor”. Quanto aos consultores, nomeamos de “audiodescriotores-consultores” ou “consultores”.

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tradicionalmente importantes. Pelo contrário, ele dava respeito “às coisas desimportantes” e “aos seres desimportantes” (BARROS, 2015, p. 149). Nesta pesquisa, em soma ao poeta, buscamos conhecer a importância da audiodescrição para a constituição de uma sociedade que promove a inclusão cultural. Dessa forma, respeitamos as lutas, que por anos foram silenciadas e abafadas por uma maioria que se considerava “normal”; respeitamos, ainda, as primeiras conquistas, as primeiras perspectivas de futuro melhor para essa minoria. Damos importância a esses sujeitos que não são menores nem desimportantes, mas são tidos por muitos na sociedade dessa maneira por desconhecimento ou preconceito.

No que se refere às pessoas com deficiência visual, foco desta pesquisa, a acessibilidade comunicacional é aquela que garante à pessoa que não vê a autonomia nos ambientes onde a compreensão da imagem ou do audiovisual é essencial para a compreensão integral do conteúdo apresentado. De forma simples, podemos exemplificar falando de uma exposição de quadros. Sem elementos auditivos ou táteis, a autonomia da pessoa cega estará prejudicada, fato que se caracteriza como discriminação, como garante a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2008.

Nesse sentido, é necessário desenvolver métodos para que elas possam agir na sociedade com igualdade de oportunidades. Eleva-se, portanto, a importância de se discutir nas universidades e nos ambientes onde circulam os sujeitos as maneiras de expandir o uso do braile, da audiodescrição, de objetos táteis e sinalizações sonoras. Isso deve acontecer porque não são esses sujeitos que devem se submeter às barreiras cotidianas, mas são as barreiras que devem ser superadas por meio de ações integradoras e inclusivas.

Essa perspectiva chegou até mim no final de 2015, ainda cursando a graduação em Letras língua portuguesa, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Nesse ano, na função de bolsista de ações integradas (pesquisa, extensão e apoio técnico), atuei na Secretaria de Educação a Distância (SEDIS), no setor de acessibilidade, coordenado pelo Professor Doutor Jefferson Fernandes Alves. A equipe era formada por profissionais multidisciplinares (que unia pessoas de letras, artes visuais, designer gráfico, física, entre outros) e agia no processo, de início, de adaptação de materiais didáticos para pessoas com baixa visão, pois, na Educação a Distância (EAD), a UFRN tinha alguns alunos ingressantes com perdas visuais que necessitavam de ampliação dos livros. Um desses alunos, ao longo do curso, perdeu

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a visão e não teve mais condições de continuar seus estudos com materiais ampliados, o que exigia da equipe uma nova estratégia não só para evitar a sua evasão do curso e da instituição, mas, principalmente, para garantir o seu aprendizado com qualidade. Esse fato foi propulsor de novas atividades para o setor, que se sentiu desafiado a desenvolver estudos que envolvessem a descrição de imagens presentes nos materiais didáticos do aluno.

A audiodescrição foi o recurso de acessibilidade que garantiria a autonomia do aluno no processo de aprendizagem de seu curso. Com possibilidade de fazer uso desse recurso no material didático do aluno, a equipe decidiu desenvolver trabalhos e estudos também a respeito de descrição de imagens dinâmicas (videoaulas, documentários e curta-metragem de ficção), já que, até então, o foco estava nas imagens estáticas dos livros didáticos.

Os dois primeiros filmes, A Força e Pitikajara, chegaram ao setor depois de uma parceria estabelecida entre a SEDIS e a ONG Olhares, a qual previa que, gratuitamente, seria feita toda a acessibilidade possível para os materiais audiovisuais: AD, para pessoas com deficiência visual e cegueira; legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) e interpretação em língua brasileira de sinais (LIBRAS). Por sua vez, os produtores, Teotônio Roque e Buca Dantas, deveriam disponibilizar os filmes também de forma gratuita nas plataformas digitais e fisicamente nas instituições de ensino. Os filmes estão hoje disponíveis no canal da SEDIS, e diversos DVDs foram distribuídos em escolas e instituições que auxiliam as pessoas com deficiência.

