• Nenhum resultado encontrado

O Mestrado Profissional é uma modalidade que enfatiza, além do saber científico, uma formação voltada aos estudos e técnicas de qualificação profissional, diferenciando-se, assim, do Mestrado Acadêmico. Essa diferença é representada, muitas vezes, de maneira negativa, ou seja, fica perceptível uma tendência a qualificar os Mestrados Profissionais não apenas de uma forma diferente dos MA, mas notadamente de uma forma inferior. Ao analisar alguns estudos que tratam do MP como política pública para o ensino superior, é possível encontrar uma gama de motivos apontados para a rejeição da comunidade acadêmica ao formato diferenciado dos MP. Além de contemplar essa discussão, pretendo, nesta seção, endossar o combate, já empreendido por outros teóricos, à falsa dicotomia que se criou entre os cursos de orientação acadêmica e os de orientação profissional.

De acordo com Piquet (2008), os primeiros cursos de mestrado profissional surgiram em resposta a demandas de agências e empresas que, frente ao novo cenário político-econômico da globalização, na década de 1990, sentiam a necessidade de qualificar seus quadros profissionais. Esses novos cursos, no entanto, contaram, desde logo, com uma enorme rejeição da comunidade acadêmica, que passou a tratá-los como cursos de “segunda linha”, antes mesmo de conhecer as suas especificidades.

autores como n e Piquet (2008)m

Como motivo dessa rejeição da comunidade acadêmica desde a implantação desse tipo de mestrado Piquet (2nesta realizados.” Discordando dessa postura, Ribeiro (2010) aponta uma causa mais geral: o impacto da expansão da educação superior por meio do mercado, conduzida pelo próprio Ministério da Educação, de forma agressiva. Em outras

palavras, oa mercantilização da educação superior no país: )

Segundo Goulart e Ferreira (2016), essa oposição ao modelo profissional seria, na verdade, resultado de diversos aspectos que atuaram de forma conjunta, muitos dos quais já foram discutidos na seção anterior: o termo “profissionalizante” inicialmente usado para caracterizar os MP, muito associado ao Ensino Médio; a divulgação inicial de que esses cursos não permitiriam acesso ao doutorado; a pouca exploração quanto ao que seria aceito como trabalho de conclusão de curso; o autofinanciamento dos cursos; o temor de que professores não doutores fizessem parte desse corpo docente.

Essas são as causas apontadas para uma rejeição inicial, mas o que justificaria a permanência dessa visão negativa depois de transcorridas mais de duas décadas da sua regulamentação? Ribeiro (2010) discute o processo social e histórico brasileiro de separação entre a academia e seu contexto social, trazendo à tona a posição legitimada tradicionalmente pela academia de uma visão dualista de universidade. Essa visão é caracterizada por uma nítida separação entre o público e o privado, em que o âmbito de atuação da academia seria exclusivamente o público, enquanto o seu exterior seria o lugar destinado ao mercado. Nessa discussão, o autor assume que a pureza da ciência postulada pelo credo positivista foi uma das mais fortes influências na construção do campo universitário brasileiro, o que traz, entre outras implicações, uma distinção social severa entre os “nobres” acadêmicos e as pessoas excluídas da formação universitária. O ensino profissionalizante seria visto, nessa perspectiva, como mais “pobre”.

Embora já tenham ocorrido muitas mudanças nos rumos científicos do país, a academia, em muitas áreas, permanece presa à crença em uma aura mítica criada em torno de tal instituição, com os princípios de exclusividade, autoridade, legitimidade e prestígio para os acadêmicos. Em decorrência dessa visão, a integração da universidade à sociedade ainda está longe de ser uma questão consensual, tanto por parte daqueles que integram a universidade, como pela sociedade. Por um lado, há uma postura de defesa da universidade como instituição fechada em “torre de marfim”. Em contrapartida, há a disseminação de um discurso que afirma que a universidade deveria servir à sociedade. Em ambos os discursos se percebe uma relação assimétrica e ainda apartada entre a universidade e a sociedade.

