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4.1 Análise da entrevista das professoras P1 e P2

4.1.4 Abordagem da variação linguística em sala de aula

Antes de partimos para análise das falas das docentes, destacamos que sobre a abordagem da variação linguística em sala de aula compartilhamos a ideia de Bagno segundo a qual

Me parece muito mais interessante (por mais democrático) estimular, nas aulas de língua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades sociolinguísticas, para que o espaço de sala de aula deixe de ser o local para o estudo exclusivo das variedades de maior prestígio social e se

transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos (2002, p. 32).

Ao questionarmos a P1 sobre se costumava trabalhar a variação linguística em sala, ela nos forneceu a seguinte resposta

Assim, trabalhar mesmo, mesmo, não, só casos assim soltos, assim quando às vezes ele fala uma palavra, aí você vai e mostra, mas assim tipo uma atividade pronta pra eles só trabalhar a variação linguística nós não trabalhamos não, atividades assim mesmo específicas pra ele. Assim, o currículo também não contempla esse tema variação linguística, o currículo não contempla esse tema, o currículo do terceiro ano, aí a gente faz no dia a dia na prática, mas dizer traga uma tarefa nos vamos trabalhar essa variação linguística, tipo daqui de Pernambuco e São Paulo, vamos trabalhar isso aí, nunca fiz não, só assim, solto assim, não algo planejado, talvez isso seja uma falha, a gente devia conhecer, mostrar pra eles outras linguagens e tem é porque a gente tem que seguir o que tá no currículo né, aí só assim no dia a dia mesmo.

De acordo com a resposta da docente, a variação linguística não é abordada de forma planejada em sala de aula e diante de ocorrências de variantes ela apenas mostra aos alunos como deveriam ser falado segundo sua concepção, assim percebemos que a variação linguística não recebe um tratamento adequado. Pois, como afirma Possenti “O domínio de uma língua é o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas” (2002, p. 36).

A professora justifica não abordar a variação pelo fato de afirmar que o currículo do 3º (terceiro) ano não contempla o tema, diante dessa colocação, sentimos a necessidade de verificarmos no currículo se o tema da variação linguística era contemplado, e assim posteriormente tivemos acesso ao currículo do 3º (terceiro) ano e evidenciamos que ele abordava a variação linguística, então acreditamos que possivelmente a professora não realizou uma leitura atenta do mesmo, ou ao lê-lo possivelmente tenha visto o tema, mas não julgou como relevante diante dos demais temas que o mesmo abordava.

A P1 também sugere que não abordar a variação linguística de forma planejada talvez seja uma falha, ou seja, ao falar “talvez” deixa margem para compreendermos que não trabalhar talvez não seja uma falha. Assim, mostra não entender a variação como um tema essencial para o trabalho com a língua, pois como Bagno compreendemos que

A língua não é simplesmente um “meio de comunicação” – ela é um poderoso

instrumento de controle social, de manutenção ou ruptura dos vínculos

sociais, de preservação ou destroçamento das atividades individuais, de promoção ou de humilhação, de inclusão ou de exclusão (2007, p. 83).

Vejamos agora a resposta da P2

A gente diz que só trabalha variação linguística, quando se pede né, quando tá contemplado, mas eu acho que variação linguística a gente trabalha todos os dias. Sempre, sempre tá pedindo na sala que a gente trabalhe essa variação, eu sempre tô trabalhando, se faz necessário, se faz necessário você sempre tá, tá abordando a variação linguística na sala em conversas, eu acho que sempre se faz necessário, eu vejo que é um trabalho, é um trabalho que você faz todos os dias, não tem como você fugir, porque você tem gente conversando o tempo todo, falando o tempo todo, quando eles comentam alguma coisa que aconteceu na, na televisão, quando eles leem o textinho que vem dizendo, ó tia ó como é que Chico Bento fala, a pessoa que mora no espaço rural que hoje não é mais, mas antigamente era muito, era diferente né, e todos os dias com essas coisas a gente vai vendo que a gente trabalhava variação linguística sempre.

De início a docente sugere que geralmente aborda a variação apenas quando é solicitado e contemplado, acreditamos que a solicitação e contemplação a que ela se refere parte do currículo com o qual trabalha, mas a seguir demostra em sua colocação que não trabalha com a variação somente quando o tema é requerido, ela demostra trabalhar constantemente, sendo assim percebe que a variação linguística é um tema o qual está sempre presente em sala de aula, que ocorre diariamente, no entanto pelo que notamos o trabalho que a P2 realiza não acontece de forma planejada, mas espontânea diante de ocorrências de variação que a docente julga ser necessário abordar.