Ver de perto o empenho da equipe em oferecer, primeiramente, qualidade de ensino e, em seguida, bens culturais e artísticos à pessoa com deficiência (PcD) motivou a pensar sociologicamente as questões que envolvem inclusão. Leituras anteriores de Mikhail Bakhtin, Zygmunt Bauman e Stuart Hall, além de nomes da Linguística Aplicada, como Moita Lopes, guiaram o pensamento para além das fronteiras do centro de poder e de visibilidade social. Precisamos “sulear” 3 (MOITA

3 Moita Lopes, em 2006, e Kleiman, em 2013, utilizaram o termo “sulear” em oposição a “nortear”. Para eles, a pesquisa em Linguística Aplicada não poderia ser voltada apenas para o que se compreende como eurocentrismo, nem valorizar excessivamente as culturas nortenhas. Tornou-se relevante buscar uma epistemologia do sul, que privilegiasse o que esteve por muito tempo em periferia ou em fronteira. Dessa forma, compreendemos as pesquisas em AD como um “sulear” em busca das pessoas com deficiência.

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LOPES, 2006; KLEIMAN, 2013) o olhar para perceber essa comunidade que, por diversas vezes, foi desfavorecida e colocada no final da fila dos direitos sociais.

A partir das intenções como pessoa-pesquisador, considerando o tempo e a infinidade de possibilidades de estudos, delimitei – com o auxílio dos orientadores – o objeto empírico deste estudo, tendo como recorte um roteiro original de AD para o filme A Força4, bem como sua revisão e consultoria, o que se configura como três materiais de análise. Eles foram produzidos por três grupos de sujeitos. Dois desses grupos são formados por audiodescritores-roteiristas e audiodescritores-revisores, e um é formado por audiodescritores-consultores, que se baseiam nos enunciados de partida – os roteiros.

Vale destacar que é o filme A Força é uma obra de ficção, produzida sem diálogos. Nos mais de sete minutos de filme, apenas no início ouvimos vozes de mulheres que rezam o terço e, no final, durante um cortejo fúnebre, pessoas cantam canções religiosas. Durante o filme, há trilha sonora e sons do ambiente que compõem o material audiovisual.

Em contato com esse material, fomos tensionados dialogicamente a pensar a seguinte questão de pesquisa:

• Como o tema/sentido geral de um vídeo (material audiovisual) traduz-se em linguagem verbal nos roteiros de audiodescrição com vista à construção de produto audiovisual acessível para pessoas com deficiência visual, na perspectiva de audiodescritores e consultores?

Tendo como referência o processo de roteirização, destacamos o objetivo geral:

• Investigar as maneiras de apropriação e transmissão da voz alheia, na passagem de um vídeo para a linguagem verbal, nos roteiros construídos durante o processo de audiodescrição, capazes de promover, na perspectiva da autonomia responsiva da pessoa com deficiência visual, o acesso a recursos videográficos.

Esse objetivo se desdobra em dois específicos, os quais auxiliarão a nortear as análises, a saber:

4Sinopse: “Homem está à beira da morte e experimenta a alucinação de que está se afogando. A partir daí, a vida do personagem é resgatada, em uma cronologia, através de fotografias que mostram o sertão, suas causas, consequências e a inserção do homem nesse universo”. Filme disponível em:

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a) Compreender o processo de apropriação do tema/sentido predominante no material audiovisual pelos audiodescritores-roteiristas e audiodescritores-revisores e suas traduções em enunciados verbais.

b) Comparar o posicionamento dos audiodescritores (roteiristas e revisores), ou seja, o roteiro original de audiodescrição e a sua revisão, com o posicionamento do audiodescritor-consultor, materializado nos seus enunciados concretos.

Para tanto, este estudo tem seu aporte na Análise Dialógica do Discurso, tendo como referência Bakhtin (2010a, 2010b, 2011, 2013, 2015a, 2015b, 2016), Volóchinov (2013, 2017) e Medviédev (2012), bem como os divulgadores e pesquisadores que os tomam como ancoragem para suas pesquisas. Com as lentes de suas ideias filosóficas, pensamos em questões de linguagem e enunciado, valor ideológico e signos linguísticos, interação dialógica e relações dialógicas no processo de apreensão e transmissão do discurso de outrem. Associamos às ideias do círculo de Bakhtin5 as tramas e os dramas da linguagem cinematográfica – com base no teórico russo do cinema Eisenstein (2002a, 2002b) –, considerando-os como signos valorados axiologicamente para a transmissão de um posicionamento e de um sentimento do diretor do filme, fatores que podem ser percebidos pelas PcDV como imagens mentais.

Assim, esta pesquisa se insere no interesse da Linguística Aplicada (LA), pois busca observar as relações humanas desenvolvidas em espaços onde a linguagem tem papel fundamental, como acontece na audiodescrição. Esse gênero se caracteriza por dar a possibilidade de pessoas com deficiência visual “enxergarem” por meio de palavras, de enunciados verbais.

Além do mais, para esta pesquisa se desenvolver, foi necessário lançar mão de diversas perspectivas teóricas que envolvem a AD, o que deixa mais explícita a noção de que a LA é uma área híbrida, inter/trans/indisciplinar. Dessa forma, trazemos para a discussão as áreas de Estudo da Tradução, mais especificamente a subárea Tradução Audiovisual Acessível (TAVa); Educação Inclusiva; Estudos do Cinema; Intersemiótica, entre outras.

