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Seabra, quando chegou ao governo baiano, depois de uma eleição condicionada pela intervenção federal e pelo bombardeio de Salvador (janeiro de 1912), já havia conquistado o apoio da maioria da burguesia agromercantil e bancária local. Nomes como o atacadista Amado Bahia, o industrial Bernardo Catarino, o banqueiro F. M. Góes Calmon, o dono de usinas e comerciante Raimundo Magalhães, o exportador Emil Wildber- ger, o empresário Fernando Kock mantinham vínculos com seu governo, 1 Especialmente, PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias, 1889-1934: a Bahia na Primeira Repú-

blica brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 127-130; e SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República: uma política de acomodação. 2. ed. Sal- vador: Edufba, 1999. p. 135-137. Outros autores, porém, veem na Guerra fator de progresso comercial. É o caso de AZEVEDO, Thales; LINS, E. Q. Vieira. História do Banco da Bahia,

1858-1958. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1969. p. 199. WILDBERGER, Arnold. Notícia his- tórica de Wildberger & Cia, 1828-1942. Bahia: Tipografia Beneditina, 1942. p. 45, reconhece as

dificuldades da Guerra, mas enfatiza suas vantagens, e comenta o final do conflito afirmando que “não há bem que sempre dure”.

ou antes, com seu grupo político. Todos eles, em 1911, além de outros importantes 106 nomes, incluindo pessoas jurídicas, manifestaram apoio a Júlio Brandão, candidato de Seabra e do grupo Guinle à Intendência da capital.2 Entre 1909 e 1912, seu prestígio e popularidade são reconhe-

cidos amplamente. Enfim, seu mando político possuía forte respaldo e, sobretudo, estava pleno de motivações materiais e até afetivas. Em um termo, estava pleno de legitimação social.3 Pouco importavam os ques-

tionamentos relativos à ilegalidade ou violência dos métodos usados para sua chegada ao poder.

Seabra havia conquistado essa legitimação no curso de uma trajetória marcada por poucos vínculos com os principais chefes da política esta- dual. Seguramente, sua passagem por dois ministérios diferentes, entre 1902 e 1912, abriu as portas necessárias para que se credenciasse como influente líder na Bahia. Em ambas as oportunidades sua nomeação não agradou ao governo estadual. Na presidência do paulista Rodrigues Alves (1902-1906), o Ministério da Justiça e Negócios Interiores lhe chegou às mãos por solicitação do ex-presidente Campos Sales, a quem serviu como líder na Câmara dos Deputados. A resistência do então governador Severino Vieira não bastou para que desistisse do cargo, e sua inclusão no ministério contribuiu para que a Bahia se voltasse para a oposição ao poder federal.

Nesta pasta, Seabra estreitaria relações com diversos grupos sociais, sobretudo na Bahia e no Rio de Janeiro. De latifundiários a grandes cons- trutores, vários segmentos discutiriam com ele seus interesses. Na capital federal, por suas mãos passaram os contratos de construção da Biblioteca Nacional, Palácio da Justiça e, em especial, o conjunto de obras urbanís- ticas que remodelaram o centro do Rio de Janeiro. Na Bahia, contratou a reconstrução da Faculdade de Medicina (destruída por incêndio) e ainda renegociou a construção do porto de Salvador. Suas atribuições de mi- nistro incluíam também a concessão de patentes da Guarda Nacional,

2 Diário de Notícias, 29 de agosto de 1911. “Eleição Municipal. Dr. Júlio Viveiros Brandão”. Brandão chegara a Salvador há seis anos trazido por Guilherme Guinle para trabalhar em suas empresas de bondes. Em 1911, ele era diretor e sócio minoritário da Cia. Linhas Circular. 3 “Legitimação” é aqui entendida como o respaldo social efetivo a um mando político motivado

por apelos materiais e/ou afetivos. Legitimação não se confunde com a “crença na legalidade” (sistêmica). HABERMANS, Jürgen. A crise de legitimação do capitalismo tardio. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1980. p. 129.

função que lhe renderia preciosos aliados, especialmente entre grandes proprietários rurais.

Depois de um período sem mandato, Seabra seria eleito deputado federal em 1908, após reconciliar-se com o governador José Marcelino. Um ano depois, contudo, voltaria à oposição estadual ao apoiar a candi- datura do Mal. Hermes da Fonseca contra Ruy Barbosa, lançado pelo Mo- vimento Civilista com apoio dos governos da Bahia e de São Paulo. Em Salvador, a vitória do marechal sobre o candidato civilista apontava para o fortalecimento político de Seabra e da oposição. No governo que nasce dessas eleições, Seabra assumiria o Ministério da Viação e Obras Públicas (1910-1912) de onde consolidaria sua influência na Bahia.4

Para tanto, muito contribuíram algumas de suas iniciativas e obras à frente desta pasta. Duas delas, em especial, estreitariam os laços entre o ministro e as classes dominantes locais. A primeira foi a revisão do decre- to e do contrato de arrendamento das ferrovias federais na Bahia. Por esta iniciativa, novas linhas deveriam ser construídas e outras racionalizadas pela concessionária (Chemins de Fer d’Este Brésilien). A segunda inovava o contrato do porto de Salvador, firmado com a Societé de Construction du Port

de Bahia, ambas vinculadas ao Crédit Mobilier Français e à Caisse Commerciale et Industrielle de Paris. Há muito esperadas, finalmente as obras do porto

foram à frente. À mesma época, a construção de alguns ramais ferrovi- ários teve início. A Bahia, assim, entrou numa fase de expectativas e de crescimento dos negócios.