Assim, como vimos anteriormente com a P1 a P2 não realiza um trabalho planejado em relação à variação linguística. Dessa forma não está de acordo com o que Possenti (2002) nos diz que dominar a língua requer práticas efetivas, que tenham significado para os alunos e que sejam contextualizadas.

Ao se referir aos falantes da zona rural, notamos que a professora já reconhece que há tempos atrás a variação linguística que pessoas do campo utilizavam era mais perceptível e que na atualidade muitas vezes não é possível notar diferenças tão significativas entre falantes da zona rural e da zona urbana. Enfatizamos que o próprio falar do Chico Bento, não representa satisfatoriamente o falar das pessoas da zona rural, pois como afirma Bagno (2007) as revistas do Chico Bento não representam fielmente as variedades linguísticas que buscam veicular.

Quando questionamos as docentes se poderiam descrever uma atividade em que trabalharam a variação linguística com seus alunos a P1 nos respondeu

Dessa forma, notamos mais uma vez que com a variação linguística a P1 não realiza um trabalho planejado, visto que como constamos através da sua afirmação ela não possui um exemplo de atividade a qual tenha sido preparada para trabalhar a variação com os seus alunos para nos relatar, ou seja, no decorrer da entrevista, evidenciamos que a docente trata a variação em suas aulas, mas frisamos que o trabalho que é realizado não ocorre de forma planejada. Assim, entendemos que quando fomos em busca de professores que afirmassem trabalhar com variação linguística em sala de aula para poderem participar da nossa pesquisa, a docente afirmou que trabalhava, sendo assim ao afirmar não ter exemplo de atividade para nos fornecer, não prejudica a intenção do nosso estudo, pois entendemos que na concepção da docente trabalhar a variação é como vimos em resposta anterior realizar “correções” diante de ocorrências de variação linguística. E como ressalta Soares

[...] a escola leva os alunos pertencentes às camadas populares a reconhecer que existe uma maneira de falar e escrever considerada “legítima”, diferente daquela que dominam, mas não os leva a conhecer essa maneira de falar e escrever, isto é, a saber produzi-la e consumi-la (2008, p. 63).

Vejamos agora o que respondeu a P2

Trabalhamos uma atividade do livro, eu achei bem interessante os bilhetinhos, eu achei bem interessante, porque eles foram fazendo a comparação de uma fala para outra, então dizia aqui tem tá, mas não é tá né tia? É está. Aí, eu achei bem interessante essas atividades e quando se trabalha a tirinha também, porque a gente vê quando uma atividade surte efeito, quando eles gostam, foi essa questão aqui dos bilhetes eu achei que eles não iam conseguir responder essa questão aqui da linguagem informal que é mais espontânea e foi tão interessante que eles me surpreenderam, começaram respondendo direitinho, do jeito deles, mas responderam direitinho essa atividade eu achei bem, bem interessante e também eu não sei se cabe, mas quando eu trago as tirinhas também, porque como é gibi né, e nas atividades é tiradas as tirinhas para eles, eles gostam bastante de, de falar do jeito que Chico Bento fala, eles dizem ó tia Chico Bento é da roça, aí eu vou e trabalho com eles, mas nem todo mundo que é da roça hoje em dia fala como Chico Bento né, nem todo mundo fala daquele jeito, a gente precisa saber se expressar melhor, não dizendo que o que ele fala, quem tem sua variação não se expressa, mas que hoje em dia já não se fala assim mais, eles gostam bastante, faço perguntas orais, perguntas escritas, como essa que eu falei na oralidade será que hoje em dia ainda se fala desse jeito, Chico Bento tá errado, a pronúncia dele tá errada, tá não tia, aí teve até um que disse assim, mas se a gente estuda, a gente têm que falar melhor né, aí, eu disse que é, é dessa forma que eu faço, assim é sempre nessa questão, vou sempre tirando deles, vocês acham isso, vocês acham que tá errado e quando dizem que tá, aí a gente vai mostrar a eles, até teve um que disse ó tia, eu acho que ele já tinha escutado, vassoura e bassoura tá errado, aí eu vou explicando não, na variação não está errado, mas se a gente for produzir a gente precisa

escrever melhor, eu sempre tô fazendo essas abordagens simples, mas que surtem efeito.

A P2 cita como exemplos de atividades que trabalhou com seus alunos, atividades do livro didático que continham bilhetes, através das quais os alunos podiam comparar a norma padrão com a variação linguística. Notamos que nesse trabalho a docente busca mostrar aos alunos o que é a variação, sendo assim não está querendo corrigir a variedade linguística estigmatizada para norma culta da língua, mas orientar aos alunos quanto à existência da variação linguística. A docente citou também o trabalho com tirinhas, o interessante é que segundo a mesma ao abordar as tirinhas os alunos colocam que o personagem Chico Bento é do campo e a docente possui a sensibilidade para mostrar aos seus alunos que nem todas as pessoas que residem no campo se expressam como o Chico Bento, sendo assim revela mostrar que a fala do Chico não reproduz fielmente o modo de falar de pessoas do campo, pois a fala do Chico é somente uma tentativa de representação da nossa fala.