5Termo utilizado para se referir às ideias comuns a Bakhtin, Volóchinov e Medviédev, filósofos russos do século XX, que se reuniam para formular ideias filosóficas e sociológicas a respeito do estudo em ciências humanas, literatura, entre outros temas.

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Como metodologia de análise, assumimos a perspectiva da abordagem qualitativa, uma vez que não é de interesse maior à Linguística Aplicada, a uma pesquisa em ciências humanas, abordagens quantitativas com foco em números e em frequências de dados. É necessário um olhar agudo para interpretações do que atravessa a sociedade, para situações em que a linguagem é o meio principal que engendra as relações humanas, como é o caso dos roteiros de AD.

Em síntese, a pesquisa caminhará pelo cinema regional (o filme, produzido no interior do Rio Grande do Norte, retrata os últimos minutos da vida sofrida de um sertanejo) e observará as maneiras de ver pelas palavras, de preencher pelo som o que não é entendido por quem não vê. A pesquisa será um caminhar do que é periférico para o que é ainda mais periférico, com a intenção de trazer à tona discussões de empoderamento e representatividade dessa comunidade que contribuam com a superação de barreiras sociais, culturais e comunicacionais.

1.2 MONTANDO AS CENAS DA PESQUISA

A presente dissertação é dividida em mais cinco capítulos, os quais objetivam construir um saber sobre o processo de tradução de imagens dinâmicas de produções audiovisuais para pessoas com deficiência visual. Isso será observado desde o roteiro original e revisado (feito por pessoas videntes) até o roteiro de consultoria (feito por pessoas não videntes), a fim de identificar os percursos de apropriação de enunciados alheios e sua transmissão, como também a compreensão responsivamente ativa tanto por parte de quem vê quanto de quem ouve, que são, respectivamente, os audiodescritores-roteiristas e os audiodescritores-consultores.

O próximo capítulo, nomeado de Palavras e perspectivas sobre a deficiência

visual, divide-se em três partes, as quais, em soma, conduzem o leitor a compreender

os percursos que tensionaram a pesquisa: as noções de deficiência; a cegueira e a audiodescrição como um recurso de acessibilidade e, por fim, as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas na área de acessibilidade. Sendo mais claro, a princípio, descreveremos quatro noções marcantes para a história das pessoas com deficiências: a excludente, a caritativa, a médica e a social. Depois, passaremos a olhar mais especificamente para a nossa época, para aquilo que aconteceu e acontece no mundo que motiva muitos países a voltarem sua atenção para esse

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grupo. O foco, certamente, será a nação brasileira e o movimento em prol da inclusão. Nessa primeira parte, não abordaremos questões de deficiência visual ainda.

Adiante, afunilaremos mais as nossas perspectivas para olharmos de maneira mais amiúde a deficiência visual e, consequentemente, o foco de nossa pesquisa: a audiodescrição. Para tanto, apresentaremos as noções que orientam a prática de descrever imagens, dinâmicas ou estáticas, para quem não enxerga, discorrendo sobre as várias formas de ver um filme. A esse respeito, já traremos discussão sobre a questão da objetividade/subjetividade da palavra que descreve, bem como expressividade e estilística; noções essas que serão exploradas no capítulo seguinte por meio do apanhado teórico.

Com tudo isso, seguimos para o terceiro capítulo, nomeado de A Análise

Dialógica do Discurso nos filmes com audiodescrição, para unirmos a teoria à

compreensão que temos de audiodescrição de filmes (curta-metragem). Em todas as partes desse capítulo, lançamos mão da Análise Dialógica do Discurso, mais especificamente as palavras produzidas pelos filósofos russos Bakhtin (2010a, 2010b, 2011, 2013, 2015a, 2015b, 2016), Volóchinov (2013, 2017) e Medviédev (2012), bem como os divulgadores.

Como o nosso trabalho consiste em analisar roteiros de audiodescrições de filmes, decidimos também apoiar a teoria bakhtiniana à perspectiva fílmica do cineasta Sergei Eisenstein (2002a, 2002b). Suas noções semióticas em muito dialogam com o que tratam os filósofos supracitados, o que permitiu mais afinidade para estabelecermos a relação.

A princípio, a intenção do capítulo é criar inteligibilidade sobre a noção de sentido e valor ideológicos abordados pelo Círculo de Bakhtin, especialmente para questionar a visão tradicional de que a audiodescrição precisa ser neutra. Faremos oposição a esse pensamento e sustentaremos isso por meio das teorias a respeito da palavra e da imagem. Em referência a um ensaio escrito pelo filmólogo russo, A

palavra e a imagem (EINSEISTEIN, 2002a), nomeamos de “O sentido da Palavra e o

sentido da Imagem: a questão da neutralidade”.

