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CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA

5. O Acusado

5.2. O Comportamento

“Percepções fixadas com um fim defensivo. – A estranha precisão da recordação é devida a um fenómeno de atenção forçada: o culpado quis percepcionar minuciosamente, para utilizar as suas recordações com um escopo defensivo.

Isto encontra-se em álibis artificiosamente preparados.

É frequente o caso de acusados que, cometido o crime, se precipitam para um lugar distante, onde procuram fazer-se notar o mais possível.

Em tais casos, o criminoso, para revestir o seu álibi, ostentará recordações minuciosas daquilo que viu, das pessoas com quem falou e descerá a tais pormenores, que logo revela um especial interesse em recordar” (Altavilla E., 1982, p.18).

“A evocação. – O acusado, geralmente, responde ao interrogatório num vivíssimo estado de emoção: culpado ou inocente, compreende que aquele é o momento processual que pode decidir de toda a sua vida. Inocente, apresenta-se perante o juiz com o espírito em desordem, não sabendo que malvadez o destino e os homens terão preparado contra ele; culpado, estará realmente agitado, não sabendo que provas já existirão no processo.

O mais sereno de todos é o réu confesso, o qual poderá ter interesse em justificar ou atenuar o seu crime, mas já aceitou a parte substancial da acusação” (Altavilla E., 1982, p.19).

“Prontidão das respostas. – Um aspecto do comportamento a que, com frequência, se atribui grande valor é a maior ou menor prontidão nas respostas, de que se deduz um critério para julgar a veridicidade do que se disse.

Escreve e agudamente Rosadi: «Algumas vezes, a necessidade de ganhar tempo para responder ou de alongar as respostas para lhes diluir o efeito inevitável conduz o réu a um labirinto cego de pensamento e de sintaxe, e quanto mais o interrogador o exorta e o empurra para o caminho da verdade, mais ele se atira por terra e se revolve e enrodilha em argumentos limosos de obscura filosofia. Se, em seguida, é interrogado sobre qualquer circunstância indiferente ou acidental, então não se cala mais».

A observação é exactíssima: frequentemente, o acusado não responde precisamente à pergunta, finge não ter compreendido, procurando por todas as

formas ganhar o tempo necessário para reflectir sobre a resposta que deve dar ou para distrair a atenção do interrogador.

Mas pode afirmar-se que este comportamento seja próprio do culpado? Absolutamente, não. O inocente, em virtude de uma pergunta de que não compreende a finalidade, em que receia uma insídia, pode ficar perplexo, pode sentir a necessidade de reflectir ou até de não responder.

Quantas vezes a inocência é vítima do jogo cruel de um magistrado, que, subutilizando sobre pequenas inexactidões, sobre pequenas contradições, consegue torná-las tão grandes, que dão ao interrogado o aspecto de culpado. Direi até alguma coisa mais: o réu que tem o seu plano de defesa preparado, na maioria dos casos, tem as respostas prontas; o inocente, em face de uma pergunta de que não compreende o fim recôndito, fica perplexo, receando criar um indício contra si mesmo” (Altavilla E., 1982, pp. 25-26).

“(…) Há culpados que se conservam sorridentes, senhores dos seus nervos, e há inocentes que se comovem até às lágrimas.

Também a impulsividade, os destemperos violentos, que revelam um temperamento, não são prova de culpabilidade, embora o seu conhecimento possa influir para a formação do convencimento.

Mas também é preciso usar de cautela neste juízo sobre a personalidade do acusado, porque há homens tranquilos que, ao verem um inimigo, ao ouvirem um depoimento falso, podem ter ímpetos, que não são habituais no seu temperamento.

Em todo o caso, um juiz hábil poderá sempre descobrir no comportamento alguns elementos de juízo, que deve apreciar, porém, com extrema cautela: às vezes acendem-se nos olhos do acusado clarões de ódio, explode uma ira até então dominada, com uma interjeição, com um apelativo, nos quais se descobre o desprezo, o rancor, ou se ilumina o rosto de cupidez carnal, revelando uma mórbida paixão.

Mas o comportamento é, talvez, ainda mais importante, quando o acusado não se julga observado. No interrogatório, na acareação, o seu espírito está alerta para dominar a palavra e a mímica; mas enquanto depõem as testemunhas, quando ele pensa que a atenção dos juízes converge sobre outros, trai-se muitas vezes por atitudes antinómicas às que tivera até poucos momentos antes.

