• Nenhum resultado encontrado

Abandono do roseiral: crise de hegemonia do seabrismo

O dia a dia popular durante a era seabrista em Salvador continuava transcorrendo sem fornecimento regular de água potável, escoamento de resíduos domésticos, além de constantes faltas de energia elétrica e trans- portes públicos. Nesse período, a ausência de saneamento básico e água potável foram causas constantes de doenças que, amplamente, assolaram a população na capital e no interior do estado.

Por seu turno, o sistema de saúde também não foi objeto de uma política pública sistemática. Durante as constantes epidemias de natureza infectocontagiosa, o governo ampliava provisoriamente a pequena rede hospitalar, comissionando médicos e improvisando enfermarias para os infortunados. A atenção a doenças não contagiosas era serviço entregue à iniciativa privada, embora subsidiada com recursos públicos. Na área de saúde imperava a concepção do estado mínimo, para o qual nenhum hospital permanente de urgência ou emergência se fazia necessário.36

Os baianos de fato conviveram, inclusive, com elevadas taxas de mortalidade. Os dados coligidos na tabela abaixo demonstram uma eleva- ção dessas taxas para todo período seabrista, reduzindo a pó a caracteri- zação feita pelos aliados de Seabra no Congresso Nacional e na imprensa.

36 Durante a gripe espanhola, foi montada uma enfermaria no Hospital de Monte Serrat. Em 1919, ano de varíola, improvisaram-se outras na ladeira do Baluarte e S. Lázaro, que depois foram fechadas e os funcionários demitidos. MENSAGEM à Assembleia Geral Legislativa apresentada pelo Dr. Antônio F. Moniz de A. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1920. Dis- ponível em: <http://www.crl.edu/content.asp>. Acesso em: 21 ago. 2008; e Diário de Notícias, 5 dez. 1918. Ver também. UZEDA, Jorge. A morte vigiada: a cidade de Salvador e a prática da medicina urbana, 1890-1930. 1992. 156 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Facul- dade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1992. p. 119.

Tabela 1 - Evolução demográfica e coeficientes de mortes, Salvador (1908-1919) Pop. estima- da pelo governo Pop. estimada (p/ autor) com base no Censo de 1920 (1,88%/ ano) Nº total de mortes Coeficiente geral de mortes (CGM) por mil habitantes

Mortes por doenças infecto- contagio- sas Mortes infectocon- tagiosas em relação ao total Corrigido* Oficial 1908 265.000 236.856 5.754 24,29 22,71 1.967** 34,18% 1909 286.000 240.736 5.830 24,21 20,38 2.030 34,81% 1910 286.000 244.616 6.151 25,14 21,5 2.318 37,68% 1911 292.000 248.496 5.259 21,16 18,01 1.426 27,11% 1912 300.000 252.376 5.202 20,61 17,34 1.422 27,33% 1913 310.000 256.256 5.675 22,14 18,3 1.624 28,61% 1914 310.000 260.136 6.101 23,45 19,69 1.725 28,26% 1915 314.000 264.016 5.169 19,57 16,46 1.455 28,14% 1916 314.000 267.896 4.873 18,25 15,51 1.403 28,79% 1917 320.000 271.776 4.947 18,2 15,45 1.369 27,67% 1918 320.000 275.656 5.996 21,75 18,73 2.142 35,72% 1919 320.000 279.536 8.946 32,00 27,95 4.627 51,72% 1920 320.000 283.416 6.330 22,33 19,78 2.216 35,00%

Fontes: Mensagem apresentada à Assembleia Geral do Estado

em 1926 pelo governador F. M. de Araújo Góes.

Nota: (*) Dados corrigidos pelo autor, cf. O uso dos coeficientes, índices e razões dos

indicadores de mortalidade. Disponível em: <http://www.ee.usp.br/graduacao/

ens435/modulo4/modulo4i.html>. Acesso em: 17 ago. 2010.

Coeficiente de Mortalidade Geral CMG mede o risco de morte por todas as causas em uma população de um dado local e período. CMG = n.º de óbitos em dado local e período x 1000 em relação à população.

