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Mapa 11 Espaço sub-regional da soja

2 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM QUESTÃO

2.4 A visão do desenvolvimento territorial

A discussão sobre desenvolvimento territorial passa, em primeiro lugar, pela discussão do conceito de território. Dessa forma, parte-se do conceito de território, que precisa “ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer, àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida” (SANTOS, 2006, p. 14).

O território necessita ser pensado a partir de reflexões que possam acompanhar as mudanças recentes que ocorrem na sociedade, entendendo-o como ator de mudanças de construção de identidades e de uma cidadania no campo e na cidade. A força motora dessa nova postura, em busca de formação de redes sociais de solidariedade e de cooperação, altera, significativamente, o conceito de território, pois não mais cabe a concepção de território vista somente à luz das políticas macroeconômicas e unilaterais, a exemplo do que ocorreu no Brasil entre nas últimas décadas do século XX. Assim, o território deve ser visto, também, através de uma visão local e microrregional, que possibilite ao Estado assumir novas ações institucionais em uma perspectiva de ação, em que se busque uma gestão compartilhada, baseada na participação efetiva da sociedade, na flexibilidade dos programas e projetos de acordo com a realidade local e a solidificação de novas articulações entre os atores sociais. A razão de se pensar por esse prisma é porque:

[...] O capitalismo continuamente desenha e redesenha novas geografias, produzindo novas escalas, novos pontos nodais, rearranjando as forças da polarização, da heterogeneidade e da dominação territorial. Mudam os padrões de articulação das diversidades localizadas. Mudam os núcleos dinâmicos de comando que exercem diferentes espécies de atratividade e dominação e geram estratégicos ou não pontos, eixos e nós de maior ou menor potência reprodutiva e capacidade de apropriação (BRANDÃO, 2007, p. 42).

O território não pode ser visto apenas através dos fatores endógenos, pois existem sistemas de ações, para usar uma expressão de Milton Santos, que fazem

mover e remover os objetos no espaço geográfico, modificando, assim, o território. Então, há de se contestar que “parte ponderável da literatura e das estratégias de desenvolvimento territorial filia-se no localismo. [...] Assim, a endogenia exagerada na promoção de políticas públicas de desenvolvimento é mais uma ideia fora do lugar, de tantas outras” (BRANDÃO, 2007, p. 52).

No sentido de compreender o alcance da relação entre escala e território, Haesbaert (2006, p. 54) afirma que, “em todo o mundo, as políticas de desenvolvimento com maiores e melhores resultados são justamente as que não discriminam nenhuma escala de per si [...]". Dessa forma, as estratégias de desenvolvimento passam a “encontrar a escala adequada para a definição de determinado campo onde os problemas são mais bem visualizados e as decisões como enfrentá-los [...]” (Ibid., 2006, p. 59).

A escala a ser discutida nesta pesquisa refere-se ao enfoque do espaço sub- regional, que, em alguns desses espaços, é promotora do processo de desterritorialização, uma das concepções elaboradas por Haesbaert (2006, p. 58); enquadra-se no sentido de compreendê-la como “[...] domínio das redes, dos fluxos, da mobilidade. O território é visto aqui, antes de tudo, como o lócus da estabilidade e do enraizamento”.

Adentrando pelo tema do desenvolvimento territorial, faz-se pertinente enumerar as linhas centrais que norteiam e permeiam o conceito de desenvolvimento territorial14. Ele seria:

- fundamentado no capital social, no fortalecimento dos sistemas de população local e na valorização da governança local.

- ressaltado e da endogenia no território, com base na busca de autonomia, no empoderamento e na emergência de potencialidades, ou seja, um enfoque de desenvolvimento local, endógeno e territorial.

- permeado pela preocupação de proporcionar novas institucionalidades sustentadas na concertação e negociação das diversas esferas da vida no território, bem como alimentar uma visão e ações em rede.

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As discussões desse tópico estão baseadas nos seguintes documentos: a) A Construção de Novas Institucionalidades para o Desenvolvimento Territorial no Brasil (IADH-GESPAR); b) Desenvolvimento Territorial na Europa e América Latina: experiências e resultados.

Ressalte-se ainda que:

- No âmbito dos novos canais institucionais, cabe destacar a reflexão sobre planos estratégicos participativos, a formação de conselhos de desenvolvimento local e regional, a incorporação de fóruns, consórcios e redes socioprodutivas.

- No âmbito da base econômica local cabe compreender as diversas formas de institucionalidades presentes no território como os observatórios de mercados, o marketing territorial, os institutos tecnológicos, os sistemas de informações territoriais entre outros.

- É preciso a identificação de obstáculos e desafios, demarcando ações na busca da delimitação dos territórios, da incorporação do local como uma entidade-chave, da discussão dos novos instrumentos de uma gestão pública e da construção de cenários de alianças regionais.

