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CAPÍTULO III – DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES

1. Conclusões

Direito e Psicologia: compreender o comportamento humano num determinado contexto (incluindo no sistema judicial); colaboração para clarificar influência das emoções e decidir/julgar tendo em consideração inúmeros factores (Queirós C., 2011, p. 23).

O presente estudo permite-nos sistematizar, evidenciar e plasmar as seguintes conclusões.

A mediatização da Justiça leva-nos a uma maior consciencialização da importância da sua realização para edificação e conservação do Estado de Direito.

Toda a Justiça é administrada partindo duma realidade levada ao conhecimento do julgador que a terá de subsumir ao enquadramento normativo positivado.

Porém, tal realidade só está ao alcance deste mediante provas que forem apresentadas e produzidas.

Provas entendidas como fonte do convencimento do julgador, à custa das quais reconstrói o pedaço histórico em apreciação e que o direito enquadra e dá resposta. Tais provas, nomeadamente as testemunhais ou por declarações, estão sujeitas, no que à sua apreciação e valoração compete, ao Princípio da Livre Apreciação da Prova o qual, em sede processual penal, significa que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo assim a ignição que acciona o propulsar para a construção da convicção.

Regras da experiência que farão o Juiz julgar segundo a sua consciência, bom senso e ponderação crítica, cuja decisão incorporará um substrato lógico e racional.

Livre convicção que não pode deixar de ser uma convicção objectivável, motivável, portanto capaz de se impor aos outros (Dias F., 2004, citado em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, p. 256).

155 Livre convicção da prova que pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge de intervenção de tais critérios objectivos e racionais (Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, 2009, p. 335).

Convicção construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, linguagem silenciosa e do comportamento, coerência do raciocínio e de atitude, serenidade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (Parecer do Ministério Público junto do TRP (PGA) Processo n.º 670/09.4 TASTS – 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso citando o Acórdão STJ de 20-09-2005).

Porém, não pode deixar o julgador/decisor de ter em conta na avaliação da respectiva credibilidade factores que o podem contaminar, tais como os erros no testemunho, a mentira, as suas condicionantes e influências, a percepção e a memória, as emoções, a sua apreciação crítica, os comportamentos da testemunha, os factores de valoração, os métodos para interrogar uma testemunha, a detecção da mentira e a linguagem no testemunho. Tudo isto em permanente apelo, sempre que a situação o exigir, nomeadamente perante situações de escassos meios de prova, do saber da Psicologia no que se reporta à avaliação do testemunho e à sua credibilidade.

A investigação levada a efeito permite-nos compreender melhor o modelo de construção da convicção do julgador, bem como os factores ou circunstâncias que, na prática, podem influenciar negativa ou positivamente a credibilidade de uma testemunha; os critérios de que o julgador se serve para indagar se o relato feito num depoimento emerge do conhecimento directo do depoente ou duma falsa memória deste; a relevância da alteração, para efeito de maior ou menor credibilidade, ao longo do depoimento, de alguns aspectos da realidade relatada; a questão da possibilidade da valia, em termos probatórios, de alguns aspectos tidos como credíveis relatados num depoimento tido por genericamente incongruente; bem como a questão de saber se, para se reputar um depoimento de pouco credível, será necessário apurar as razões que o motivaram.

A análise da amostra obtida permite-nos verificar que os factores ou circunstâncias que mais podem influenciar negativamente a credibilidade de um testemunho são: falta de isenção, contradições manifestadas, postura nervosa, proximidade com quem indica a testemunha e certeza absoluta. Sendo que, para o sentido positivo, contribuem essencialmente a espontaneidade na exposição, a isenção em relação às partes envolvidas, o esforço de recuperação de pormenores, a razão da ciência, a serenidade e a ausência de contradições.

De igual modo, para o apuramento do conhecimento directo, por parte dos depoentes, dos factos relatados, que são fruto de falsas memórias, contribui, em maior escala o apurar da razão da ciência da testemunha (testemunho, factos e provas); o questionamento assertivo com confronto de outros elementos de prova; a forma como responde, a memória demonstrada da situação e os pormenores; e, as regras da experiência comum.

Já quanto ao relevo da alteração, ao longo de um depoimento, de alguns dos aspectos da realidade relatada, maioritariamente é entendido que nem sempre e necessariamente o é.

Quanto à possibilidade de colheita pontual de determinados aspectos em depoimento tido por genericamente pouco credíveis, maioritariamente os entrevistados manifestam-se positivamente.

