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Como nem todas as pessoas frequentaram a escola, não tiveram acesso à aprendizagem das variedades linguísticas de prestígio. Essas diferenças nas estruturas sociais e nos valores culturais influenciam o comportamento linguístico dos falantes. O primeiro contato linguístico das crianças acontece no lar com sua família a qual, muitas vezes, não

utiliza variedades prestigiadas por não ter tido acesso à escola e à criança, consequentemente, irá falar de forma semelhante à da sua família, porém, pode ter no seu processo de escolarização acesso à variedades prestigiadas e se tornar competente no uso destas variedades, além de já ser competente na variedade linguística de sua família e do seu grupo social.

O fato de haver, na sociedade, grupos que não usam as variedades linguísticas prestigiadas acarreta preconceito social em relação à forma de falar de determinados grupos e pessoas que, como integrantes de classes menos favorecidas, não tiveram acesso aos mesmos instrumentos dos integrantes das classes ditas privilegiadas e são excluídas pela sua maneira de falar, segundo Bagno

Se dizer Craúdia, praca, pranta é considerado “errado”, e, por outro lado, dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado “certo”, isso se deve simplesmente a uma questão que não é lingüística, mas social e política – as pessoas que dizem Cráudia, praca, pranta pertencem a camadas sociais desprestigiadas, marginalizadas, excluídas, que não têm acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada “feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola (1999, p. 58).

De acordo com esse autor, a exclusão social que sofrem determinadas pessoas por sua situação econômica desfavorecida reflete também na língua que elas utilizam, ou seja, se o fato de ser “pobre” resulta em avaliações sociais desfavoráveis, a língua que pessoas menos favorecidas economicamente usam, consequentemente, também resulta. Acontece, dessa forma, a exclusão social através da variação linguística, pois não é levada em consideração a heterogeneidade da língua, a diversidade no repertório linguístico das diferentes comunidades e pessoas. E como reforça Bagno

A língua é lugar e meio de conflito, porque a sociedade em que vivem os seus falantes também é conflituosa. Embora o linguista diga que NÓS VAI e NÓS VAMOS são variantes, isto é, “duas formas diferentes de dizer a mesma coisa”, o uso de cada uma delas comunica coisas que não são “as mesmas” para quem ouve a construção gramatical A e a construção gramatical B – comunica a origem social de quem fala A ou B, seu status socioeconômico, seu prestígio ou desprestígio na hierarquia da comunidade, sua inserção maior ou menor na cultura letrada, sempre mais valorizada que a cultura oral... (2007, p. 83).

Assim, as formas de expressão utilizadas pelas pessoas de classes sociais favorecidas se diferencia das formas de expressão usadas pelas pessoas que não possuem prestígio social econômico. É que segundo Votre

O modo de comunicação das pessoas desprovidas de prestígio econômico e social tende a ser coletivamente avaliado como estigmatizado. A forma estigmatizada é interpretada como inferior, em termos estéticos e informativos, pelos membros da comunidade discursiva (2015, p. 52).

Assim, enquanto as pessoas podem ser valorizadas socialmente por fazerem uso de certas formas de expressão, podem ser estigmatizadas socialmente pela utilização de outras. Mas, vale ressaltar que Alkmim considera que “[...] julgamos não a fala, mas o falante, e o fazemos em função de sua inserção na estrutura social” (2012, p. 44). Essa afirmação estáde acordo com Bagno quando este autor afirma que

[...] os julgamentos linguísticos são sempre, no fundo, julgamentos sociais: se a minha classe social, privilegiada, usa uma forma condenada pela gramática normativa, o problema está na gramática normativa; mas se a forma não normativa é usada pelos falantes desprestigiados, então é “erro” mesmo... (2007, p. 177).

Dessa forma, a diferença linguística é transformada em “erro”, o que por sua vez evidencia a existência de uma enorme discriminação linguística, pois como nota-se nem todas as variedades linguísticas são respeitadas como deveriam ser. Na perspectiva de Gnerre

Segundo os princípios democráticos nenhuma discriminação dos indivíduos tem razão de ser, com base em critérios de raça, religião, credo político. A única brecha deixada aberta para a discriminação é aquela que se baseia nos critérios da linguagem e da educação (2009, p. 25).

