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Na primeira etapa desta pesquisa etnográfico-discursiva, realizei uma análise preliminar, na qual fiz um primeiro contato com algumas mestrandas do Profletras por e-mail e marquei um encontro. Estabelecemos uma conversa informal e a seguir conduzimos uma entrevista semiestruturada. Essa primeira aproximação com as participantes teve o intuito de fazer uma sondagem, para conhecimento prévio da realidade a ser pesquisada e uma compreensão geral dos assuntos a serem abordados pelas questões de pesquisa, bem como testagem de um dos instrumentos. Não o denominei de estudo piloto porque esse geralmente trata-se de um estudo sem valor acadêmico que antecede a investigação. Ao contrário, os dados e resultados obtidos na análise preliminar foram úteis na condução da pesquisa e ampliados, através de uma segunda entrevista.

Dois meses depois, iniciei o trabalho de campo, acompanhando duas disciplinas do programa no período de dois meses do semestre letivo, o que equivale a oito aulas de cada disciplina. Para a realização dessa etapa, inicialmente, apresentei-me às professoras de cada disciplina, expliquei o porquê da minha presença e, principalmente, os objetivos da pesquisa. Em seguida, fui apresentada às turmas pelas professoras e tive a oportunidade de fazer uma auto apresentação. Nesse momento, agradeci a atenção e expliquei a pesquisa com o intuito de sensibilizá-los(las) a colaborar. A cada aula observada, eu elaborava as notas de campo, um cuidadoso registro de dados sistematicamente organizados, os quais serviram para fundamentar a análise.

Destaco aqui o primeiro desafio que enfrentei no desenvolvimento de minha pesquisa de campo. Uma das professoras a quem eu pedi autorização para acompanhar como ouvinte a disciplina mostrou-se um pouco incomodada com a minha presença, apesar de ter dito que era indiferente. Apresentou-me à turma como uma “espiã”, em tom de brincadeira, mas de certa forma, expressando a sua visão sobre a presença de um(a) observador(a) externo(a) ao grupo. Por conseguinte, a turma também me recebeu com certa desconfiança, e apesar de fazer parte da mesma instituição que os sujeitos pesquisados, o fato de eu fazer parte do Mestrado Acadêmico, acredito, gerou a impressão de que eu estava ali como alguém que se julgava superior, com o intuito de avaliar o programa de mestrado profissional. Porém passado o estranhamento inicial, a relação com a turma se desenvolveu de maneira satisfatória, com vários momentos de integração minha ao grupo.

Tendo me familiarizado com as duas turmas, fiz o convite por e-mail para participação na pesquisa. Nessa comunicação, esclareci para os participantes os objetivos e

procedimentos da pesquisa, bem como enfatizei a garantia de sigilo de suas identidades e o uso específico dos dados obtidos para a realização da dissertação e publicações científicas. Alguns cursistas responderam afirmativamente o e-mail, outros indicaram a aceitação pessoalmente quando nos encontramos durante as aulas; uma parcela não respondeu e uma cursista recusou o convite, apresentando como justificativa a falta de tempo.

Meu intuito, expresso no projeto de pesquisa, era ter uma amostra de 10 participantes e, inicialmente, eu consegui o consentimento de 10 cursistas. Porém duas participantes acabaram desistindo no decorrer das etapas, um direito que lhes é reservado. Em uma etapa de replanejamento, conclui que a amostra de 8 participantes era representativa da realidade investigada, baseando-me nas orientações que recebi da banca na etapa de qualificação do projeto, que me alertou para o volume de textos a analisar. Eu teria, então, nesse novo cenário, 16 transcrições de entrevistas e 8 diários de participantes, totalizando 24 textos, uma amostra que me permitiria realizar uma análise em profundidade, característica almejada na pesquisa qualitativa.

O passo seguinte era marcar dia e horário para a realização da primeira entrevista com aqueles(as) que aceitaram participar. Destaco aqui outro desafio que enfrentei para finalizar essa etapa da pesquisa: os cursistas não tinham tempo disponível para esse encontro, uma vez que trabalhavam de segunda à quinta e às sextas tinham aula durante todo o dia. Muitos(as) deles(as) abdicaram de seu intervalo de almoço para colaborar na pesquisa.