Depois, pensando já no papel do audiodescritor (roteirista, revisor ou consultor), traremos as teorias para embasar a noção de que é necessário haver um distanciamento/aproximação do olhar para ver melhor o objeto da audiodescrição. Isto é, entendemos que, para atuar na tradução da imagem para a pessoa com deficiência visual, é importante se aproximar do horizonte discursivo dela, buscando criar um

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padrão que possa contemplar a maioria dos espectadores. Para tanto, é necessário nos ausentarmos, muitas vezes, de nossas próprias perspectivas. Em poucas palavras, isso significa que o consultor, a título de exemplo, precisa auxiliar a construção de uma audiodescrição que seja adequada não apenas a si mesmo, colocando-se no lugar de diversos outros que podem não ter o mesmo itinerário cultural, social, histórico e linguístico. De outra forma, dificilmente a audiodescrição vai cumprir seu papel de ser solidária com o público a que se destina.

A terceira parte consiste em teorizar sobre a compreensão, ato que pode vir logo após a recepção do que se ouve/lê. Em linhas gerais, a audiodescrição é um gênero discursivo que precisa ser compreendido pela pessoa com deficiência visual logo que se ouve, pois a compreensão retardada ou a não compreensão pode ser prejudicial para que se construa uma imagem mental adequada. Para Bakhtin (2016a), toda compreensão gera uma resposta. Nesse subcapítulo, trataremos da compreensão do vidente sobre a imagem e do não vidente sobre a palavra (ou

contraimagem).

Por fim, o terceiro capítulo reunirá uma discussão sobre as maneiras de se transmitir o discurso do outro, o discurso alheio. Isso será feito porque a audiodescrição é uma maneira de “dizer o mesmo” por meio de outro sistema semiótico. O tema central da imagem, mais do que a forma, precisa ser recriado em palavras para ser recebido, compreendido e, por fim, ativamente respondido pela pessoa com deficiência visual.

Terminada a parte teórica da dissertação, iniciamos o quarto capítulo, chamado de Montagem das cenas metodológicas da pesquisa, no qual trabalharemos com a organização da pesquisa. A metodologia trabalhada, em diálogo com a Linguística Aplicada Indisciplinar, é qualitativa e explora os recursos interdisciplinares para desenvolver um pensar sobre o objeto de análise.

A princípio, contextualizaremos o nosso objeto empírico, um curta-metragem produzido no Rio Grande do Norte chamado de A Força (ROQUE e DANTAS, 2016). Nele, narra-se a vida de um homem que, já velho, jaz em uma rede enquanto espera pela morte. Até que ela chegue, ele é conduzido em delírio pelo caminho de sua existência: da infância, passando pela fase adulta e chegando ao fim de tudo. O filme busca enaltecer a resiliência de um povo que, muitas vezes, é esquecido dos seus direitos básicos, como a água; esse é o povo sertanejo. Fome e sede, vida e morte,

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escassez e resistência podem ser vistos ao longo do filme, em uma produção que mescla imagens dinâmicas e estáticas.

Em seguida, para finalizar o quarto capítulo, daremos foco à construção pesquisa em si, ao percurso adotado por nós para que a análise se realizasse. Nesse sentido, a intenção será explicar como a próxima parte da dissertação se organizará, auxiliando na compreensão da escrita.

O quinto capítulo, nomeado de A força que os olhos (não) podem ver, é dividido em quatro partes. A primeira parte tem a intenção de trazer um diálogo sobre o curta-metragem em análise, A Força (ROQUE e DANTAS, 2016), visto que, para a teoria de Bakhtin e o círculo, é necessário que a pesquisa em ciências humanas aconteça de maneira situada, aplicada a contextos históricos e sociais. Analisar os roteiros de audiodescrições sem antes passar pelo filme seria agir de maneira incoerente com a teoria que adotamos. Dessa forma, chamaremos o olhar sobre o filme de Prequela: a força do sertão e do sertanejo em questão no curta-metragem.

Neste capítulo, também analisaremos enunciados construídos para as pessoas com deficiência visual sobre o filme supracitado. Perceberemos como aqueles que veem a imagem, os roteiristas e os audiodescritores-revisores, recriam em palavras o enunciado visual. Colocamos lado a lado as palavras de cada grupo para perceber como se dá a construção estilística, a aceitação ou a não aceitação do que o outro diz, enfocando, especialmente, em como cada um aborda o tema do filme. A essa parte, nomeamos de O que os olhos veem...