Já durante o primeiro mandato de Seabra não se comprova a tese defendida pelo deputado Arlindo Fragoso, segundo a qual as medidas de reforma do Serviço de Higiene tinham sido eficazes.37 Afinal, no seu pri-

meiro ano, o total de registros de óbitos manteve-se no patamar entre 1400 e 1500 casos, o mesmo do último ano do governo Araújo Pinho, a quem acusavam de nada ter feito em matéria sanitária. Contudo, nos dois 37 SEABRA, José Joaquim. Pela Bahia: defesa ao seu nome, honra e crédito. Bahia: Imprensa Official da Bahia, 1918. p. 138-142. Discursos proferidos no Senado da República pelo Dr. J. J. Seabra e na Câmera dos Deputados Federais pelos Drs. Arlindo Fragoso, Moniz Sodré e Raul Alves.

anos seguintes ao governo Seabra, o número de óbitos voltou a se elevar (acima de 1600 registros), para então retornar ao padrão inicial em 1916.

No governo do seabrista Antônio Moniz (1916-1920), registrou-se uma tendência inicial de queda no número total de mortes por doenças transmissíveis, mas que foi logo revertida. Uma razão para a retomada desse crescimento foi a desmobilização parcial dos serviços de vigilância sanitária ocorrida em 1916, conforme informou o próprio governador.38

As primeiras consequências desse ato vieram com o crescimento dos ca- sos de peste bubônica. Em 1918, o total de mortes voltou a assustar, inclusive reapareceu a febre amarela, que há dois anos e meio não se regis- trava em território baiano. No entanto, para o deputado federal Arlindo Fragoso, ex-secretário geral do estado, a situação sanitária de Salvador era confortável. A cidade, para este fiel escudeiro de Seabra, desfrutaria do menor índice de mortalidade entre as capitais do país.39

No entanto, a situação só se agravaria em 1918, quando a gripe espa- nhola infectou cerca de 40% da população da capital, ou 110 mil pessoas, num período de apenas 65 dias. O governo, manipulando os números, registrou apenas 338 mortes pela gripe, numa média diária de 5,2 óbi- tos.40 Comparativamente, em São Paulo, as mortes durante essa epidemia

levaram a uma média de 178,6 enterramentos por dia, conquanto esse número no ano anterior (1917) fora apenas 27. A partir disso estima-se que a influenza foi responsável pela morte de aproximadamente 1% de toda a população paulistana em 1918, calculada em 523.196 habitantes.41 38 Nota do governador Antônio Moniz lida pelo deputado federal Arlindo Fragoso durante

discurso na Câmara Federal, em 07 de junho de 1918. SEABRA, 1918, p. 148; e Diário de No-

tícias, 2 dez. 1918. O governador havia dispensado os agentes do serviço especial contra febre

amarela para cortar despesas “desnecessárias”.

39 Discurso pronunciado por A. Fragoso na sessão de 11.06.1918 da Câmara dos Deputados. SEABRA, 1918, p. 140. Fragoso respondia às críticas do senador Ruy Barbosa, que anunciava no Senado mortes causadas pela febre amarela. Sua avaliação indicava o IGM de 15,51 verifi- cado em 1917, o menor da série para Salvador entre as capitais brasileiras. Porém, ele utilizou para comparação apenas as cidades de São Paulo (17,47) e de Curitiba (16,45).

40 SOUZA, Cristiane M. Cruz de. A gripe espanhola na Bahia: saúde, política e medicina em tempos de epidemia. Tese (Doutorado em História das Ciências) – FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2007. p. 192 et seq. A autora aponta inúmeras falhas de registro, que permitem concluir não ser factível o número oficial de óbitos causados pela espanhola, mas não sugere outro.

41 Sobre a epidemia em São Paulo, ver BERTOLLI FILHO, Cláudio. A gripe espanhola em São

Paulo, 1918. São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 36-46. DAMACENA NETO, Leandro Carvalho.

A gripe espanhola de 1918 na cidade de São Paulo: notas sobre o “Cotidiano Epidêmico” na “Metrópole do Café”. Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, n. 29, p. 1-6, 2008. Disponível em: <http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/ edicao29/materia02/>. Acesso em: 6 set. 1910.