Na condução das entrevistas, destaco outro desafio para os(as) pesquisadores(as) etnográficos(as), tal como apontado por Fontenele (2014), qual seja: o de contrabalançar nossa vontade de deixar os(as) participantes falarem livremente com a necessidade de direcionar as perguntas semiestruturadas para responder nossas questões de pesquisa. A fim de alcançar esse equilíbrio, as entrevistas com os(as) participantes foram guiadas por tópicos norteadores, mas sem seguir uma sequência rígida de perguntas e respostas, permitindo, assim, que cada um(a) falasse o que considerava importante. O roteiro para a entrevista foi elaborado desde a análise preliminar, tomando por base as questões norteadoras da pesquisa34. Além de questões iniciais de identificação, as perguntas foram divididas em dois grandes tópicos: letramentos e identidades acadêmicas; letramentos e identidades docentes. As entrevistas foram realizadas, uma de cada vez, na própria instituição pesquisada em salas que foram disponibilizadas especialmente para esse propósito com o objetivo que todos(as) os(as) participantes pudessem ficar o mais à vontade possível para desenvolver seus relatos.

Na realização das entrevistas, foi possível perceber que os(as) participantes estavam bem à vontade e acabaram por fornecer relatos bem detalhados de suas vidas profissionais e acadêmicas e de sua rotina diária. A familiaridade surgiu entre pesquisadora e participantes, tendo em vista que já haviam estabelecido um convívio próximo durante as observações, mas não só por isso. Possivelmente, colaboraram também para essa relação mais próxima o fato de ambos – pesquisadora e sujeito pesquisado – compartilharem da mesma profissão e das mesmas dificuldades em conciliar trabalho e estudos. Outro fator que pode ter contribuído para deixar os(as) participantes confortáveis durante as entrevistas foi sua vontade mesmo de relatar algumas dificuldades encontradas, como a desvalorização salarial e a impossibilidade de afastamento para estudos, de modo que se utilizaram da pesquisa como veículo para reivindicar melhorias e mudanças na continuidade do programa.

Na ocasião da realização das entrevistas, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)35, o qual foi anteriormente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, apresentando um resumo dos objetivos do projeto de pesquisa e dos métodos de geração de dados e firmando compromissos éticos que atendem as normas previstas na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Os relatos de entrevistas foram gravados e transcritos, de acordo com os parâmetros de transcrição já descritos na seção 4.4.2 do capítulo 4. Essa etapa das transcrições demandou um trabalho difícil e demorado, apesar de eu ter escolhido um sistema de transcrição razoavelmente econômico, que pode ser considerado adequado por mostrar aspectos não-linguísticos relevantes, tais como justaposições entre falantes, pausas e silêncios (FAIRCLOUGH, 2001).

Depois de ter realizado a primeira entrevista, propus-lhes a técnica do diário de participante, apresentada como um relato diário que eles/elas deveriam fazer das experiências de leitura e escrita durante duas semanas e uma reflexão de como essas leituras interferiam (se interferiam) na forma como viam a profissão de professor e na forma como atuavam como docentes. Embora as aulas ocorressem somente às sextas-feiras, os(as) cursistas foram orientados(as) a relatar também as atividades de leitura e escrita em outros dias da semana, tanto aquelas relacionadas a alguma disciplina, como ao projeto de pesquisa do mestrado ou a qualquer outro fim. Entreguei pessoalmente e também enviei por e-mail os formulários- modelo do diário de participante36, que eles deveriam preencher, manual ou digitalmente, respondendo a duas perguntas. Alguns(as) cursistas entregaram a versão escrita, outras

35 O TCLE está disponível no Anexo B.

enviaram o diário por e-mail, alguns demoraram mais para a sua elaboração, alegando como causas a falta de tempo e as diversas atribuições de final de semestre, mas com exceção de um participante todos preencheram o diário.