A docente ainda ressalta que realiza perguntas orais e escritas, assim percebemos que a mesma busca trabalhar com os seus alunos tanto a linguagem oral, quanto a linguagem escrita. O que é relevante, pois ambas se fazem presentes de forma constante em sala de aula na abordagem das disciplinas escolares. A P2 também mostra realizar a conscientização de que a forma de falar e escrever deve ser adequada ao contexto de interação verbal. E de acordo com Bortoni-Ricardo e Dettoni

[...] o uso do português popular em sala de aula, que em muitos casos é motivo para discriminação e desvalorização de seus usuários, é um problema que pode ser bem administrado por professores, quando desenvolvem estratégias, intuitivas ou intencionais, de ajustamento das crianças falantes dessa variedade à cultura escolar (2001, p. 83).

Porém, percebemos que em sua fala em alguns momentos a docente valoriza a norma padrão e em outros ressalta que a variação linguística não se trata de erro, demonstrando uma certa contradição em seu discurso.

Quando solicitamos sugestões de atividades para trabalhar com a variação linguística obtivemos da P1 a seguinte resposta

Eu acho que assim, texto escrito por alunos de outros estados ou até vídeos pra eles assistirem e perceberem a fala, o modo de falar de cada região, seria interessante vídeos, textos para eles perceberem né, a diferença, a variação linguística de cada região, eu sugeria isso.

Diante da resposta da docente, notamos que ela reconhece a existência da variação na linguagem escrita e na falada, e ressalta como relevante o trabalho com o texto escrito por falantes de regiões distintas, assim como vídeos os quais de fato a linguagem oral pode ser estudada em sua forma mais espontânea. No entanto, a docente sugere evidenciar somente uma das dimensões da variação dialetal, no caso em questão os dialetos na dimensão territorial. Assim, notamos que a concepção de variação linguística que a docente possui é restrita.

A P2 respondeu da seguinte maneira

Eu sugeria como eu faço na minha sala né, trabalhar o texto, fazer a reescrita do texto, como, nos bilhetes, fazer a reescrita como a gente fez a reescrita dos bilhetes, depois pedi para que eles pesquisem, façam pesquisa e listem as palavras de várias regiões, as palavras daqui de nossa região, se fala desse jeito aí em outra região, tem o mesmo sentido, eu sugeria isso, até eu sugeri, mas como meus alunos não tiveram muito acesso a internet, porque você vê isso mais na internet né, eles não, não conseguiram realizar atividade, mas eu sugeria isso, e as tirinhas, leitura, tem até uma música que eu não trabalhei, mas eu vou pesquisar ela, uma música de Luiz Gonzaga que é muito boa para trabalhar a variação linguística, aí eu não trabalhei ela, mas eu vou pesquisar vê se eu consigo encontrar, porque vai ter é a semana que vem e se eu não me engano, nós vai ter alguma coisa sobre variação linguística no planejamento e eu vou ver se consigo colocar no plano para trabalhar com eles, Assum Preto, pronto eu vou ver se consigo ela escrita para trabalhar com eles.

A docente sugere o trabalho com texto, no entanto diferente da P1 que demonstra que é para os docentes perceberem as diferenças dialetais, a P2 propõe a reescrita do texto, deixando transparecer que nesse caso a variação linguística seria algo passível de correção, no entanto, quando ela sugere que os discentes realizem pesquisa sobre palavras que são pronunciadas de maneira diferente pelas pessoas demonstra querer que os discentes percebam que a variação é um fenômeno linguístico inevitável. A docente ainda ressalta que sugeriria a leitura de tirinhas, que acreditamos que deve ser usada pela docente para que os leitores percebam mais nitidamente o uso da norma não padrão e ainda coloca o trabalho com letras de músicas, que pode ser produtivo se bem conduzido, no entanto no caso da P2 seria proposto somente a reescrita da letra que encontra-se escrita na norma não padrão da língua para a norma culta, revelando dessa forma valorizar a norma padrão e conceber a variação linguística como algo a ser corrigido. E segundo Votre “As formas socialmente prestigiadas são semente e fruto da literatura oficial, que as transforma em língua padrão. Estão reguladas e codificadas nas gramáticas normativas, em que adquirem o estatuto de formas corretas, a

serem ensinadas e internalizadas através de longo processo escolar” (2015, p. 51-52). Por isso, o uso da norma padrão acaba sendo valorizado como o mais adequado no contexto escolar.