A sua máscara de indiferença pode ser iluminada pelos seus verdadeiros sentimentos (…)” (Altavilla E., 1982, p. 26).

99 ―Por regra, nos crimes sexuais, a prova exaure-se com as declarações do(a) arguido(a) e do(a) ofendido(a), com a apreciação de alguma prova pericial que se tenha no processo, com o depoimento das testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa as quais, aportam ao Tribunal factos meramente indiciadores do que cada um percepcionou como sendo reveladores da culpabilidade ou da inocência do acusado, da verdade ou da falsidade do que foi denunciado pela vítima‖ (Acórdão n.º 476/09.0PBBGC da 1ª Vara Criminal do Porto, de 01-07-2010).

E muitas são as vezes em que o Tribunal logra extrair do comportamento do arguido elementos para a formulação de juízos, certezas ou profundas convicções sobre determinados recortes fácticos. Neste sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 476/09.0PBBGC da 1ª Vara Criminal do Porto, de 01-07-2010, ―(…) que o arguido teve sempre um posicionamento defensivo, que se veio a reflectir (…) no seu discurso (…) postura vigilante, atenta e preocupada com a transmissão de uma imagem de acordo com os valores sociais tradicionais, verbalizando com pormenores extensos e com discurso impressionista (…). Uma atitude pouco sincera, de desconfiança, tentando apresentar uma imagem sobrevalorizada de si próprio (…). Enorme preocupação e necessidade de dar respostas que vão de encontro ao esperado socialmente, pessoa com imagem valorizada sobre si próprio, defendendo-se de conteúdos que o possam contradizer, socialmente atractivo, moralmente virtuoso ou emocionalmente ajustado. (…) Sujeito egocêntrico com dificuldade em percepcionar o ponto de vista do outro ou as consequências dos seus actos nos outros, a não ser franco e a não reconhecer perante outrem as suas próprias falhas (…). Ausência de preocupação pelas consequências negativas que as suas acções podem ter em terceiros e, consequentemente, a inexistência de remorsos (…) preocupação em dar uma boa imagem de si próprio.‖

5.2.1. Atitudes negativas

Queremos referir-nos ao silêncio em que se fecha um acusado mentalmente são, recusando-se a responder às perguntas do juiz, e a outras atitudes, que revelam a vontade de se subtrair à indagação judiciária (Altavilla E., 1982).

“O silêncio é uma atitude rara, porque contrasta com uma elementar atitude de defesa, que leva a dizer coisas favoráveis à tese do acusado.

Mas, nos raros casos em que o acusado não quer responder, não se pode, simplesmente, ver nesse comportamento, sem mais nada, uma presunção de culpabilidade.

Podem determinar-se, às vezes, situações tão dramáticas, que em virtude delas o acusado inocente não tem a coragem de se acusar abertamente de um crime que não cometeu, mas não proclama a sua inocência, por várias razões:

a) Porque a prova da sua responsabilidade num crime cometido em determinado dia, a uma certa hora, pode funcionar como álibi em relação à imputação de um crime mais grave;

b) Porque a reconstituição feita pela acusação não pôs a claro circunstâncias que poderiam agravar a sua posição processual;

c) Para salvar o verdadeiro culpado, facto que já se tem verificado, por parte de esposas e de mães.

E outras razões podem ser sugeridas por circunstâncias não previsíveis, porque estão fora de toda a lógica, como se verifica, frequentemente, em relação a homens e a acontecimentos que estão para além da normalidade” (Altavilla E., 1982, p. 27).

De qualquer forma, nos termos do disposto no artigo 61º, nº 1, d) e 343º, nº 1, ambos do C.P.P., o Arguido tem direito a não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar, sem que o seu silêncio o possa desfavorecer.

5.2.2. Recusa a comparecer em Juízo

―Muito se tem discutido sobre o valor probatório que se deve dar à fuga.

Quem se inspire na prática da vida, sabe que ela só tem valor num caso: quando um indivíduo foge antes de ter aparecido qualquer prova contra ele, e, ainda mais se desaparece antes do crime haver sido descoberto” (Altavilla E., 1982, p. 127). ―(…) Recordam-se infinitos exemplos de inocentes que fogem para não serem presos.

Mas, mesmo no caso da fuga preceder o aparecimento de qualquer indício, é necessário usar de todas as cautelas‖ (Altavilla E., 1982, p. 128).

