• Nenhum resultado encontrado

O processo de democratização, como se disse, reacendeu o debate sobre a política externa brasileira, e, nos momentos de eleições, ele se tornava mais visível, solicitando o posicionamento das agremiações partidárias. Ainda que a política externa não fosse o centro das atenções dos partidos políticos, principalmente em razão da prioridade das questões de política interna naquele momento (democratização, anistia, necessidade de reordenamento legal por meio de uma assembléia constituinte e crise econômica), havia um grupo de parlamentares bastante atuante em assuntos internacionais e, ainda que apenas para constar nos programas, os partidos deveriam se posicionar sobre o tema.

Mais que os programas partidários, no entanto, alcançavam maior repercussão na opinião pública as manifestações na imprensa de líderes partidários e parlamentares a respeito de temas internacionais. E estas eram freqüentes. No ano do pleito para os governos estaduais, a Folha de S. Paulo, em coluna denominada “Palanque” (FSP, 04/06/1982, p. 6), formulou aos partidos a seguinte pergunta: “Que política seu partido defende no quadro das relações Brasil - Estados Unidos?”. Só o PP não se manifestou. Dentre as respostas, coerentes com suas linhas programáticas e ideológicas, PDS e PTB afirmaram as posições mais liberal- ocidentalistas ao passo que o PMDB, PT e PDT reforçaram as teses universal- independentistas, sendo os dois últimos mais radicais na oposição ao líder hemisférico.

O PDS, na voz de Antônio Felipe, defendia que a compreensão entre os dois países deveria ser “perene e intocada” e, invocando raízes do século XIX, que esse entendimento político era necessário em razão da observância da “Doutrina Monroe, (da) Organização dos Estados Americanos (OEA) e (do) Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR)”. Nessa breve resposta, a justificativa para as boas relações “seja no setor de segurança continental, de finanças, (...) no setor intelectual e até religioso” repousavam mais em critérios geográficos e econômicos do que políticos: “Somos dois países de proporções gigantescas, de extensas áreas produtoras de alimentos que podem industrializar-se em condições semelhantes e que, portanto, não deveriam admitir, entre si, nenhuma política discordante” (idem). Curiosamente, o que o político alegava para a aproximação eram justamente as razões do conflito: a competição nas áreas agrícola e industrial.

O PTB era o partido que, à época em que o bipartidarismo (da ARENA e do MDB) foi substituído pelo pluripartidarismo, obteve vitória depois de acirrada disputa política e judicial pela herança da sigla do partido de Getúlio Vargas. Leonel Brizola, perdendo a contenda para

93

Ivete Vargas, criou o PDT. Ao longo dos anos, entretanto, percebeu-se que a herança ficaria limitada à sigla.

Representado por José Roberto Faria Lima, esse partido argumentava que o Brasil, “pelas suas dimensões, potencialidades, população e dinâmica de sua economia, é peça importante para fortalecer e demonstrar a superioridade da ideologia que movimenta o mundo ocidental”. Defendendo o trabalho, a livre iniciativa e a liberdade individual, emendava: “Nosso relacionamento e reconhecimento como aliado forte, não dos Estados Unidos, mas do mundo ocidental, depende de nós (...)”. E, ao que parece, já que esse tipo de crítica era muito recorrente em relação ao Itamarati, ironizava a condução da política externa brasileira: “Vamos acabar com os mitos, as crenças ilusórias e as sofisticações intelectuais. Entre nações não existem amizades, apenas interesses”. E arrematava: “A nova dicotomia é entre liberdade individual e totalitarismo. Infelizmente existem aqueles que são apenas contra os ditadores eventuais” (FSP, 04/06/1982).

Em nome do PMDB, Fernando Henrique Cardoso dizia que a orientação do seu partido se baseava no respeito à autonomia das nações, à soberania popular e à defesa dos interesses brasileiros, o que, segundo ele, se consubstanciaria na “prática de uma política externa independente”. Acrescentava que, por ser potência hegemônica no hemisfério, muitas vezes os interesses entre os dois países conflitavam, o que requeria “um conjunto de políticas de defesa dos interesses econômicos e da soberania nacional”. E “Mais ainda, obriga à solidariedade para com os povos, cujos interesses sejam porventura, atropelados pelo governo norte-americano”. Mas, feitas essas considerações, o parlamentar ressalvava que a política externa do PMDB deveria orientar-se “pela compreensão e amizade entre os povos e este critério não exclui o povo norte-americano. (...) O PMDB não estimula, portanto, sentimentos xenófobos (...) (idem)”.

Luiz Eduardo Greenhalg, falando pelo PT, defendia “profundas alterações” em relação à linha “que vem pautando, historicamente, as relações Brasil – EUA. Tais modificações vão no rumo da afirmação da completa independência política-social-econômica entre os dois países”. Afirmava que podíamos e deveríamos manter relações de cooperação recíproca, mas que “não deveriam ser toleradas” pressões, como as que teriam ocorrido à época do acordo nuclear com a Alemanha e da crise das Malvinas, e defendia a criação “de uma Organização dos Estados Latino-Americanos (OELA), que se diferencia da já superada estrutura da OEA”. Ao que parece, o representante petista não levou na devida conta que a política exterior dos militares, à exceção de Castello Branco, se pautou consideravelmente pela busca de independência. O apoio norte-americano ao golpe militar de 1964 e a Doutrina de Segurança

Nacional, que orientou ideologicamente o regime militar, com ênfase na luta anticomunista, às vezes gerava a conclusão apressada de que os militares se perfilavam ao lado dos Estados Unidos (idem).

O PDT, nas palavras de Therezinha Zerbini, apresentou discurso mais radical que o do PT. Senão, vejamos:

O nosso programa (...) é bem claro quanto ao assunto quando afirma sermos contra o colonialismo e contra o imperialismo que, em nosso mundo moderno, se corporifica em um capitalismo que transcende as fronteiras dos Estados nacionais, apresentando-se como multinacionais que exploram e sugam todo Terceiro Mundo. Sendo os Estados Unidos o pólo dinâmico do capitalismo mundial, é sem dúvida a nação que detém o controle de todo o sistema econômico do mundo ocidental (idem).

E após apontar o caso das Malvinas como revelador da “existência de um colonialismo ostensivo” pregava a união do Terceiro Mundo e “dos povos latino-americanos” na conquista de um “futuro promissor” e afirmava: “Interdependência entre as nações, sim; dependência, nunca”.

Como se percebe, a polarização verificada na imprensa entre as duas correntes, manifestava-se, da mesma forma, na posição dos partidos políticos.