De posse dos diários e tendo já analisado a primeira versão das entrevistas, no semestre seguinte, voltei a entrar em contato para marcar a segunda entrevista, porém mais uma vez tive grande dificuldade em concluir essa etapa, pela compreensível falta de tempo dos sujeitos pesquisados. Outra dificuldade sentida diz respeito a indefinição quanto ao modo de conduzir a entrevista nesse segundo momento.

De acordo com Flick (2009), a estratégia de "consenso por parte dos membros" é um possível indicador da credibilidade/validade dos resultados da pesquisa. O autor traz algumas versões dessa técnica, sobre as quais passo a discorrer. Baseando-se em Groeben e Scheele (1988), Flick (2009) apresenta a técnica da entrevista semipadronizada, na qual apresentam-se aos sujeitos pesquisados suas declarações individuais, pedindo que aceitem, rejeitem ou modifiquem essas declarações. O que se apresenta não são os resultados, nem a transcrição da entrevista, e sim uma condensação do que ele/ela disse nela. Lincoln e Guba (198), em sua abordagem denominada “verificação por membros abrangente”, sugerem fazer a verificação por membros no final do estudo sem se referir ao caso individual, e sim aos resultados gerais.

A forma como conduzi inicialmente a segunda entrevista não se filiava integralmente a nenhuma dessas versões; em minhas primeiras experiências, eu apresentei às participantes os resultados parciais a que eu havia chegado ilustrando-os com trechos transcritos da primeira entrevista individual delas; pedia, então, que elas se posicionassem, concordando ou não com as minhas interpretações. Porém o que observei foi que a transcrição das falas constrangeu uma das participantes, o que acabou interferindo em seu comportamento durante a segunda entrevista. Repensei a minha conduta e decidi, então, sumarizar os resultados de forma geral, sem apresentar trechos transcritos dos relatos de entrevistas; usei as seguintes perguntas norteadoras: "Você considera que sua posição está representada no resultado? O que está faltando para você?". Pretendia, dessa maneira, tornar a análise mais dialógica e dar um retorno dos resultados preliminares aos participantes. A segunda parte dessas entrevistas era focada nos diários de participantes, elucidando dúvidas e ampliando a compreensão do que os participantes haviam registrado.

Ao final dessa segunda entrevista, muitos(as) participantes mostraram-se bastante satisfeitos(as) com a análise empreendida, e afirmaram ter se identificado muito com os resultados provisórios apresentados. Para mim, a segunda entrevista representou uma

oportunidade de voltar aos dados e rever muitas das conclusões parciais a que eu tinha chegado, o que demandou uma reformulação de algumas explicações.

Procedi também a um estudo da documentação referente ao Mestrado Profissional, com o intuito de observar as transformações pelas quais passou essa modalidade de educação ao longo do tempo. Ao apresentar as especificações de cada documento, fiz um cruzamento com os dados da observação participante e das entrevistas. Concordo, nesse sentido, com Angrosino (2009, p. 70), para quem se torna “mais fácil acessar e interpretar materiais arquivados quando o pesquisador tem experiência de primeira mão na comunidade em estudo”.

Por fim, procedi à análise, comparando os dados obtidos nos diversos métodos. Aqui também destaco importantes decisões que tive que tomar sobre quais amostras selecionar para a análise, diante de um corpus extenso. Como estratégia de seleção, Fairclough (2001) recomenda focalizar “pontos críticos” na amostra, também denominados “momentos de crise”, que são momentos do discurso onde há evidência de que as coisas estão caminhando de maneira errada. Guiando-me por essas orientações e, mediante leitura prévia das entrevistas e dos diários de participantes, foi possível selecionar amostras para uma análise detalhada.

Apresento a seguir um quadro-resumo de todos os procedimentos adotados na pesquisa:

Quadro 8 – Procedimentos Metodológicos

Adiante, discuto um dilema ético referente à relação entre pesquisadores e sujeitos pesquisados, posicionando-me claramente a favor de uma relação “horizontal” e igualitária entre eles.