Na Bahia, apesar do pequeno número oficial de baixas, faltaram caixões e coveiros para os funerais, sendo usadas valas comuns para enterrar os corpos, prática também registrada em São Paulo.

O pior, porém, ocorreu no ano seguinte, quando a varíola revisitou a Bahia, registrando a mais devastadora epidemia dessa doença na história local, com 4.612 casos e um total de 2.804 mortes atestadas. Em 1919, de fato, a situação ficou crítica.42 O coeficiente de mortalidade geral foi eleva-

do para 32,22 (ou 27,95, conforme o governo) por 1000 habitantes. Esse índice colocava a Bahia em situação semelhante à das sociedades anterio- res à Revolução Industrial. Conforme Phyllis Deane, a taxa de mortalida- de nas sociedades pré-industriais europeias do século XVIII é estimada entre 30 e 40 por mil habitantes.43 A proximidade desses números com a

realidade baiana das primeiras décadas do século XX, apesar da diferença de cerca de cento e cinquenta anos, permite imaginar as condições de vida da maioria dos habitantes de Salvador.

Nesse período, esses surtos e mortes tinham grande repercussão po- lítica, e eram exploradas pela oposição nos jornais e no Congresso Nacio- nal. Tal importância não decorria propriamente de razões humanitárias, visto que outras enfermidades ainda mais letais, porém menos visíveis e pouco afeitas aos circuitos mercantis, não despertavam o mesmo inte- resse entre os dissidentes e oposicionistas em geral. Essa repercussão era potencializada pelas ameaças econômicas que representavam essas molés- tias para as atividades portuárias num estado dependente das exportações agrícolas. 44

42 O número de casos foi informado pelo Secretário de Interior, Gonçalo Moniz, citado na men- sagem do governador J. J. Seabra à Assembleia Legislativa da Bahia, 1921, p. 420. Disponível em: <www.crl.edu/content.asp->. Acesso em: 20 jun. 2008.

43 Para Deane, na Inglaterra os surtos epidêmicos, antes devastadores, tenderam a diminuir após 1750. Até então, a mortalidade era estimada entre 30 e 40 por mil habitantes. As razões re- lacionam-se a melhoras nas condições de vida, habitação, limpeza de ruase e uma “obscura revolução ecológica entre os roedores”. Os ratos pretos e suas pulgas, que preferiam “as habi- tações humanas”, desapareceram, sendo substituídos por “ratos castanhos chegados pelo mar, em 1728”. Os roedores estrangeiros teriam “livrado a Europa Ocidental” da Peste. DEANE, Phyllis. A Revolução Industrial. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 33, 41-42. Todavia, Eric Hobsbawm registra a retomada das doenças infectocontagiosas entre 1818 e 1850, inclusive da Peste, devido ao crescimento das cidades sem planejamento ou supervisão, com limitados serviços de limpeza, precário fornecimento de água e escoamento sanitário, enfim, por conta das péssimas condições de habitação da classe trabalhadora. HOBSBAWM, Eric. A era das

revoluções, 1789-1848. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997. p. 224.

44 A Tarde, 24 maio 1918. A febre amarela era a mais sensível, porque afetava perigosamente os estrangeiros.

Não resta dúvida que esta situação tinha um preço político e moral a ser pago pelo partido governante.45 Em alguns momentos, essa fatura

assumia o formato de greves e protestos reprimidos pelo estado. Em ou- tros, de maneira mais cruel, esse custo estava simbolizado no sofrimento popular e no definhamento imposto por doenças reiteradas. De modo silencioso, tudo isso contribuía para corroer o apoio popular ao bloco dominante e Seabra sentiria o peso dessa conjuntura.

Por outro lado, a parcela da população empregada convivia com crescente defasagem salarial em relação ao “custo de vida”. A especulação monopolista e o desabastecimento interno provocado pelo incremento das exportações de alimentos de consumo popular eram os principais motivos da carestia. Na verdade, desde 1910 o Índice Geral de Preços (IGP) dos gêneros de consumo geral apresentou tendência à constante elevação, somente interrompido em duas oportunidades (em 1913-14 e 1920-21). O primeiro repique nos preços da alimentação ocorreu entre 1910 e 1913, levando a mobilizações, comícios, manifestos e protestos de rua.

