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Limitações ao Princípio da Livre Apreciação da Prova

CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA

2. A livre apreciação da prova

2.1. Limitações ao Princípio da Livre Apreciação da Prova

“Como é sabido e muito embora, segundo o disposto no art. 127º, o Tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir.

“A consagração genérica do princípio da livre apreciação da prova como um dos princípios basilares do sistema processual penal português relativos, precisamente, à prova, não impediu que, no que concerne ao valor probatório de algumas provas, assim como ao valor do caso julgado, o legislador o densificasse distintamente” (Neves R., 2011, p. 92).

Assim, o nosso ordenamento jurídico processual penal consagrou algumas restrições emergentes do valor probatório atribuído à prova pericial, aos documentos autênticos e autenticados, à confissão do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento e ao valor do caso julgado. Vejamos:

Tais restrições existem no valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169º), no efeito de caso julgado no pedido de indemnização cível (84º), na prova pericial (163º) e na confissão integral sem reservas (344º).

Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (32º, n.º 8, CRP, 125º e 126º) e no princípio in dubio pro reo, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência (32º, n.º 2, CRP; 11º, n.º 1 DUDH; 6º, n.º 2 da CEDH).

37 Por tudo isto, este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.

Assim e para além da violação daquelas restrições legais ou das apontadas condicionantes estruturais, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida” (Acórdão do TRP, Processo n.º 280/09.6TAVCD.P1, de 05-01-2011).

2.1.1. O valor probatório da prova pericial

Dispõe o artigo 163º do Código de Processo Penal que:

1. O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.

2. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.

Assim sendo, ―o recorte fáctico da prova pericial encontra-se circunscrito às situações em que a «percepção» ou a «apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos», nos termos do disposto no artigo 151.º do C.P.P.‖ (Neves R., 2011, p. 93).

Para essa apreciação carece o julgador de conhecimentos jurídicos, e da experiência comum, técnicos ou científicos. Como nem sempre todos estes conhecimentos fazem parte da cultura geral do julgador e eles se mostram indispensáveis à apreciação da prova, permite a lei o auxílio de terceiros no esclarecimento dos pressupostos de apreciação da prova. ―É este auxílio que constitui a perícia‖ (Ferreira C., 1956, citado por Neves R., 2011, p. 94).

“O juízo científico e técnico emanado pelo perito, apenas e tão-somente, se bem que, também, não em termos absolutos, aparece subtraído ao critério legal de valoração da prova genericamente plasmado – o da livre apreciação -, como

resulta do disposto no n.º 1 do artigo 163.º do CPP. Contudo, trata-se de uma presunção legal iuris tantum, relativa, admitindo-se que possa ser afastada mediante prova em contrário, devendo ser fundamentada pelas razões técnico- científicas e fácticas nas quais o julgador assenta a divergência do seu juízo valorativo” (Cavaleiro Ferreira, citado por Neves R., 2011, p. 94).

―(…) O julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.

A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.

Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informáticos, de modo que, do ponto de vista da juriscidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas‖ (Acórdão da Relação de Lisboa de 16-02-2006, Processo 949/05.4TBOVR-A.L1-8).

2.1.2. O valor probatório dos documentos autênticos e dos documentos

autenticados

Documento, nos termos do disposto no artigo 164.º, n.º 1 do C.P.P, é ―a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal‖.

―(…) O legislador aceita a distinção doutrinal e civilística entre documentos particulares, autênticos e autenticados, na medida em que somente em relação a estes últimos dois tipos estipula uma regra distinta do princípio geral consagrado em matéria da sua valoração‖ (Neves R., 2011, p. 97-98).

Assim sendo, os documentos particulares são valorados livremente pelo julgador, valendo aqui e sem quaisquer reservas o princípio da livre apreciação da prova a que alude o artigo 127.º do C.P.P. No que respeita aos documentos autênticos ou autenticados, os factos neles exarados ou constantes consideram-se provados, isto é, têm força probatória plena, nos termos da primeira parte do artigo 169.º do C.P.P., ficando assim subtraída a sua valoração ao sobredito princípio da livre apreciação da prova.

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2.1.3. O valor probatório da confissão do arguido resultante das

declarações prestadas

“(…) Se a confissão integral e sem reservas for produzida em sede de audiência e de julgamento, sem que se verifiquem quaisquer das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 344.º do CPP, aquela tem o valor probatório de prova plena dos factos que integram a confissão, obstando à produção ulterior de prova (n.º 4 do artigo 344.º a contrário). Se, por outro lado, se verificar alguma das circunstâncias mencionadas no citado preceito normativo, ou se estivermos perante uma confissão parcial ou com reservas, vale aqui o princípio geral da livre apreciação da prova” (Neves R., 2011, p. 100).

2.1.4. O valor probatório do caso julgado

―A decisão judicial proferida ganha força de caso julgado quando o Tribunal que a proferiu e os Tribunais superiores não a podem modificar ou alterar, em sede de recurso ordinário‖ (Neves R., 2011, p. 101).

―O caso julgado tem como pressuposto essencial o trânsito em julgado da decisão, gerando, tendencialmente, a imodificabilidade desta, e, habitualmente, pode ser entendido de um modo formal ou de um modo material‖ (Neves R., 2011, p. 101).

“Na primeira situação, reportamo-nos ao efeito da decisão no próprio processo no qual a decisão emerge, adquirindo esta definitividade e exequibilidade, ou seja, o poder jurisdicional esgota-se, tornando inadmissível a reapreciação daquela decisão por via do recurso ordinário. Na segunda situação, trata-se de aferir, também, a eficácia da própria decisão, proferida sobre o objecto do processo, em face da existência posterior de um outro processo que se reporte ao mesmo recorte factual” (Neves R., 2011, p. 102).