Além das características supra ressaltadas, a política de desenvolvimento territorial possui a tarefa de fomentar e criar as condições necessárias para a criação de mercados dinâmicos, estimulando e incorporando setores sociais que vivem em condições de pobreza. É preciso, assim, a inserção de componentes que, de fato, “desatem os nós” das dinâmicas de crescimento, criando as condições de oportunidades em busca de uma ação coletiva e um território igualitário quanto ao processo de produção, e, principalmente, quanto ao consumo dos resultados desse desenvolvimento para a sociedade.

Na perspectiva trabalhada por Flores (2006), além da necessidade da racionalidade nas diversas dimensões (econômica, social entre outras), a discussão de desenvolvimento territorial avança no sentido de uma construção social do desenvolvimento, identificando os entraves existentes quanto aos conflitos e a cooperação entre os diversos atores sociais, buscando o equilíbrio do jogo de poder dos diferentes grupos locais. Um desafio constante, segundo Flores (2006, p. 12), é o entendimento de que “o conflito e a negociação são partes importantes da formação da autonomia das sociedades, necessária para o estabelecimento de bases sustentáveis de desenvolvimento”, ou melhor seria a construção da sustentabilidade do desenvolvimento.

Uma questão importante a ser destacada, e que servirá de apoio à compreensão das diversas experiências que serão relatadas nos capítulos subsequentes, refere-se ao papel das novas formas de governança que, para Flores (2006, p. 16), baseia-se em “um processo dinâmico que visa a formulação e resolução de problemas produtivos, amparada pela existência de um compromisso institucional que envolve em parte os atores econômicos e em parte os atores públicos”. Segundo Zimmermann (1998 apud Flores, 2006, p. 16) existem três tipos de governança relacionados aos processos de desenvolvimento territorial:

1. O caso onde a governança é privada para que uma organização de produtores é o ator-chave do território, ou seja, trata-se de uma governança privada coletiva quando o ator determinante não é uma estrutura estritamente privada; 2. O caso onde há uma governança institucional porque uma ou mais organizações públicas são os atores-chave; 3. O caso da governança em parceria, quando há uma mistura de atores públicos e privados que atuam de forma cooperada.

Além da importância de se medir os tipos de governança, conforme indicado anteriormente, nas diversas experiências de desenvolvimento territorial, é mas do que urgente a inclusão de apreender as formas como o Estado, através de suas políticas públicas, atua no desenvolvimento territorial conforme a proposição formulada por Flores (2006, p. 17):

1. Estabelecer ações que garantam uma representação democrática e diversificada da sociedade, a fim de que os diferentes grupos de atores possam participar mais ativamente das tomadas de decisão e ter mais acesso à informação; 2. Realizar ações de capacitação junto aos atores locais para que possa ser formada uma visão territorial de desenvolvimento, rompendo a visão setorial como a única forma de análise; 3. Estabelecer novas formas de coordenação das políticas públicas, no que se refere aos recursos, as populações e aos territórios, baseados em novas lógicas de desenvolvimento.

Ressalte-se que a valorização dos produtos territoriais pode apresentar dinâmica com ou sem apoio do poder público. Em relação às experiências que avançam sem o apoio do poder público, vale destacar, segundo Flores (2006) dois casos:

Primeiro, o caso em que o produto territorial possui dinâmica própria com a força dos atores locais e o apoio de ONGs ou associações locais.

Segundo, as experiências que “estão apoiadas em iniciativas de grupo(s) econômico(s) forte(s) que atuam motivados por seus interesses comerciais

diretos ou sem sentido de estabelecer ações de responsabilidade social, que reforçam sua imagem no mercado” (FLORES, 2006, p. 9).

Nas experiências territoriais com apoio do poder público, Flores (2006) estabelece três formas de ação:

a) Apresentar o objetivo de valorizar determinado produto no mercado, através de instrumentos institucionais.

b) Fortalecer estratégias e ações de desenvolvimento territorial sustentável. c) Pensar à luz dos espaços sub-regionais as experiências associadas às áreas de parques florestais ou áreas de preservação de patrimônio histórico- cultural.

A identificação da existência de um desenvolvimento territorial pode ser vista pela verificação de duas formas de apreensão do território. A primeira apreensão seria o “território dado”, constituído a partir de um processo “de cima para baixo”, obedecendo as decisões político-administrativas impostas e definidas por agentes externos ao território, caracterizando-se assim por uma identificação técnica e de caráter exógeno. A segunda apreensão seria o “território construído”, marcado por um processo que acontece de “baixo para cima”, definido pela participação de atores locais e representativos no sentido da expressiva participação.

É dessa forma que as trajetórias mencionadas serão alvo de caminhos que conduzem às políticas públicas e aos investimentos privados, visando o desenvolvimento em bases territoriais, intervindo com programas e projetos que possam alavancar as dinâmicas dos territórios em situação social grave, em relação às desigualdades sociais e à pobreza. É necessário que sejam inseridos novos arranjos institucionais em espaços de concertação e coordenação entre distintos atores e políticas no território, fortalecendo e criando novas alianças territoriais que de fato venham a mudar a realidade social na cidade e no campo.

3 AS BASES E OS CONTEXTOS RECENTES DA DINÂMICA