Em 1913, as reivindicações apresentadas ao governador J. J. Seabra revelavam, além de preocupações com os alimentos, revolta contra os custos dos transportes e aluguéis, dois dos principais problemas da capi- tal.46 O segundo e mais brusco movimento de alta ocorreu no quinquênio

1915-1920, com aumento da ordem de 108% no IGP. Esse período regis- tra o mais importante movimento contra a carestia em Salvador (1917), além da Greve Geral operária dois anos depois.

A partir de julho de 1917, observam-se ações de protesto mais radi- cais contra a carestia, e críticas ao governo. Não raro, comícios e caminha- das desencadeavam choques com a polícia. Em agosto desse ano, a prisão e ferimento a bala de um militante acendeu o rastilho da revolta. Os con- flitos se generalizaram no centro da cidade. Houve tiros, feridos graves e mortes, levando à intervenção do exército. O movimento havia deixado de lado o caráter bem comportado de 1913 e adotado uma perspectiva 45 Na oposição, em 1910, Seabra foi decisivo para a derrota eleitoral de Ruy Barbosa em Sal-

vador. Nove anos depois, com Seabra no poder, Ruy venceria seu candidato com incrível facilidade.

46 SANTOS, Mário Augusto da Silva. República do povo: sobrevivência e tensão: Salvador (1890- 1930). Salvador: Edufba, 2001. p. 154. A Comissão popular era então liderada pelo seabrista Cosme de Farias. As reivindicações ao governo cobravam moradias proletárias e criticavam as demolições de casas populares em curso no centro.

mais inclinada à ação direta, distinta do padrão institucional anterior.47

Por certo, essas mobilizações contribuíram para minar o consentimento das classes trabalhadoras em relação ao bloco dominante e ajudaram a formar o ambiente político que robusteceu a oposição.48

Como se observa, o domínio seabrista também significou sérios in- fortúnios aos trabalhadores. Carestia crescente e constantes epidemias contribuíram para minar a adesão política desses setores ao bloco gover- nante. Isso já era perceptível durante as mobilizações de 1917. Neste mo- mento, militantes populares foram responsáveis por críticas nominais aos especuladores e governantes, embora se observasse a presença de aliados do governo, como o Major Cosme de Farias, de líderes do Centro Ope- rário e de estivadores nessas manifestações.49 Todavia, a ação dos radicais

e, principalmente, da oposição civilista foi mais efetiva, colocando-se à frente da mobilização popular e realizando denúncias parlamentares na capital da República. No conjunto, essas manifestações influenciaram a dinâmica social e teriam impactos políticos nos anos seguintes.

De fato, o terreno tornar-se-ia mais fértil para a oposição. O ano de 1918 começou com a greve dos professores municipais em protesto contra atrasos de mais de dois anos no pagamento de seus salários.50 Esta

greve só foi encerrada em setembro, cerca de 40 dias antes de a gripe es- panhola espalhar pânico em todo estado. Desde maio, porém, Ruy Barbo- sa reproduzia no Senado as denúncias da oposição, enfatizando a situação da educação. Segundo ele, Salvador também se encontrava em estado las- timável, sem água, esgoto, luz, coleta de lixo, além das escolas fechadas.51

O asfalto das avenidas abertas por J. J. Seabra escondia aos olhos ingênuos a miséria e a imundície reinantes.

47 SANTOS, 2001, p. 164-174. O aumento do IGP foi calculado pelo autor a partir de dados apresentados por Santos à página 92.

48 O “consentimento” (consenso) é um dos polos da hegemonia do grupo dirigente. Coexiste em equilíbrio dinâmico com o polo da “dominação” (coerção); ambos são mecanismos de poder do bloco dirigente. Gramsci a isso chamou “hegemonia revestida de coerção”. Cf. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasi- leira, 1980. p. 149.

49 Quanto aos estivadores, na correspondência dos irmãos João e Otávio Mangabeira há referên- cia à participação de coletivos seus em manifestações do bloco seabrista que deixam patente a influência política de Seabra sobre essa categoria (CM-FPC, OM 2195, 1919.03.00).