A terminar diga-se que, por expressa maioria, se entendeu que não é essencial a indagação das razões pelas quais se moveu um depoimento para o reputar de não credível.

Todas estas conclusões surgem-nos e estão em perfeita sintonia com o estudo teórico realizado no âmbito da revisão da literatura. Porém, verificamos que, quase sempre o Direito se tem bastado a si mesmo, raramente convocando os conhecimentos que a Psicologia pode dar no sentido do apuramento da credibilidade do testemunho.

“Verificamos que desde sempre os juízes tiveram que recorrer a especialistas para os assessorar na altura de decidir sobre a verdade ou falsidade dos testemunhos. Se há 3000 anos o papel do especialista forense correspondia ao da actualidade, hoje esta responsabilidade recai sobre os psicólogos. Por sua vez, esta

157 responsabilidade requer a tomada de consciência das nossas limitações na altura de decidir sobre a honestidade de uma testemunha. Estas limitações são numerosas quando o perito se baseia na observação das alterações (fisiológicas e/ou comportamentais) que apresenta a pessoa sobre a qual cai a suspeita: os erros falso-positivo e falso-negativo do detector de mentiras, os que se devem à idiossincrasia da testemunha, ao erro de Otelo, podem conduzir-nos a um diagnóstico injusto da credibilidade. A solução parece derivar não da análise da testemunha, mas sim do seu testemunho: aqui a possibilidade de erro diminui e, em todo o caso, como vimos anteriormente ao falar da Análise das declarações das crianças vítimas de abusos, o relatório apresentado pelo forense auxilia sempre o juiz na reconstrução dos factos. A este corresponde, em última instância, a decisão final sobre se deve aceitar ou recusar a declaração; os psicólogos só o podem ajudar para que a sua decisão seja a correcta” (Sobral et al, 1994, p. 151-152).

Pode, assim, concluir-se que, mesmo as pessoas que acreditam estar a dizer a verdade, cometem erros de testemunho (Gonçalves A., 2011).

A detecção da mentira é uma tarefa difícil por mais que queiramos acreditar na história de Pinóquio. Os detectores de mentiras cometem erros frequentemente. Podemos melhorar o nível de detecção da mentira se usarmos técnicas de entrevista específicas, aumentando a exigência cognitiva e refinando técnicas de recolha de informações. É necessário valorizar mais o testemunho das vítimas.

A avaliação da veracidade do testemunho é um processo complexo, ponderado e assente em determinadas estratégias, técnicas e critérios do domínio estrito da Psicologia (McGuire, 1998, citado in Matos, 2005).

Na avaliação da credibilidade do testemunho, especialmente em casos concretos (como seja o abuso sexual, a violência conjugal, entre outros), a livre apreciação do julgador é muitas das vezes insuficiente para a avaliação fundamentada da veracidade das alegações, tornando-se necessária a intervenção criteriosa da Psicologia Forense (Carmo, 2005).

A avaliação da credibilidade do testemunho tem por base o conhecimento das características psicológicas e da personalidade de quem o preste, contribuindo assim

para a melhor apreciação do testemunho em si e dos factores que o podem influenciar (Carmo, 2005).

Neste contexto existem processos para a Avaliação da Validade das Declarações, que não sendo métodos infalíveis, constituem um poderoso contributo na avaliação da credibilidade do testemunho, nomeadamente o Statement Validity Assessment – SVA, no pressuposto de que, na valoração testemunhal todos os pormenores são importantes, pois a minúcia da análise técnico-científica (conduzida por peritos qualificados do domínio da Psicologia) é fundamental, quer para a própria avaliação da credibilidade do testemunho, quer para o evitamento de uma situação indesejada de vitimização secundária – para as reais vítimas ou para os arguidos injustamente acusados (Mesquita, 2005, Vrij, 2008).

Deste modo, a avaliação da credibilidade do testemunho, representa um poderoso e decisivo instrumento para, em determinados contextos jurídico-legais, habilitar o julgador na descoberta da verdade material e, assim, alcançar uma melhor Justiça.

―(…) Realizada a justiça, realiza-se o equilíbrio necessário à harmonia universal. A essência pura do fenómeno jurídico reside neste equilíbrio: equilíbrio das condições de existência, das prerrogativas e das inibições do homem. Nesta essência pura do fenómeno jurídico estará o fundamento do direito‖ (Hermenegildo B., 2005, citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-07-2010, Processo n.º 102/10.5TBSRE.C1).