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CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA

7. A Detecção da Mentira

7.1. Os Falsos Testemunhos

Porém, outro entendimento, segundo Fernaud (2000), é o de que não são os mentirosos mas sim as suas mensagens falsas que diferem dos que dizem a verdade, e que o fazem de acordo com um conjunto de características que se referem, quer ao tipo da informação (nível qualitativo), quer à quantidade da informação (nível quantitativo).

109 A análise diferencial das mensagens verdadeiras e falsas realiza-se a partir de diferentes linhas de orientação, que incluem a investigação básica da memória (controlo da realidade e das recordações) e da comunicação (teoria da manipulação da informação) até à prática forense (análise da veracidade das declarações).

Em 1963, Trankell publica a sua obra ―Fiabilidade da Prova‖ sobre a credibilidade das testemunhas na qual propõe que a investigação psicológica sobre as testemunhas demonstre que as declarações verdadeiras se distinguem das falsas de acordo com os seguintes critérios: o da realidade e o da sequência. Segundo o critério da realidade, as declarações verdadeiras apresentam maior quantidade de detalhes, mais informação irrelevante para a acção central e mais informação subjectiva ou emocional sobre os feitos, que as declarações falsas. Por seu turno, o critério da sequência, parte da ideia de que quando uma pessoa conta um evento em diversas ocasiões, produz- se uma série de modificações nos detalhes periféricos que são razoáveis do ponto de vista do funcionamento da memória. Assim, o aparecimento destas alterações periféricas é uma prova da veracidade do relato (Trankell, 1963, citado por Fernaud E., 2000, p. 39).

Seguindo a abordagem de Trankell, em 1967, Undeutsch formula a técnica de Análise da Realidade das Declarações desenvolvida a partir da sua experiência com a avaliação de declarações de crianças vítimas de abuso sexual. Esta técnica dirige-se à avaliação de declarações em casos de abuso sexual de crianças, e não pode ser aplicada a adultos.

O princípio subjacente tanto à proposta de Trankell como à técnica de Undeutsch é a diferença qualitativa existente entre as narrações do evento real e as de um evento inventado. Undeutsch (1989) agrupa estas diferenças numa série de critérios, que por sua vez se organizam em duas grandes categorias a ter em conta: a análise isolada da declaração obtida pelo avaliador, e a análise das diferentes declarações prestadas pelo menor ao longo do processo judicial.

“Os critérios de valorização da declaração isolada são os seguintes: a) Critérios gerais:

Localização espacial e temporal dos factos: os incidentes reais ocorrem num lugar e num momento concretos, e concretamente, os abusos sexuais requerem um contexto específico (ex.: estava em casa, era de tarde).

Concretização dos detalhes: clareza e definição dos detalhes (ex.: estava em casa dos meus pais com a porta fechada e trancada com a chave).

Riqueza dos detalhes: os abusos sexuais são eventos complexos que requerem grande riqueza de detalhes para serem explicados (ex.: a luz estava apagada, mas via-se um pouco pela luz que entrava da rua, já que a cortina estava aberta).

Originalidade: expressões pessoais dos factos ou detalhes pouco usuais e com pouca probabilidade de serem inventados (ex.: apertava-me o pescoço…)

Consistência interna: relação lógica das diferentes partes do relato.

Detalhes específicos do delito sexual: peculiaridades dos abusos sexuais de menores (ex.: pisava-me os pés…)

b) Manifestações especiais dos critérios gerais:

Referência a critérios que ultrapassam a capacidade de compreensão ou imaginação da testemunha: referências a precauções tomadas pelo agressor para não ser descoberto, justificações dadas pelo agressor, ameaças para não contar sobre a agressão, etc.

Referência a detalhes subjectivos: pensamentos, sentimentos, mudanças na relação emocional com o agressor, etc.

Referência a complicações inesperadas: referências a interrupções da relação, tentativas de relação falhadas, etc. (ex.: quando a minha mãe entrou em casa o meu pai assustou-se).

Correcções espontâneas ou especificações: correcção de detalhes mal explicados ou incompletos.

Duvidar do próprio testemunho: referências a aspectos da declaração que vão contra o testemunho (ex.: creio que não me lembro muito bem).

c) Critérios negativos:

Falta de consistência interna: falta de relação lógica entre as diferentes partes do relato.

Falta de consistência com as leis da natureza: detalhes que vão contra os factos provados ou contra as leis da natureza.

Falta de consistência externa com outras provas inquestionáveis: detalhes que vão contra outras provas fora da declaração e que são irrefutáveis.

(…) Os critérios para avaliar a sequência das declarações são:

- Falta de estabilidade: produção de mudanças materiais em relatos que afectam a acção central.

111 - Declarações prévias inconsistentes: omissões ou erros na informação obtida nas declarações prévias.

A presença de todos estes critérios, excepto os negativos, é valorada como indicador de credibilidade. Contudo, a sua ausência não implica a diminuição da veracidade da declaração. A análise da declaração e a valoração destes critérios leva o avaliador a tomar uma decisão sobre a credibilidade do relato. Assim, o avaliado deve escolher um dos cinco graus de credibilidade nos quais se estrutura a técnica: credível, provavelmente credível, indeterminada, provavelmente credível ou não credível” (Fernaud E., 2000, p. 39-42).

―Desde os seus primórdios, a psicologia clínica tem estado interessada em conhecer os processos que nos permitem diferenciar entre algo que está sendo percepcionado, imaginado ou recordado‖ (Freud, 1895, citado por Sobral et al, 1994, p. 145).

“Johnson e Raye (1981) conceberam uma teoria e forneceram evidência para explicar os processos que seguimos para distinguir entre a recordação de algo percebido (gerado externamente) e de algo imaginado (gerado internamente). À actividade de discriminar entre recordações primariamente derivadas de sucessos internos daquelas primariamente derivadas de sucessos externos, dá- se o nome de monitorização da realidade.

Segundo estas autoras, as recordações geradas internamente (imaginadas) diferem das geradas externamente (fruto da percepção) numa série de dimensões. Em primeiro lugar, as recordações geradas externamente incluem mais informação contextual (espacial e temporal) e mais detalhes sensoriais (por exemplo, cores, ruídos…) que as recordações imaginadas. Por seu turno, as recordações de algo imaginado resultam de processos mentais e imaginativos e por isso incluem mais informação idiossincrática do sujeito (por exemplo, eu estava assustado, penso que não devia ter ocorrido,…), uma vez que o relato deste tipo de recordações é mais lata (contém maior número de palavras)” (Sobral et al, 1994, p. 146).