50 LUZ, José Augusto Ramos da. Um olhar sobre a educação na Bahia: a salvação pelo ensino pri- mário (1924-1928). 2009. 273 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. p. 43-61.

Cresciam a insatisfação e os protestos, indicando a perda progressiva do consentimento popular pelo bloco dominante. Nesse momento, o go- vernador proibiu manifestações de rua sem prévia autorização da polícia. O polo da coerção continuaria recrudescendo. Ainda em maio, a oposição acusou o governo baiano de empastelar o jornal A Hora, que contou com a solidariedade do oposicionista Diário da Bahia, onde aquele periódico passou a ser impresso. Durante o cerco da polícia à sede do Diário, um funcionário dos telégrafos foi morto a tiros. Na confusão, o chofer de Si- mões Filho levou quatro facadas. Era o ingrediente que faltava à oposição. Aos discursos de Ruy Barbosa no Senado, Seabra responderia desrespon- sabilizando o governador Antônio Moniz pelo que a oposição conside- rava atentados à liberdade de imprensa e à vida dos adversários. Todavia, os fatos falavam por si, e as repetidas acusações de Ruy abrangiam outras graves questões administrativas.

Assim, por várias vezes, Seabra seria obrigado a voltar à tribuna para socorrer o governo da Bahia. Em sua oratória, os problemas seriam exa- gerados por Ruy Barbosa, e os desmandos que agora afligiam a cidade seriam de responsabilidade do ex-intendente Júlio Brandão, já rompido com seu partido. Enfim, do mandato desse administrador resultariam as dificuldades, inclusive a falta de pagamento dos professores da capital.

Desse modo, de peça chave do projeto seabrista, Júlio Brandão passava, convenientemente, à causa dos problemas baianos. Esquecia-se que sua eleição resultara da aliança com o grupo Guinle, e não, propria- mente, do comércio em geral, que então apoiava o prestimoso ministro da Viação. Seabra menciona o “empréstimo municipal de 1,6 milhão de libras”, mas omite que essa operação destinou-se às reformas da capital, símbolo do seu governo, e que fora intermediada pelo procurador Eduar- do Guinle, nomeado para o mesmo fim também pelo Estado.52

Aproveitando-se dessas contradições, ainda em 1918, as oposições se unificariam em torno de Ruy Barbosa. Para isso contribuiria a proxi- midade das eleições presidenciais (abril de 1919) e da sucessão estadual (meses depois). Daí em diante, com o agravamento dos conflitos sociais, a disputa eleitoral adquirirá crescente relevância. Nesta perspectiva, quando 52 SEABRA, 1918, p. 21-25, 77-78. A presença da polícia no prédio do Diário de Notícia seria para restabelecer uma “ligeira perturbação da ordem pública”. Atribuía a eleição de J. Brandão a “elementos do comércio da Bahia”. Dentre “os descalabros estavam a desapropriação de The

estoura a greve geral operária, em junho de 1919, ao bloco seabrista não restou opção senão apoiar os grevistas. Do contrário, a tentativa da opo- sição em instrumentalizá-la contra o governo teria sido exitosa.

Durante a greve geral, o patronato pagaria por ter rompido com o governo nas eleições presidenciais. Durante as jornadas de junho de 1919, o movimento operário não seria reprimido, mas favorecido pelas forças oficiais. Antônio Moniz claramente operou a favor da greve e contra os patrões da Associação Comercial da Bahia e do Centro Industrial do Al- godão, que tinham apoiado Ruy Barbosa. Não havia, contudo, qualquer consistência nessa aliança episódica com os grevistas (dois meses depois, a polícia militar reprimiria uma nova greve têxtil).53 Ocorre que, para o

governo, não apoiar a luta pela jornada de oito horas de trabalho, aumen- to salarial e outras justas reivindicações significaria facilitar a manipulação dessas bandeiras pela oposição num período de acirrada disputa. De todo modo, na eleição ao governo do estado (29 de dezembro), Antônio Mo- niz e Seabra sofreriam as consequências dessa opção.