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Além das visitas oficiais, pesaram significativamente em favor do Brasil, nas relações bilaterais e, de resto, em sua imagem internacional, a legitimidade conferida ao governo pela continuidade do processo de abertura, conforme vários estudos já ressaltaram. Sucessivas declarações de autoridades norte-americanas, como Reagan, Enders, Bush e George Shultz,

manifestavam exaltados elogios à democratização e eram ampla e orgulhosamente divulgadas pela imprensa nacional ao longo dos anos que durou a “abertura” de Figueiredo. Algumas se destacavam pelo entusiasmo, como a do ex-subsecretário de Estado dos EUA William Rogers, que também visitou o Brasil em 1981: “O Brasil está vivendo um processo de liberalização política que se constitui numa das experiências mais excitantes na história do homem moderno”. E completou que essa experiência poderia servir de modelo “para os homens de boa vontade” (OESP, 14/08/1981).

Quando da visita de Reagan, toda imprensa registrou o reforço ao processo de abertura demonstrado pelas recém-realizadas eleições para governadores, que transcorreram sem problemas. O próprio visitante registrou: “Quando lidamos com um governo democrático, sabemos que fala pelo seu povo soberano como um todo, não apenas por um setor isolado” 4. E, em entrevista a outro jornal, reforçava: “a realização de uma eleição marcante durante um período de problemas econômicos severos é uma clara indicação de que a democracia pode não só ser mantida como aperfeiçoada (...)” (JB, 30/11/1982).

Gilberto Paim, no Correio Braziliense (“Brasil-Estados Unidos- o entendimento desejável”, 21/11/1982) expressou bem esse clima: “O sentimento popular, refletido na imprensa, exalta a realização do pleito de 15 de novembro como um êxito nacional (...). A ausência do medo e a presença maciça do povo nas ruas, fazendo das eleições uma festa, exprimiram corretamente o estado de espírito coletivo (...)”. E, comentando a visita, acrescenta que foi um acerto a escolha da data para depois das eleições, porque:

O visitante desembarcará em Brasília convencido de que chega à capital de uma nação em marcha franca para a plenitude democrática (...) que acabou por revestir o presidente que o recebe de uma grande autoridade moral e política. (...). A significação do fato transcende as fronteiras nacionais. Enriquece nossa política externa com um dado de peso (idem).

Em outro artigo, Vamireh Chacon referendava: “As últimas eleições coroam nova etapa do processo brasileiro de distensão – abertura” (CB, 27/11/1982). E O Globo endossava: “O presidente Reagan chega ao Brasil ouvindo ainda os ecos do espetáculo de democracia e de estabilidade política que foram as eleições de 15 de novembro” (O Globo, 30/11/1982).

Os periódicos da corrente liberal-ocidentalista aproveitavam a ocasião para associar o fato a um posicionamento, no conflito Leste-Oeste, junto à “civilização democrática ocidental”. O Jornal do Brasil (JB, 29/11/1982) destacava as conseqüências positivas das

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eleições para governador, as quais o regime brasileiro conduziu e respeitou, mesmo tendo perdido “importantes posições políticas em alguns Estados da Federação” Tratava-se de um reforço do “caminho civilizador”, caminho este que “diferencia hoje o Brasil de tantos regimes latino-americanos, ditaduras de esquerda ou de direita, (e) explica também o gesto do Governo norte-americano identificando-nos como seu parceiro privilegiado no continente”. E O Estado de S. Paulo (OESP, 01/12/1982) enfatizava um pouco mais: “Democracia é cultura, o mais supremo estágio da cultura que só os países do Ocidente alcançaram superando, graças à ciência, (...) o estado de barbárie primitiva e arcaica em que vivem novamente mergulhados os países de regime totalitário do Leste”. Até mesmo uma incursão teórica mais geral, dentro do que se convencionou chamar “Teoria da Paz Democrática” 5, arriscou esse editorial:

Além disso, as democracias tendem a ser mais amantes da paz porque suas decisões sobre as grandes questões da política externa são adotadas depois da consulta aos cidadãos. Os regimes totalitários (...) são, por natureza, belicistas porque se escoram nas armas (...) e o poder, quando não é contrabalançado pela opinião pública, é opressivo no plano interno e expansivo, no externo (OESP, 01/12/1982).

Enfim, o processo de “abertura” contribuiu para o encerramento definitivo da divergência suscitada pelo Governo Carter em torno dos direitos humanos, que tanto irritou não apenas Geisel e os militares, mas também outros setores da sociedade, que julgaram tal interferência indevida, como se atestou, nesta pesquisa, por meio das inúmeras referências que a imprensa fez ao atrito ao longo de vários anos. Há que se ressaltar, porém, que a política externa de Reagan não preconizava a mesma ênfase do governo anterior na questão dos direitos humanos, uma vez que o confronto bipolar, por ele realimentado, não aconselhava tal preciosismo. Se, para deter movimentos revolucionários ou reformistas - como aqueles que ocorriam na América Central - fosse necessário se aliar a governos autoritários, como foi feito com o governo militar argentino para obter apoio naquela região, esse seria um efeito colateral tolerado. A opção norte-americana de apoiar decididamente os processos de transição democrática na América Latina só se verificou efetivamente quando a “ameaça comunista” se dissipou, com o fim da Guerra Fria, na segunda metade da década.

5 Essa teoria, associada aos liberais, sobretudo à vertente idealista de Wilson, mas cujas origens podem ser encontradas em Kant, afirma que os regimes democráticos raramente fazem guerra entre si, enquanto que os regimes autoritários, até por se caracterizarem por decisões centralizadas e se apoiarem, não raro, em exércitos, são mais inclinados à guerra. A esse respeito ver: BROWN, Michael E. et alii (ed.). Debating democratic peace. Washington: Library of Congress, 1996.