Além disso, teremos uma parte que objetiva analisar a maneira como o audiodescritor-consultor se apropria da palavra alheia a fim de construir um enunciado que seja, em sua perspectiva, adequado para a pessoa com deficiência visual. É importante destacar que o lugar de fala desses sujeitos é o da própria deficiência, já que os consultores que auxiliaram a produção do material audiovisual são cegos congênitos. Colocamos lado a lado o enunciado original e o enunciado que foi alterado pela consultoria, a fim de fazermos comparação entre a perspectiva da vidência e da não vidência. A essa parte, nomeamos de O que os olhos não veem..., mas com a certeza de que, mesmo com a deficiência visual, é possível ver com a mente.

Essas duas partes intermediárias do capítulo cinco são divididas, cada uma, em três, paralelas entre si, correspondentes a três momentos bem distintos do filme. O curta inicia mostrando um homem, na velhice, à espera pela morte; em seguida, há um momento de reminiscência, com rememoração de sua história por imagens de

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memória; por fim, acompanhamos um cortejo fúnebre, com rezas e canções que ajudam a conduzir a alma do velho a Deus. A esses três momentos, temos as três partes de cada subcapítulo: velhice, reminiscência e cortejo fúnebre.

Por fim, esse capítulo finaliza com o que chamamos de Das relações

dialógicas entre os audiodescritores-roteiristas/revisores e os consultores: posicionamentos em justaposição. Nesse caso, traremos uma comparação mais clara

com as perspectivas do primeiro e do último roteiro, apresentando pontos que podem ser positivos ou negativos dos materiais. Além disso, sugeriremos possibilidades de roteiro, considerando as ideias importantes de cada um dos audiodescritores e consultores.

A dissertação se encerra no capítulo nomeado de (In)conclusões do desfecho. O título se dá porque entendemos, pela teoria que apoia esta pesquisa, que não temos condição de dar uma última palavra, apresentar um último posicionamento a respeito do nosso objeto de estudo e de empiria. Temos a obrigação, no entanto, de dar conclusibilidade à pesquisa. Nessa parte, apresentaremos o ponto de vista do autor sobre a compreensão ao longo do processo de escrita, considerando o que pode ser percebido ao se pensar na pesquisa em soma com o aporte teórico adotado.

Além disso, traremos também perspectivas futuras para a pesquisa, uma vez que consideramos que o nosso objeto não foi exaurido, ou seja, não foi dito tudo o que é possível a respeito dele (e não será dito, pois cada sujeito pode apresentar pontos de vistas diferentes). Assim, nós nos dedicaremos a apresentar propostas de pesquisas que podem ser aplicadas ao mesmo objeto empírico, que são os roteiros de audiodescrição do curta A Força.

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2 PALAVRAS E PERSPECTIVAS SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

Os subcapítulos que acompanham esta parte da dissertação buscam refletir sobre a questão da deficiência, em especial a deficiência visual. Além disso, trará um apanhado histórico sobre as perspectivas de inclusão e acessibilidade vivenciadas pela sociedade.

2.1 A DEFICIÊNCIA EM CONTEXTO: UM HISTÓRICO DAS LUTAS SOCIAIS PELA INCLUSÃO E ACESSIBILIDADE

A noção acerca de deficiência atualmente não é a mesma de anos atrás; nem mesmo a forma de expressá-la por meio da linguagem se manteve intacta, pois acompanhou o próprio movimento axiológico da história, que toma como foco as pessoas com deficiência e suas relações nas diversas esferas sociais. Expressões como “defectologia”, “defeito”, “anormalidade” já foram bastante usadas na sociedade, mas, em decorrência das próprias mudanças históricas, elas também são revistas na perspectiva de superar seu anacronismo. Apesar disso, ainda é possível verificar a manifestação dos termos “portadores de deficiência”, “deficiente” em alguns contextos enunciativos, sobretudo naqueles que mobilizam interlocutores que desconhecessem os movimentos e as iniciativas em defesa dos Direitos das pessoas com deficiência.

Essas expressões, frutos das épocas em que foram produzidas e enunciadas, entram em choque com a designação "pessoa com deficiência", decorrente do próprio movimento de protagonismo e de autodeterminação dessas pessoas. Isso acontece porque – como cidadãos de direitos e deveres e, cada vez mais, agentes sociais – elas não podem ter suas identidades, fluidas e fragmentadas (BAUMAN, 2001; HALL, 2015), resumidas a uma característica – dentre tantas –, que é deficiência, como se estivessem subordinados a ela. Assim, privilegia-se o uso do termo “pessoa”, “aluno”, “professor”, ou quaisquer outros substantivos, antes de “deficiência”; até o dia em que sociedade, compreendendo cada vez mais a noção de inclusão, não precise mais da expressão “com deficiência” para designar os sujeitos.

