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CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA

4. O Testemunho

4.1. A Prova Testemunhal

4.1.1. A Valoração da Prova Testemunhal

“A complexidade própria da tarefa de valoração da prova não é a única coisa que dificultará o alcance da verdade através dela. Alguns dos obstáculos que existem assentam sobre as próprias soluções normativas que regulam a produção da prova e o modo como deve realizar-se. Falamos do facto de as leis processuais escusarem certas pessoas de prestarem depoimento, pelos seus particulares laços com as partes ou o acusado; de se excluir o recurso a meios de prova obtidos ilicitamente (…)” (Calheiros M., 2008, p. 84).

“(…) Também a fórmula estabelecida para a condução do interrogatório das testemunhas, quando se faz com a sua condução pelos advogados, pode frustrar o conhecimento mais completo dos factos, pois que se encorajam respostas curtas e definitivas, e se impede muitas vezes a prestação de informações adicionais que se afastem do quadro estabelecido para a inquirição” (Dennis, 2002, citado por Calheiros M., 2008, p. 84).

―(…) Existem razões muito válidas para a existência de todas estas normas no contexto do processo judicial, entre elas os múltiplos valores que, a par da verdade, cabe ao direito proteger. Afinal, a obtenção da verdade não pode ser realizada a qualquer custo‖ (Calheiros M., 2008, p. 84).

Destarte o Tribunal deverá, no que concerne aos depoimentos prestados em juízo, formar a sua convicção com base na ponderação crítica e conjunta da prova, à luz de critérios de normalidade e experiência comum, colocando em inegável crise valorativa declarações confusas, prestadas em atitude defensiva, de modo incoerente e contraditório, com um discurso tenso, esquivo, evasivo e mecanizado, evidenciando assim falta de isenção e de credibilidade. Bem como perante respostas não muito descritivas, com respostas de ―sim‖ a perguntas longas e por vezes com respostas incorporadas. Neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, Processo nº 1718/02.9JDLSB, 8ª Vara, em 03/09/2010 (Processo Casa Pia).

49 Valorando positivamente os depoimentos prestados de modo convincente e consentâneo com os elementos objectivos descritos nos autos, prestados com naturalidade, revelando uma postura aberta, franca e desprendida emocionalmente, não procurando efabular os factos, denotando um discurso simples e escorreito, consentâneo com o relatar de experiências vivenciadas denotando isenção e credibilidade. Denotando clareza expositiva e consistência no seu discurso, solidez e espontaneidade, para além de intrinsecamente congruentes em termos de discurso interno, quer em termos extrínsecos quando dissecados entre si e conjugados com a demais prova produzida e examinada.

Bem como quando não revelam qualquer interesse pessoal ou profissional no sentido da decisão e conferem a percepção que o relatado corresponde à efectiva recordação e lembrança do depoente, reflectido o que lhe vai na memória.

Valorando ainda positivamente o depoimento tido por isento, não demonstrando interesse próprio ou outro nesta causa o qual, mesmo quando cruzado e confrontando- o com os demais, continua a espelhar um retrato fiel de uma realidade vivida, desinteressado, isto é, não revelando ou indiciando estar a prestar declarações e falar de factos para prejuízo ou benefício de alguém, mas com um discurso que revelava estar a relatar o que a sua memória conservava e ―como o conservava‖ na altura em que foi ouvido, não aparentando ou indiciando qualquer intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. Neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, Processo n.º 1718/02.9JDLSB, 8ª Vara, em 03/09/2010 (Processo Casa Pia).

Igualmente credíveis se revelam depoimentos prestados de forma objectiva, não revelando ou indiciando interesse em narrar factos para prejudicar ou beneficiar alguém, ou que a forma como narrou os factos e as memórias que reavivou, não correspondesse aquilo de que se lembrava e como se lembrava. Neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, Processo n.º 1718/02.9JDLSB, 8ª Vara, em 03/09/2010 (Processo Casa Pia).

Igualmente de valorar em sentido positivo o depoimento da testemunha, que revela conhecimento directo de factos que relatou, que foi prestado perante o Tribunal de forma objectiva, demonstrando intenção de responder ao que se recordava e como se recordava, não indiciando interesse ou intenção de proteger ou prejudicar algum dos arguidos ou outras pessoas… um depoimento que demonstrou sentida emotividade, denotando o relato de factos que observou e viveu. Neste sentido o Acórdão proferido

pelo Tribunal Criminal de Lisboa, Processo n.º 1718/02.9JDLSB, 8ª Vara, em 03/09/2010 (Processo Casa Pia).

De igual forma um depoimento que aparenta ser feito de forma serena, sem denotar subjacente interesse específico ou próprio nos autos e no seu resultado, dizendo quando não se recordava de diligência ou de aspecto específico de diligência e mantendo esta coerência ao longo do depoimento. Neste sentido o Acórdão proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, Processo n.º 1718/02.9JDLSB, 8ª Vara, em 03/09/2010 (Processo Casa Pia).

A atitude de querer colaborar, traduzida na forma como foi sempre e consecutivamente, respondendo e esclarecendo o que tinha dito, baralhado ou confundido; a expressão facial que por vezes se via traduzindo emotividade; transmite ao Tribunal uma noção de existência de uma espinha dorsal naquilo que estava a dizer, de existência de uma correspondência emocional entre o que estava a contar e o que tinha vivido e com as pessoas e nos locais que disse ao Tribunal. Neste sentido o Acórdão proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, Processo nº 1718/02.9JDLSB, 8ª Vara, em 03/09/2010 (Processo Casa Pia).

