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No período em que rompeu com Luiz Viana, Seabra buscava elevar o contrato de empréstimo externo que negociava com banqueiros fran- ceses e ingleses para quatro milhões de libras. Contudo, esta cifra limitou- se a um milhão, o total de antecipações já recebidas. Para isso, além da crise financeira internacional que antecedeu a Guerra Mundial, parece ter contribuído um veto informal do Ministro da Fazenda. Por esse caminho, as prioridades administrativas do governador nem contariam com quanto

bastasse de capital estrangeiro para sua realização, nem com os favores fede-

rais. O fato é que as pretensões de Pinheiro Machado levaram o chefe do Executivo baiano a cair na armadilha da sucessão presidencial, incompa- tibilizando-o com um aliado precioso, o presidente Hermes da Fonseca.18

Seabra sentiria o amargo de suas opções, como registrou, “até com perigo da própria vida”. Passaria por “incessante combate” de onde an- tes contava com apoio decisivo. Procurou amenizar essas consequências indicando para líder da bancada baiana na Câmara Federal o filho do pre- sidente Hermes, o deputado Mário Hermes. De todo modo, a manobra não surtiu o efeito esperado. Segundo o próprio governador, esse foi o período de maior perseguição ao seu mandato.

Concretamente, o incessante combate federal consistiu de várias reta- liações, principalmente do ministro da Fazenda, que perseguiu o “em- préstimo popular” estadual emitido para amenizar a penúria do Tesouro. A União, mesmo diante das calamidades (chuvas e inundações de 1914), deixou de enviar auxílio e sequer respondia aos telegramas do governa- dor. As mensagens telegráficas de Seabra passaram a sofrer censura ou violação, conforme sua conclusão, autorizado pelo ministério responsável pelos Correios e Telégrafos.19

Ao governador, a censura; aos seus aliados, exoneração dos cargos de chefia nos órgãos federais ou, se simples funcionários, a exclusão do emprego. Foram decretadas “demissões em massa”, queixava-se Seabra, 18 Cf. CARONE, Edgard. Evolução política (1889-1930). In:______. A República Velha. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p. 307. P. Machado surge como preferido do Catete em 1912, mas o lançamento público de sua candidatura só ocorre em fevereiro de 1913.

19 MENSAGEM apresentada à Assembleia Geral Legislativa do Estado da Bahia pelo gov. Dr. J. J. Seabra. Bahia: Imprensa Oficial, de 1915. p. 33-34. (Documento disponível em: < http:// www.crl.edu/content.asp> Center for Research Libraries. Brazilian Government Document Digitiza-

em alguns casos de pessoas com longos anos de serviços, que só tinham “a grave culpa da estima”. É longa a lista de perseguições que, segun- do ele, foram impostas à Bahia nos dois últimos anos do governo Her- mes. Os serviços federais nada mais mereceram (não se concluiu a obra do Aprendizado Agrícola, fechou-se a Escola Agrícola de São Bento). E, principalmente, não se realizou a encampação e resgate da Estrada de Ferro Centro-Oeste (53 km), com grande prejuízo ao estado.

A União suspendeu formalmente, em outubro de 1914, as obras de ampliação das ferrovias baianas, em tese como medida de economia em virtude da guerra, embora a maioria delas já estivesse congelada desde 1913. Essa paralisação traria prejuízos decorrentes do abandono dos ser- viços já realizados, além de indenizações pagas à concessionária francesa. O ramal da Central da Bahia, de Sítio Novo (Iaçu) a Jacobina, passando por Itaberaba e Mundo Novo, estava com os trabalhos há muito paralisa- dos. Entretanto, a ligação com a cidade de Bonfim (Vila Nova da Rainha) andava razoavelmente, e seria a mais prejudicada. Ao contrário dos esta- dos do Sul, o desenvolvimento das linhas baianas, mais uma vez, ficaria adiado.20

Em desagravo ao ministro da Fazenda, Seabra diz não estranhar que se ouvisse nos meios políticos ser ele o responsável por ter “embaraçado, em Londres, o empréstimo” que a Bahia buscava realizar, e de ter dificul- tado até os “auxílios que o presidente fizera saber seriam dados ao Esta- do”, após as inundações de 1914. Para ele, as perseguições chegaram aos militares de alta patente. Ironicamente, dois anos depois do bombardeio de Salvador (1912), Seabra estava desfalcado do apoio militar que lhe foi tão essencial para chegar ao poder político.21 Sofria na pele as implicações

de violar a regra de ouro do pacto coronelista, estimulando a oposição ao governo federal.

Esse rol de retaliações decorria, claramente, de suas opções políticas inconvenientes. Lembra o cenário de 1909, quando a Bahia se opôs à candidatura do próprio Hermes da Fonseca, lançando a alternativa “ci- vilista”. Não havia inovação. A prática de retaliação era a mesma, e o precário discernimento dos dirigentes baianos parecia ter se agravado. Afinal, ao lançamento do primeiro nome à sucessão, que sempre atraía 20 Diário de Noticias, edições de 3 outubro, 15 dez. 1914, e 13 ago. 1915.

resistências diversas entre os estados mais fortes (para ao final ser substi- tuído por um candidato de “consenso”), o governador baiano se indispôs com a maioria do partido governista e com o chefe do Executivo. De fato, Seabra ignorou o que podia ser considerada a essência do jogo político nacional, a “política dos estados”. O líder baiano fechou os olhos para a regra básica do velho pacto republicano, inaugurado desde Campos Sales. O governador deveria estar afinado com o presidente se quisesse contar com favores da União, e jamais estimular focos de oposição ao governo federal.22 Seabra, diferentemente de Araújo Pinho, seu antecessor, conhe-

cia amiúde os mecanismos da República. Em 1912, os canhões federais já haviam cobrado à Bahia o preço pela ruptura desse pacto (após a Campa- nha Civilista, em 1910). E Seabra não desconhecia o fato de que sua elei- ção só fora possível devido às pretensões de Ruy Barbosa e à ingenuidade de Araújo Pinho em apoiá-las. Esperar-se-ia dele, portanto, movimentos mais diligentes no tabuleiro nacional.23 Nesse xadrez, o apoio presidencial

era uma peça fundamental a ser protegida. O governo baiano, porém, não só abriu mão dela, como, depois de negociado o candidato oficial (o que equivalia escolher o presidente), persistiu em manter no ar um balão de

ensaio eleitoral inflado, apenas, por alguns dissidentes de outros estados.