Atualmente, os termos “pessoa com deficiência”, segundo Sassaki (2003), significam agregar diversos valores, dentre os quais se destacam: a) de empoderamento, visto que caracterizam a atribuição de ações autônomas desses sujeitos, a cada momento mais responsáveis por suas escolhas como cidadãos; b) de

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responsabilidade social, considerando que passam a se enxergar como pessoas que podem oferecer suas habilidades para a construção de uma sociedade e comunidade com mais igualdade de oportunidade e inclusão.

Desse modo, podemos compreender a própria esfera de designação do outro e de si como um campo de disputa e de relação de poder, na medida em que a nominação social é problematizada dialogicamente, expondo as múltiplas vozes que se encerram na estereotipação. Essas formas de nomear carregam valores ideológicos e marcas de subjetividade de uma sociedade que ainda registra em sua fala as maneiras de ver o diferente, o incomum.

Em outros termos, as expressões apresentadas não são ditas de maneira neutra, mas caracterizam um pensar social que ainda enxerga as pessoas com deficiência por um quadro axiológico da falta e da incapacidade. É inegável a existência, até os dias atuais, de noções caritativas, médicas e assistencialistas, que restringem as possibilidades de autonomia, contribuindo para convergir sobre essas pessoas a identidade de seres defeituosos e incapazes. Acaba, por esse motivo, restando, para muitos deles, a reclusão em seus ambientes familiares, a assistência e a caridade governamental e comunitária.

Para ser mais contundente, Sassaki (2012) destaca quatro maneiras de enxergar as pessoas com deficiência na sociedade, expondo pensares sociais e históricos, a saber: I) a noção da rejeição; II) a noção assistencialista/caritativa; III) a noção biomédica e IV) a noção social. Para Sassaki (2012), na antiguidade, predominava-se o abandono das PcD, a rejeição social. Em algumas culturas, inclusive, muitos eram mortos por não se encaixarem nos padrões de corpo “normal”. Havia, sobre esses sujeitos, uma visão extremamente negativa, corroborando a perspectiva de invalidez e inutilidade.

A segunda noção, que é a assistencialista, foi aplicada pelo governo e pela sociedade – por caridade ou por conveniência –, conforme Sassaki (2012), ao oferecer uma atenção básica: vestimenta, abrigo, alimentação, entre outros elementos, a fimde promover, na verdade, a segregação desse grupo. Augustin (2012), a respeito dessa noção social sobre deficiência, aponta que, por meio dela, os sujeitos eram vistos como vítimas de fatalidades, como merecedores da piedade e da compaixão dos outros. O modelo assistencialista/caritativo vê as pessoas como fora da normalidade. O terceiro modelo é o biomédico, ou simplesmente médico, que teve mais respaldo principalmente por causa da influência das ciências positivistas na sociedade

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da época. Com o avanço das pesquisas positivas, que questionaram o conhecimento baseado apenas na religião, valorizou-se a empiria, a testagem e a regularidade dos acontecimentos. Nesse momento, como aponta Augustin (2012), com os avanços da medicina, passou-se a ver a deficiência não mais como praga divina, mas como resultado de problemas biológicos. Vale destacar que as guerras auxiliaram no desenvolvimento dessa concepção, já que a ciência médica fez um esforço para resolver os problemas causados pelas mutilações provocadas em campos de batalha. Segundo Chaves (2017, p. 38), por causa do modelo médico, “a pessoa com deficiência não era mais tão somente aquela pessoa incapacitada objeto de caridade de outrem, conforme apregoava a Idade Média, mas era também uma pessoa enferma, um doente”. O esforço não foi mais, necessariamente, oferecer caridade, mas possibilitar a ressocialização desses sujeitos e a readaptação às atividades militares. Até lá, esse sujeito fica em posição passiva, à espera e aos comandos dos médicos, para poder, ao estar curado, agir socialmente; fato que, em alguns casos, nunca acontecia. Para Sassaki (2012), a noção biomédica promovia a integração, visto que, estando devidamente reabilitados e capacitados, poderiam se integrar a trabalhos ou escolas.

Por esse modelo, houve um grande avanço na área medicinal – cujos estudos não devem, de maneira alguma, ser desconsiderados ou diminuídos – para a descoberta da cura de diversas doenças e para a prevenção e a redução de patologias. Vale destacar que esse modelo não dissolveu barreiras sociais que existem e não é inclusivo para todos os sujeitos, ricos ou pobres, visto estar mais voltado para a cura do que para fatores sociais ou emotivos (AUGUSTIN, 2012).