Depois da iniciativa federal na Cidade Baixa e estimulado por inves- tidores, o Conselho Municipal pôs em discussão um projeto de reforma para o Distrito da Sé. Propunham-se, então, diversas demolições para abrir grandes e largas avenidas e, também, espaço para novas e modernas construções, num movimento inspirado nas reformas do Rio de Janeiro. Por essa época, o grupo político do ministro Seabra se fortalece com importantes adesões, em especial dos irmãos Francisco Góes, Antônio e Miguel Calmon, egressos do Civilismo.

4 O autor deste ensaio analisa esse processo pelo viés dos interesses materiais em CUNHA, Joaci de Sousa. O fazer político da Bahia na República Velha, 1906-1930. 2011. 321 f. Tese (Douto- rado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011. Um bom estudo comparativo das trajetórias políticas de Seabra e Ruy Barbosa pode ser visto em SARMENTO, Sílvia Noronha. A raposa e a águia: J. J. Seabra e Ruy Barbosa na política baiana da Primeira República. 2009. 143 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Facul- dade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.

Nesse contexto, Góis Calmon e outros comerciantes organizam com Guinle & Cia, de quem já eram sócios nas empresas de bondes, uma nova companhia (Melhoramentos), com o fim de explorar obras públicas e construção de imóveis. Na mesma direção, representantes do capital francês, que além do porto e das ferrovias controlavam a maior parte da dívida externa baiana, criam um banco para financiar negócios imobili- ários e obras públicas em Salvador. Enfim, movimentava-se uma cadeia de negócios privados que tinha nos projetos públicos, capitaneados pelo ministro baiano, um de seus centros dinâmicos e aglutinadores.

Por sua vez, as afinidades e simpatias entre Seabra e Guinle & Cia vinham desde sua primeira passagem pelo governo federal. Na pasta da Justiça e Negócios Interiores ele foi responsável pela fiscalização, con- trole e funcionamento da infraestrutura portuária, setor em que o grupo fluminense mantinha, desde antes da República, importante concessão em Santos (SP), por onde era exportado quase todo café do país. Sobre essa relação, Ruy Barbosa acusaria Seabra de excessiva “liberalidade”, afir- mando ser “uma legenda, e mais nada, a sua austeridade administrativa”.5

As críticas de Ruy, todavia, poderiam ser dirigidas para além das docas de Santos. As relações entre Seabra e o grupo Guinle durante sua passagem pela pasta da viação e, sobretudo, nos três primeiros anos do seu governo na Bahia, em muito extrapolariam os limites da generosidade.

Em 1912, o projeto de governo de Seabra tinha como coluna princi- pal a relação com Guinle & Cia, talvez a maior corporação privada nacio- nal à essa época. Algumas de suas ações favoreceriam, claramente, a esse grupo. Nessa linha, por exemplo, o processo de desapropriação da ame- ricana-canadense The Bahia Light and Power Co., em 1913, pela Intendência da capital, consolidaria o monopólio do grupo na distribuição de energia em Salvador e Recôncavo. Os vínculos estabelecidos entre o governo Se- abra e o grupo fluminense levariam à nomeação de Eduardo Guinle e seus irmãos como procuradores da Intendência e do Estado para a con- tratação de empréstimos externos. Com os recursos por eles captados, os entes públicos baianos investiram nas reformas de Salvador realizadas, basicamente, pela própria Companhia de Melhoramentos, contratada em regime jurídico especial. Isso significa que as condições pactuadas entre as

partes eram desconhecidas da opinião pública, e escapavam à fiscalização dos poderes Legislativo e Judiciário estaduais.

Essas relações ficaram insustentáveis quando os irmãos Guinle se desentenderam a respeito do valor do empréstimo externo a ser repassado aos cofres municipais e, por isso, afastaram Eduardo Guinle do controle corporativo. Na sequência, a Associação Comercial também questionaria o contrato de fundação do Banco Hipotecário com o mesmo Eduardo Guinle, desta vez em nome pessoal, e não de Guinle & Cia. Entre 1913 e 1914, esses fatos tomaram ares de escândalos com repercussão nacional. A partir deles, observa-se um lento, mas persistente, processo de afasta- mento da burguesia baiana em relação ao bloco de poder seabrista.

Antes de vir a público a informação do desvio de parte do emprésti- mo externo de Salvador, essas relações perigosas tinham gerado a primei- ra baixa no bloco dominante, a do jornalista Simões Filho. A princípio, os problemas identificados pelo editor de A Tarde eram atribuídos ao secretário de estado, Arlindo Fragoso, e não propriamente ao governador, o padrinho político do jovem jornalista.