5.2.3. Recusa a sujeitar-se ao exame pericial psiquiátrico

―Isto verifica-se quando o acusado dá conta de que está prestes a ser descoberta a simulação e que ele não está em condições de avaliar a importância das experiências a que é submetido, de maneira a poder responder de acordo com o que exigiria a doença simulada‖ (Altavilla E., 1982, p. 27).

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5.2.4. Sinceridade do Interrogatório

―A mentira não prova a culpa. Tendo presentes estas observações, perguntamos: existem critérios constantes que nos possam guiar para deduzir de um interrogatório a inocência ou a culpa?‖ (Altavilla E., 1982, p. 28).

“O inocente encontra-se, muitas vezes, numa situação processual mais difícil que o culpado.

O autor de um facto criminoso tem uma orientação defensiva, conhece o acontecimento que lhe é imputado, sabe a hora, o lugar, as modalidades, muitas vezes pensou na forma de se defender, antes de ter perpetrado o crime, e até adaptou ao seu sistema de defesa algumas circunstâncias da acção criminosa. O inocente debate-se no vácuo, muitas vezes sem conhecer precisamente em que consiste a acusação: é um homem surpreendido pelo imprevisto, vítima de uma denúncia malévola ou de coincidências fatais, de cruéis aparências de provas.

O culpado, com frequência, é um lutador que espera pelo ataque; o inocente é um transeunte surpreendido por uma agressão imprevista e imprevisível. Um, pelo conhecimento que tem da acusação, pode manter uma atitude de segurança; o outro, pelo seu desconhecimento de tudo, pode perder a serenidade” (Altavilla E., 1982, p. 29).

“Experimentai apresentar a um inocente e a um culpado um grave indício recolhido contra eles: foi encontrado assassinado um homem, numa rua excêntrica da cidade; há testemunhas que afirmam terem visto um e outro em ruas próximas, quase à mesma hora em que o crime foi praticado. O culpado, que já previra a possibilidade de alguém o ter visto, e que até talvez saiba que foi notado, não se comoverá e, ou admitirá o facto, dando dele uma explicação, ou, com voz desdenhosa e dolente, protestará contra a descarada mentira da testemunha.

O inocente, que até então confiara na sua inocência, sente a gravidade da circunstância e é dominado por um louco terror, por uma necessidade desordenada e instintiva de defesa, levado pela qual ou negará o facto ou, embora aceitando-o, se mostrará tão perturbado que poderá impressionar mal o instrutor. Na sua alma trava-se, efectivamente, uma luta angustiosa: aceitar significa criar um indício; negar será criar, no caso de se descobrir a mentira, mais uma prova de culpabilidade, o que gera uma perturbação que não pode

deixar de influenciar o comportamento. E acrescente-se que a mentira do culpado tem, frequentemente, uma certa coordenação com outros dados processuais, tem uma lógica, porque está em relação com todo o seu plano defensivo.

A mentira do inocente é, muitas vezes, um contra-senso, é o acto automático de quem afasta um perigo, sem notar que cria um outro perigo ainda mais grave. Especialmente se é pessoa de inteligência limitada, pode ser dominado por uma tão cega perturbação, que pode até parecer atacado por uma forma de negativismo” (Altavilla E., 1982, p. 30).

“É claro que, sendo iguais os temperamentos e idêntico o conhecimento dos factos do processo, o inocente é mais seguro, mais sereno que o culpado, e certamente o inocente, que tem a certeza de ver triunfar a verdade, que dispõe de inteligência suficiente para avaliar com serenidade a sua posição processual, terá um comportamento seguro e resoluto e evitará dizer uma mentira, embora possa sempre cometer alguns erros de recordação” (Altavilla E., 1982, p. 32).

5.2.5. Interrogatórios Lacunares

“O acusado confessa o crime frequentemente, mas nega circunstâncias, algumas vezes importantes, revelando a finalidade utilitária, destinada a diminuir a gravidade do crime, mas às vezes de tão pequena importância, que a negativa nos deixa admirados. Por ex., compreende-se porque negue ter premeditado o crime, mas não se compreende porque negue ter visto uma testemunha, que pode até ser favorável à sua tese.

Isto dá-se, especialmente, nos crimes passionais, nos quais a percepção é lacunar, devido, sobretudo, a circunstâncias marginais àquilo que, como vemos, é como que o foco em direcção ao qual se polariza a atenção forçada” (Altavilla E., 1982, p. 32).