Esses pensares, embora tenham sido importantes para os sujeitos da época, precisaram ser superados. Essa superação tem sido causa de lutas sociais, considerando que, até os dias atuais, um olhar retrógrado ainda os enxerga como seres “menores”, inferiorizados. Essa luta é sustentada por um pensamento sociológico, que subsidia a fala de diversos pensadores, como Vygotsky (1997), que se posicionou a respeito da cegueira ao desenvolver uma noção social sobre ela, mas que pode ser aplicada para as diversas deficiências. Para ele (VYGOTSKY, 1997):

Cegueira não é apenas a falta da visão, meramente a ausência da visão (o defeito de um órgão específico), senão que assim mesmo provoca uma grande reorganização de todas as forças do organismo e da personalidade. A cegueira, ao criar uma formação peculiar de personalidade, reanima novas forças, altera as direções normais das

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funções e, de uma forma criadora e orgânica, refaz e forma a psique da pessoa. Portanto, a cegueira não é somente um defeito, uma debilidade, senão também, em certo sentido, uma fonte de manifestação das capacidades, uma força (por estranho e paradoxal que seja!) (VIGOTSKI, 1997, p. 74)

A forma de ver do teórico vem ganhando expressividade nos últimos anos, pois não podemos mais pensar em sujeitos com faltas, anormalidades ou inabilidades, mas em pessoas capazes de desenvolver múltiplas habilidades à medida que as dificuldades com as quais eles lidam, as barreiras sociais, são problematizadas e enfrentadas. Essa compreensão, diferentemente das três apresentadas anteriormente, norteia a quarta noção de deficiência, nomeada de modelo sociológico ou social. Esse modelo se caracteriza pelo fato de se compreender, a princípio, a existência de interditos (ou barreiras) sociais, os quais dificultam a participação plena e autônoma das PcDs na sociedade.

Essa abordagem, reconhecida por Sassaki (2012) como a da inclusão, teve mais respaldo no final do século XX, como resultado dos movimentos de luta social pela inclusão (surgidos na década de 1970) e do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência (1981). Foi na década de 1990 que se somou à noção de reabilitação o conceito de igualdade de oportunidades, isto é, passou-se a defender mais veementemente que não bastava oferecer o acesso; era preciso a acessibilidade. Isso seria feito mediante a desconstrução das barreiras e dos interditos existentes nos ambientes sociais por onde as PcDs transitam, inclusive os ambientes culturais.

Em síntese, falando sobre os direitos sociais das pessoas com deficiência, Chaves (2017) afirma que ainda há sobre elas uma visão de seres portadores de patologias, de doenças, como se tivessem sido destinadas a ser “receptáculos do trágico e do azar”. Para ele, no entanto, “nenhum desses fenômenos se equipara à mais alarve das violências: a indiferença” (CHAVES, 2017, p. 9).

Essa indiferença é resultado da incompreensão humana sobre a maneira de ver o outro, de enxergar a alteridade. A humanidade tem sido tendenciosa a buscar reduzir as identidades dos sujeitos como única e indivisível, pois, como afirma Bakhtin (2011), somos seres incompletos, construídos no dia a dia, hora a hora, por fatores sociais que nos constituem. Assim como os que não têm deficiência não podem ser taxados, rotulados, devido à heterogeneidade que os forma; da mesma maneira são os que têm deficiência. Com base na noção de alteridade, é a diferença que nos constitui como seres únicos e singulares, históricos. Isso deixa evidente que, algumas

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vezes, lutar pela igualdade social pode conduzir a um caminho de desrespeito e intolerância. É necessário, portanto, educar a respeitar a diferença.

A partir dessa compreensão a respeito da noção sociológica de deficiência, abordaremos, no próximo subcapítulo, os avanços normativos e legais que essa problemática alcançou no Brasil e no mundo.

2.2 AS QUESTÕES NORMATIVAS A RESPEITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Em 2006, a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou uma convenção para tratar dos direitos das pessoas com deficiência. Essa convenção foi incorporada à legislação brasileira em 2008, como uma emenda constitucional, sendo chamada de Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Isso aconteceu como forma de dar mais visibilidade social a esses sujeitos e, entre diversos fatores relevantes, ratificar a noção de que o defeito não está no indivíduo, mas nas barreiras sociais, arquitetônicas, comunicacionais, entre outras, que impedem milhares de mulheres e homens de terem o acesso de forma igualitária aos ambientes da ação humana e da cultura.