A este propósito veja-se o que se escreveu no acórdão em apreço a propósito das declarações do Arguido Carlos Silvino da Silva: ―(…) Na sua globalidade, não foram declarações fáceis de analisar. O Tribunal teve que compreender, entender e observar a pessoa que teve na sua frente a falar. O que, reconhecemos, não foi imediato, pois – aliás, tal como sucede com a generalidade das situações – por vezes só à distância é que se conseguiu ver o que a confusão do momento escondia. Isto é, em algumas situações, quando vistas logo no momento as suas declarações tornavam-se incompreensivelmente inconsistentes entre si, mas quando vistas e analisadas na globalidade, foi perceptível o porquê e o sentido daquelas declarações‖ (p. 962 do referido Acórdão).

―Para o Tribunal e do que percebeu da sua atitude em audiência de julgamento, o arguido Carlos Silvino sentiu responsabilidade no que fez aos jovens da Casa Pia, casapianos como ele. E teve reacções que traduziram aligeirar da sua culpa, mas sem ―deixar‖ cair ―os rapazes‖ como se lhes referiu por vezes. E este aligeirar de culpa traduziu-se, por vezes, em meias verdades (afirmação que ao longo desta análise crítica o Tribunal vai ilustrando e preenchendo, com referências concretas e situações concretas). Isto é, a percepção que tivemos é que o arguido não deixou de contar com

51 verdade uma parte do facto, mas introduz elementos que não se verificaram, para justificar – pelo menos para si – os que se verificaram‖ (pp. 962-963 do referido Acórdão).

―O arguido Carlos Silvino da Silva não inclui outras pessoas e exclui-se de todo a si. O que faz é contar, quanto a si, a história de forma incompleta ou com outros contornos. Mas em algumas situações não deixa de dar elementos que nos permitem, em conjugação com os demais meios de prova, chegar à sua real responsabilidade‖ (p. 988 do referido Acórdão).

Vemos assim a multiplicidade de factores que contribuem para a formação da convicção do Tribunal.

De qualquer modo, de todos os elementos de informação judiciária, o mais importante é, sem contestação, a prova testemunhal.

―Nenhuma prova, com efeito, contribui tão poderosamente para a formação de opinião não só dos magistrados mas ainda do público, como esta, que, só por si, muitas vezes basta, em matéria penal, para estabelecer a convicção‖ (Pessoa A., 1913, p. 3).

Porém, cremos que, cada vez mais, há a consciência de que tal meio de prova não tem o valor que durante muito tempo se supôs.

Não raras vezes os depoimentos contêm erros. Uma narração exacta num certo número de factos pode ser falso em relação a outros. Uma afirmação muito precisa feita sem a menor hesitação pode ser redondamente falsa.

Nem sempre a nitidez das recordações exclui a sua falsidade.

Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo como salienta Carrington da Costa, advertindo para que ―todo aquele que tem a árdua função de julgar, fuja á natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade.

Por vezes, corremos o risco de ajuizar uma parte pelo todo, quando se verifica a exactidão de um certo número de factos relatados por uma testemunha, facilmente se acredita na verdade do conjunto do seu depoimento.

Ao invés, um momento narrativo tido por inverdadeiro irá contaminar, na maior parte das vezes, o juízo sobre a credibilidade de todo o seu relato.

―Há, com efeito, uma tendência para considerar os depoimentos como blocos indivisíveis susceptíveis de uma apreciação global e a dividi-los por consequência em duas grandes classes: a dos depoimentos verdadeiros e a dos depoimentos falsos‖ (Pessoa A., 1913, p. 10).

“Os erros não são uniformemente distribuídos pelas diversas categorias de elementos contidos nos testemunhos. (…) As informações referentes às acções, ao diálogo, às posições relativas das personagens são, dum modo geral, bastante exactas. (…) Pelo contrário, as informações referentes ao aspecto das personagens, estatura, forma do rosto, cor dos cabelos, vestuários (...) são muito defeituosas.

Igualmente dignas de pouco crédito são as informações que dizem respeito a números e a avaliação de tempo (…)

Não há relação imediata entre a extensão e a fidelidade dum depoimento.

Os depoimentos mais extensos não são fatalmente os mais exactos; é mesmo o contrário que se observa muitas vezes.

A fidelidade dum depoimento não está em relação com a segurança com que a testemunha depõe. Está muitas vezes na razão inversa. As boas testemunhas sabem duvidar.

Nos depoimentos garantidos por juramento prestado pela testemunha encontram-se normalmente erros numa percentagem que não é inferior à dos depoimentos não jurados” (Pessoa A., 1913, pp. 11-13).

O factor tempo, bem como a forma como o depoimento é colhido podem contribuir decisivamente para um relato menos fiel da realidade. Na verdade, quanto maior for o arco temporal entre o conhecimento do facto e o seu relato, maior é a probabilidade da distorção do respectivo depoimento, daí a importância da frescura da prova. Por outro lado, a pressão psicológica de se estar em Juízo pode dificultar o resgate de lembranças mais qualificadas.