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Com base em seu objetivo geral, esta pesquisa pode ser classificada como qualitativa, pois visa investigar um determinado contexto social a fim de melhor entender as dinâmicas ali presentes. (FLICK, 2009).

Assistimos a um processo contínuo de propagação de pesquisas qualitativas em diversas disciplinas, e esse grande interesse manifestado nas últimas décadas se justifica pelo contexto de mudança social acelerada, com a pluralização de estilos de vida e de padrões de interpretação na sociedade moderna e pós-moderna. Nesse contexto, as metodologias dedutivas tradicionais fracassam, pois não dão conta da diferenciação dos objetos.

Flick (2007) destaca alguns aspectos essenciais da pesquisa qualitativa, a começar pela apropriabilidade de métodos e teorias, o significa dizer que o objeto em estudo é fator determinante para a escolha do(s) método(s) e da(s) teoria(s), e não o contrário. Essas escolhas devem estar baseadas, preferivelmente, na natureza do problema real de pesquisa que se tem em mãos. Outro aspecto relevante diz respeito às perspectivas dos participantes e sua diversidade. Os(as) pesquisadores(as) qualitativos(as) estudam o conhecimento e as práticas dos(as) participantes, levando em consideração que os pontos de vista e as práticas no campo são diferentes devido às diversas perspectivas e contextos sociais a ele relacionados.

A pesquisa qualitativa é caracterizada também pela reflexividade: a subjetividade do(a) pesquisador(a) e daqueles(as) que estão sendo estudados(as) não é vista como uma variável que interfere na pesquisa, mas como parte explícita da produção de conhecimento. Muitos elementos subjetivos são envolvidos e influenciam o processo interpretativo da pesquisa, como a biografia pessoal (a classe social, o gênero, a raça), os elementos da cultura

e da comunidade. Finalmente, a variedade de abordagens e métodos refere-se ao fato de que a pesquisa qualitativa não se baseia em um conceito teórico e metodológico unificado, mas une diversas abordagens que se diferenciam em suas posições teóricas, no modo como compreendem o objeto e em sua escolha metodológica. Três perspectivas se destacam como as principais:

A tradição do interacionismo simbólico trata do estudo dos significados subjetivos e da construção individual de significado. A etnometodologia interessa-se pelas rotinas da vida cotidiana e na produção dessas rotinas. As posturas estruturalistas ou psicanalíticas partem de processos de inconsciência psicológica ou social (FLICK, 2007, p. 68).

Na seção seguinte, falarei sobre outro ponto que merece atenção e é amplamente discutido na literatura sobre métodos de pesquisa nas ciências sociais, a saber, a questão da qualidade na pesquisa qualitativa.

4.1.1 A questão da qualidade na pesquisa qualitativa

A indefinição que persiste quanto ao modo de avaliar a pesquisa qualitativa é um argumento utilizado para questionar a legitimidade desse tipo de investigação. A grande questão que se coloca é se esse tipo de pesquisa deve ser avaliado com os mesmos critérios da pesquisa quantitativa ou se existe alguma forma específica de avaliá-la, seja reformulando os critérios tradicionais, seja formulando critérios alternativos. Nenhuma dessas alternativas apresenta uma solução realmente satisfatória para o problema.

Os critérios clássicos de avaliação da pesquisa quantitativa são a validade e a confiabilidade. A validade é uma medida do grau até onde uma observação demonstra o que parece demonstrar ou, dito de forma simplificada, uma pesquisa é válida se os pesquisadores veem o que acham que veem (FLICK, 2009). Nesse sentido clássico, há problemas para uma aplicação imediata do conceito pela pesquisa qualitativa em geral, e problemas específicos para a pesquisa baseada em observação participante, já que essa técnica é mais suscetível aos vieses das interpretações subjetivas. Segundo Angrosino (2009), os resultados da observação participante são raramente “confirmáveis”, diferindo, assim, da pesquisa baseada em entrevistas, que pode apresentar citações diretas de pessoas da comunidade.

Quero destacar, porém, com base em Davies (1999), que até mesmo as entrevistas podem apresentar-se como técnica de geração de dados nem sempre “confirmáveis”, pois os(as) informantes podem, ao longo da pesquisa, muitas vezes não apresentar consistência

total em suas afirmações ou mesmo variar em suas explicações e interpretações.

Wolcott (1990 apud FLICK, 2007, p. 347) sugere algumas atitudes para garantir a validade quanto aos procedimentos da pesquisa qualitativa. Para ele, “o pesquisador deve abster-se de falar no campo, devendo, em vez disso, escutar o máximo possível. Deve [...] produzir anotações com a maior exatidão possível,[...] devendo iniciar a escrever o quanto antes”.

A confiabilidade, por seu turno, é definida como “uma medida do grau até onde qualquer observação é consistente como um modelo geral e não o resultado de um fenômeno aleatório” (ANGROSINO, 2009, p.79). Nesse caso, também surgem problemas para a transferência direta do conceito tradicional à pesquisa qualitativa, pois os etnógrafos reconhecem que muito do que fazem não é, em última análise, possível de interna replicação. Sobre o tema, Fontenele (2014) também argumenta que nenhum estudo etnográfico é replicável, ainda que conduzido pelo mesmo pesquisador ou pesquisadora. Isso porque “aspectos como o tempo ou a época na qual a pesquisa é desenvolvida podem ser predominantes para a mudança de determinada realidade” (FONTENELE, 2014, p. 103).