A princípio, essa emenda constitucional já considera a “pessoa com deficiência” aquela que apresenta qualquer impedimento que, diante de barreiras – de âmbito comunicacional, atitudinal, tecnológico, arquitetônico, entre outras –, reduz a atuação plena em sociedade em par de igualdade com a maioria dos sujeitos. Assim, ela veio assegurar, primeiramente, o protagonismo desses sujeitos, engendrando na sociedade a compreensão de que, acima de tudo, são pessoas. Além disso, busca provocar alteração na forma de se referir a esses sujeitos, deixando de reconhecê-los como “portadores” ou como “deficientes”. Em segundo lugar, destaca a isonomia entre todas as pessoas que constituem o país, sem distinção de grupo algum, o que confere a todos, constitucionalmente, os mesmos direitos de oportunidade.

Outros fatores são apresentados no texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2010) como avanços no desenvolvimento dessa sociedade igualitária. Dentre eles, destaca-se que

[Um] grande avanço foi a alteração do modelo médico para o modelo social, o qual esclarece que o fator limitador é o meio em que a pessoa está inserida e não a deficiência em si, remetendo-nos à Classificação Internacional de

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Funcionalidades (CIF). Tal abordagem deixa claro que as deficiências não indicam, necessariamente, a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente. Assim, a falta de acesso a bens e serviços deve ser solucionada de forma coletiva e com políticas públicas estruturantes para a equiparação de oportunidades (CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2010, p. 14)

Além do mais, a partir desse documento (CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2008), passa-se a entender como discriminação o ato de não oferecer igualdade de oportunidade às pessoas com deficiência, privando-as de ter acesso a bens culturais, lazer, esporte, educação, política, economia, entre outros. No artigo 30 (CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2008, p.58-59), que trata da “Participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte”, é reconhecido o direto de as pessoas com deficiência terem acesso aos bens culturais oferecidos de maneira acessível. Isso vai de programas televisivos até a apresentações culturais e esportivas, a fim de promover o desenvolvimento do potencial “criativo, artístico e intelectual”. Tal posicionamento deixa claro que os ambientes como cinema, teatro, escola, clubes e locais de práticas esportivas devem oferecer um espaço que garanta a autonomia a essas pessoas da mesma forma que oferecem aos que não têm deficiência.

Para o Estado brasileiro, assumir essa Convenção como emenda significou também assumir um compromisso com quase um quarto da população brasileira, ou seja, cerca 45 milhões de pessoas que afirmaram, segundo o censo do IBGE de 2010, ter pelo menos umas das deficiências pesquisadas. No Estado do Rio Grande do Norte, são mais de 300 mil, entre os quais, cerca de 130 mil configuram-se num quadro de deficiência visual com perdas totais ou parciais da visão. Nesse sentido, a necessidade de inserir essa parcela da população de maneira mais incisiva nas Leis Federais era urgente, o que acabou acontecendo devido ao compromisso governamental instituído a partir de 2008.

Em 1991, por causa dos movimentos sociais de inclusão, foi instituída a Lei 8.213, ou Lei de Benefícios da Previdência Social, que dedicou os artigos de 89 a 93 a tratar das pessoas com deficiência ou reabilitadas. Ela prevê, entre muitos fatos, não só a reserva de vagas trabalhistas para esses sujeitos mas também a (re)educação e (re)adaptação profissional e social. Pela Lei, “a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas

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portadoras de deficiência, habilitadas [...]” (BRASIL, 1991). Ainda a respeito de inclusão no mercado de trabalho, o Decreto 3.289, de 1999, nos artigos que correspondem do 34 ao 45, prevê a reserva de 5% vagas em concursos, assegurando às PcDs a possibilidade de concorrer, como aponta o artigo 37, em par de igualdade aos demais candidatos a um “cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.” (BRASIL, 1999)

Esses e outros posicionamentos construídos historicamente impulsionaram, no ano de 2015, o início da execução da Lei 13.143, conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Isso foi feito com o intuito de tornar exequível, de forma mais incisiva, a convenção, apresentando métodos de análise de deficiências e barreiras, a fim de ser aplicadas, também, medidas acessíveis para a superação dessas barreiras. A Lei considera “pessoa com deficiência” aquela que tem algum impedimento de longo prazo de natureza física, mental, sensorial ou intelectual. Esse impedimento, em interação com determinadas barreiras, pode, como afirma o artigo segundo, “obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).

Em seu artigo terceiro, essa lei apresenta algumas definições que serão essenciais para a compreensão da deficiência no âmbito desta pesquisa. Dentre elas, destacamos a forma como é tratada a acessibilidade e a comunicação:

[...] acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;

[...]

comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações (BRASIL, 2015).

A partir do ponto de vista apresentado nesse Estatuto, é necessário pensar na inclusão como uma maneira de oferecer oportunidade segura e autônoma para as pessoas com deficiência, inclusive, comunicarem-se em sociedade. Essa comunicação vai desde as interações entre sujeitos até as interações com o mundo

Referências

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