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Fertilizando o roseiral: Ruy Barbosa

Tendo Minas Gerais, São Paulo e o próprio presidente Hermes da Fonseca acordado a indicação do então vice-presidente, Wenceslau Braz, chegava ao fim a candidatura de Pinheiro Machado. Pernambuco e Rio de Janeiro logo anuíram. Enquanto isso, o deputado Barbosa Lima voltou a indicar a candidatura de Ruy Barbosa (janeiro de 1913), logo abraçada por Seabra. Na sequência, seus partidários promoveram a segunda Convenção Nacional Civilista (julho) e fundaram o efêmero Partido Liberal. Todavia, Ruy Barbosa recebeu respaldo governamental apenas da Bahia, além das diminutas oposições paulista, mineira e rio-grandense. Mesmo assim, Se- abra apoiou sua candidatura, com o ardor de um “ruísta” autêntico até

22 Cf. LESSA, R. A invenção republicana: Campos Sales, as bases e a decadência da Primeira Repú- blica brasileira. Rio de Janeiro: Iuperj, 1988. SOUZA, 1969, p. 182-187; CARONE, Edgard.

Instituições e classes sociais. 3. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1975. p. 305-308.

as eleições de março de 1914.24 Com praticamente todos os governadores

sustentando a chapa oficial, o chefe do Executivo baiano preferiu reeditar isoladamente a Campanha Civilista, a qual ele tanto se opôs quatro anos antes. Mesmo a desistência de Ruy Barbosa, retirando-se publicamente da disputa (31.12.1913), não bastou para demover Seabra de seu civilismo tardio. Assim, embora não candidato, Ruy seria o vencedor das eleições na Bahia.

Todavia, essa aparente incoerência escondia ao menos dois objetivos relacionados à política baiana. O primeiro, não necessariamente o mais importante, buscava evitar reabrir as feridas do bombardeio de Salvador, então remexidas com o crescimento de denúncias contra seu governo. O Caim25 que, na verve “ruísta”, não teria titubeado em derramar o sangue

dos irmãos para herdar o poder estadual, tentava com esse gesto superar a “atmosfera de malsinações e ódios” em que voltava a ser envolvido pelos adversários. Estes, até bem pouco, em parte estavam influenciados pelo próprio Ruy Barbosa.26 Além disso, naquele momento, tais “malsinações”

eram vivificadas com acusações de malversação do dinheiro público em contratos com Eduardo Guinle e a Companhia de Melhoramentos. Logo, uma aproximação política com Ruy Barbosa poderia dificultar o cresci- mento da oposição.

Nesta perspectiva, o jornal governista defendia o aval à candidatura do senador e jurista como uma atitude digna, acima de ressentimentos pessoais, uma demonstração de que, além de qualquer interesse, “há a zelar e a manter, fora das tramoias e conchavos, as tradições da Bahia”. Justificado o apoio, vinham os elogios. Esse era o candidato da Bahia, candidato do povo brasileiro. O maior de todos na tribuna parlamentar, no fórum, na imprensa:

Não sabemos o que admirar mais no maior dos brasileiros, se o seu excep- cional talento, se a sua rara grandeza, se o denodo, se o civismo incomparável com que se bate e com que se destaca, no nosso meio e na nossa época, como o apóstolo de todas as causas santas da liberdade.27

24 Sobre a sucessão de Hermes da Fonseca, SOUZA, 1969, p. 209-212; e CARONE, 1977, p. 306-309.

25 Apelido dado a Seabra.

26 BARBOSA, 1912. Neste artigo, Seabra é responsabilizado pelo bombardeio de Salvador de 10.01.1912.

O segundo objetivo de Seabra consistia em estabelecer uma base de representação dos interesses estaduais no Congresso Nacional, o que estaria assegurado pela capacidade e competência parlamentar habituais de Ruy Barbosa, reforçadas pela oportuna declaração de apoio ao novo presidente da República.28 Esta era uma necessidade premente, sobretudo

depois da dissidência de Luiz Viana. Desde então, toda a representação estadual no Senado Federal era composta por adversários do governador, já que os outros mandatos pertenciam a José Marcelino e Luiz Viana.

Por outro lado, o perdão a Caim não foi gratuito. Ruy Barbosa foi reconduzido ao Senado Federal, em janeiro de 1915, em candidatura pa- trocinada pelo governador Seabra. Ao jurista, a concórdia também ren- deu duas cadeiras de deputado ocupadas por dois dos seus filhos. Uma federal, para Alfredo Ruy, a outra estadual, para João Ruy.

Nessa aproximação, portanto, Seabra viu vantagens políticas impor- tantes para a estabilidade de seu mando no estado, mas ao custo de trazer para suas fileiras um futuro rival. Por sua vez, Ruy Barbosa possivelmente tinha como objetivo a renovação de seu mandato. A confluência de interes- ses permitiria um intervalo de paz relativa entre dois dos mais importantes nomes da política baiana em todo século XX. Esta paz, o enfraquecimento político de Pinheiro Machado e o seu posterior assassinato, imobilizariam a oposição estadual por algum tempo. Assim, em relação a Ruy Barbosa e à política nacional, a atitude do governador pode ser apreendida em termos de uma necessária recomposição de sua legitimidade enfraquecida.

Porém, a escolha de Antônio Moniz para governador do estado a contragosto do jurista baiano, que queria um aliado seu no palácio Rio Branco, além da eleição de Seabra para o Senado Federal, esquentaria a política baiana outra vez. Ruy Barbosa, que por longos anos exercia a função de articulador político da Bahia no Senado, aos poucos foi distan- ciando-se da situação governista estadual. Inevitavelmente, essas persona- lidades fariam seu acerto de contas. Em setembro de 1917, Ruy criticou acidamente o governo de Antônio Moniz. Seabra reagiria negando-lhe autoridade para “falar em nome da Bahia”. Desde então, o verbo mais cortante da política republicana colocou-se a serviço da oposição.

28 Em maio de 1915, ocorreria o reconhecimento dos novos deputados no Congresso, para o que Seabra contou com os serviços de Ruy Barbosa e tratou de declarar apoio “ao patriótico, honrado e ilustre Dr. Wenceslau Braz”. Assim, 18 dos 22 deputados seabristas e ruístas foram reconhecidos. Das oposições, apenas 4. Gazeta do Povo, 18 maio 1915.

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