Kirk e Miller (1986 apud FLICK, 2009), ao discutir a confiabilidade, concluem que esse critério, tomado em seu sentido clássico, é inútil para avaliar dados qualitativos. Já Angrosino (2009) defende que, mesmo não sendo objeto final de suas análises, pesquisadores qualitativos devem considerar a confiabilidade em suas pesquisas, a qual pode ser atestada em termos de registro sistemático, 6 e repetição regular das observações durante um determinado período de tempo.

Tendo em vista os problemas e as limitações de adotar os critérios clássicos da pesquisa social empírica, alguns autores citados por Flick (2007), tais como Altheide e Johnson (1998) e Mishler (1990), propõem reformular esses critérios de forma apropriada à pesquisa qualitativa. Outros ainda sugerem a formulação de critérios alternativos adequados à cada método. Lincoln e Guba (1985 apud FLICK, 2009), por exemplo, sugerem os critérios veracidade, credibilidade, dependabilidade, transferibilidade e confirmabilidade para a pesquisa qualitativa. Não é interesse deste estudo detalhar cada uma dessas sugestões apresentadas, mas fornecer uma visão geral dessas três formas de buscar solução para o problema da qualidade em pesquisa qualitativa.

As dificuldades de estabelecer critérios de qualidade universais para a pesquisa qualitativa aumentam em vista da sua diversificação, haja vista que esse tipo de pesquisa se desenvolveu em diferentes contextos, com várias escolas teóricas e metodológicas, cada uma delas com diferentes pressupostos, prioridades temáticas e preferências metodológicas. Além

disso, a pesquisa qualitativa atravessa várias disciplinas, tais como a Sociologia, a Educação e a Psicologia, e é aplicada a diferentes áreas, tais como saúde, gestão e administração de empresas e avaliação qualitativa.

Para além dos critérios de qualidade descritos anteriormente, há estratégias que podem ser aplicadas para administrar e promover a qualidade na pesquisa qualitativa. Flick (2009) enumera e discute três dessas estratégias: a amostragem teórica, a indução analítica e o consenso de membros e públicos. Resumidamente, o autor as define assim:

(...) inclusão e seleção de material empírico no passo da amostragem, uso e tratamento dos casos negativos na indução analítica, chegando até a busca de comentários e consenso de outras partes na verificação por membros e na informação por pares. (FLICK, 2009, p. 54)

Essas estratégias podem ser complementadas com a triangulação, que "consiste no uso de técnicas múltiplas para reforçar as conclusões" (ANGROSINO, 2009, p. 54) e apresenta-se como alternativa para intensificar e assegurar a qualidade da pesquisa qualitativa (GLASER; STRAUSS, 1967). Ao optar por essa combinação, o(a) pesquisador(a) pode checar e comparar constantemente os resultados da observação com a informação oriunda de outras técnicas como as entrevistas e pesquisas em arquivo.

Flick (2007) indica as circunstâncias em que a triangulação de métodos faz sentido. Para ele, o ideal é triangular métodos que possam abrir diferentes perspectivas, como a entrevista e a observação participante – enquanto o primeiro é direcionado ao conhecimento dos participantes, o segundo aborda as práticas observáveis dos membros. Pode-se também combinar métodos que operem em níveis distintos, a exemplo dos grupos focais, de contexto interativo, com entrevistas, de contexto individual.

A triangulação metodológica, como estratégia para a promoção da qualidade, é um processo intrínseco à etnografia em geral e “dá uma boa margem de segurança contra os vieses que podem advir da observação ‘pura’” (ANGROSINO, 2009, p. 83). Porém quero destacar que a sua função, mais do que a validação dos resultados obtidos na pesquisa, é o maior enriquecimento da produção do conhecimento.

Além disso, a triangulação não se limita à combinação de diversos métodos, Denzin (2003 apud FLICK, 2007) sugere a existência de quatro diferentes tipos de triangulação. Além de empregar métodos distintos para a produção de dados, ele recomenda que sejam envolvidos na pesquisa diferentes observadores ou entrevistadores e que eles recorram a diversas fontes de dados – datas e locais diferentes a partir de pessoas diferentes -,

e vários pontos de vista teóricos para a sua abordagem. Em síntese, ele considera que a triangulação do método, do investigador, dos dados e das teorias é uma estratégia estável para a formulação das teorias na pesquisa qualitativa.

Em minha pesquisa, articulo o método de observação – perspectiva da pesquisadora - com as entrevistas semiestruturadas e os diários de participantes – perspectiva dos sujeitos pesquisados. Além disso, proponho uma triangulação teórica através da integração entre a Teoria Social do Letramento e a Análise de Discurso Crítica e uma triangulação de dados, na medida em que entrevisto diferentes pessoas em diferentes momentos do Curso de Mestrado Profissional em Letras.

A seguir, explicito a abordagem específica de pesquisa qualitativa adotada neste trabalho.