Ou seja, se faz presente na sociedade uma discriminação linguística, a qual muitas vezes é negada, mas fácil de ser identificada, por exemplo, em programas de TV, redes sociais, piadas, etc, que tratam as variedades estigmatizadas como algo cômico. E também segundo Scherre

É comum cidadãos extremamente conscientes das questões cidadãs serem preconceituosos em termos de linguagem e, portanto, discriminadores dos humanos que não dominam as formas legitimadas pelas elites e, naturalmente, não dominam gramáticas normativas. Todos vêem com clareza que grupos dominam e exploram outros grupos economicamente; mas não vêem com

clareza a dominação lingüística, decorrente, em grande parte, da dominação econômica (1999, p. 24).

Então, o preconceito e a discriminação linguísticos, muitas vezes, acabam ocorrendo de forma mais discreta em relação a outras formas de preconceito e discriminação presentes na sociedade. E na própria escola, instituição a quem apesar de caber o papel de ser um espaço para acolher e trabalhar com a diferença, o preconceito e a discriminação linguísticos se encontram presentes, assim como lembra Soares

É o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as diferenças entre grupos sociais e que gera discriminações e fracasso: o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de variantes lingüísticas social e escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos lingüísticos e leva a dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a variante- padrão socialmente prestigiada (2008, p. 17).

Dessa forma, o preconceito e a discriminação linguísticos quando acontecem no contexto escolar causam danos ao processo de aprendizagem dos alunos e geram exclusão social, pois os estudantes que não fazem uso das variedades prestigiadas acabam, por exemplo, sendo excluídos das diversas situações comunicativas que o exigem. Gnerre mostra como exemplo dessa exclusão o fato de que “A linguagem pode ser usada para impedir a comunicação de informações para grandes setores da população. Todos nós sabemos quanto pode ser entendido das notícias políticas de um Jornal Nacional por indivíduos de baixo nível de educação” (2009, p. 21).

Quando os alunos chegam à escola, eles já utilizam bem sua língua materna, necessita- se, apenas, que o acesso às variedades prestigiadas aconteça de forma que não exclua nem condene as variedades que eles já utilizam. Portanto, assim como Bagno também esperamos que se os professores

[...] tiver a boa sorte de ouvir um “ingrês”, um “trabaio” ou um “nós que” em sua sala de aula, [...] que saiba aproveitar essa oportunidade para combater o riso debochado e preconceituoso e promover a autoestima linguística de seus alunos. Mostre a eles de onde vêm esses fenômenos, esclareça que não se trata de “erros”, mas de formas perfeitamente explicáveis com base num bom conhecimento da história da língua e de seu funcionamento. Chame a atenção deles para as consequências sociais do uso dessas regras variáveis e garanta a eles, também, o conhecimento das regras prestigiadas, para que eles possam, se quiserem, usá-las como instrumentos em sua luta por uma vida melhor, mais digna e mais justa (2007, p. 224).

Assim, os alunos precisam conhecer e saber usar as variedades prestigiadas, no entanto, sem que a variedade que já utilizam seja desrespeitada, pois entendemos que a escola tenha por objetivo ensinar as variedades prestigiadas, mas defendemos que também tenha por objetivo abordar as variedades não prestigiadas. Visto que na perspectiva de Soares

Um ensino da língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre a escola e a sociedade, o direito que têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de prestígio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais (2008, p. 78).

Enfatizamos também que quando os professores respeitam a forma de falar de seus alunos e não tratam a língua como algo pronto, reconhecendo as inovações linguísticas, possibilitam aos alunos terem segurança linguística ao falarem e a escola precisa possibilitar aos alunos cada vez mais se expressarem de forma competente. Pois, como afirma Bortoni- Ricardo “[...] o falante necessita desenvolver recursos comunicativos, de forma sistemática, por meio da aprendizagem escolar” (2004, p. 78).

Na seção, a seguir, discorreremos sobre a variação linguística e sua interface com a cultura, a sociedade e a política, visto que a língua é um fenômeno social.