É no contexto dessa discussão que os novos mestrados profissionais podem ter uma contribuição a dar: o surgimento e expansão dos cursos de MP reacendem a discussão sobre essa interação entre universidade e sociedade, uma vez que evidenciam, simultaneamente, “essa relação de apropriação da produção acadêmica pela sociedade assim como de apropriação da reprodução social pela Academia” (RIBEIRO, 2010, p. 440). Essa é

notadamente uma relação dialética: É inegável que a academia segue o modelo construído pela sociedade, e desse modo, a criação desses cursos pode representar um aprofundamento das relações mercadológicas no meio acadêmico. No entanto a universidade não apenas reflete a sociedade, mas também produz sua reflexão. E é justamente essa capacidade reflexiva institucional que possibilita, que esse novo modelo de pós-graduação sirva como uma forma de transformação, distanciando-se do mercado, ao contrário do que é esperado dele.

Alguns estudiosos se posicionam claramente a favor de uma separação bem definida entre as duas modalidades. Ribeiro (2005), ao comentar a questão do autofinanciamento, afirma que não haveria justiça no investimento dos cofres públicos no Mestrado Profissional, por se tratar de transferência de recursos direcionáveis à educação pública. Desse modo, a autora reforça uma visão dualista que separa, de um lado, os mestrados acadêmicos como cursos de conteúdo e direcionamento eminentemente público ou até estatal e, de outro, os mestrados profissionais como cursos de perfil mercantil, voltados para a melhoria de obtenção do lucro, isto é, necessariamente destinados ao domínio da esfera privada. Nessa lógica, somente os primeiros seriam passíveis de receber financiamento público.

Em contraposição a essa concepção dualista, Ribeiro (2010) defende um caráter público para ambos os mestrados. Para tanto, o autor parte da desmistificação de algumas ideias naturalizadas pelo senso comum: Primeiro, os mestrados acadêmicos não estão necessariamente ligados à educação pública, posto que nem todos esses cursos se dedicam a temas de interesse público notório. Outra prova disso é a existência das diversas práticas privatizantes que ocorrem em nome de um universo público, como o exemplo das patentes. Em segundo lugar, os profissionais egressos do MP também não estão totalmente desvinculados da esfera pública, produzindo, por exemplo, pesquisas que debatem formas de melhoria das relações sociais produtivas e reprodutivas não necessariamente mercantis ou privadas.

Essa falsa dicotomia que se criou entre os mencionados cursos traz algumas implicações: ao postular que os perfis dos alunos refletem dois lados separados da sociedade – o público e o privado – entende-se que os alunos de um MP necessariamente devem atuar fora da academia, enquanto os outros devem lá permanecer. Nos dados desta pesquisa essa dualidade também é percebida nas narrativas feitas durante as entrevistas11. Concordo

particularmente com a explicação oferecida por Ribeiro (2010, p. 444), relativa à separação dual entre os produtos dos dois tipos de mestrado. Essa diferenciação está configurada não no mundo das práticas sociais, mas no mundo das ideias. E, de fato, na prática, as diferentes modalidades se confundem, tendo em vista que o mestrado profissional também habilita para o magistério no ensino superior e, da mesma forma, dá acesso aos cursos de doutorado12. Além disso, nas universidades públicas, não há oferta suficiente de trabalho para todos os egressos de programas de pós-graduação acadêmica.

Mais uma vez, negando a tendência dualista entre os mestrados ditos acadêmicos e aqueles ditos profissionais, Moreira (2004) alerta que em ambos os casos estamos tratando de produção de conhecimento por meio da pesquisa e de formação profissional. Os Mestrados Profissionais estão voltados ao aprofundamento da formação profissional e à ampliação da experiência prática, sem deixar de lado a forte base científica, destinada à produção de conhecimento, o que representaria, portanto, um equívoco qualificá-los como não acadêmicos. Do mesmo modo, qualificar os mestrados acadêmicos de não profissionais indica filiação a uma concepção muito restrita de trabalho, como assegura Ribeiro (2010, p. 447, 448):

Essa separação dual entre o acadêmico e o profissional aprofunda o abismo simbólico existente entre o mundo do trabalho e o mundo científico. Ora, considerar a produção científica como não profissional, como não-trabalho, é desconhecer, ou desejar negar, as inúmeras formas de trabalho existentes no mundo. Pensar uma teoria é trabalho.

Fischer (2005) propõe que o mestrado profissional seja valorizado como experiência inovadora, capaz de contribuir para a renovação da pós-graduação brasileira, ao orientar o ensino para a aplicação. Não se quer com isso afirmar que os mestrados profissionais sejam o futuro da academia e que deverão substituir os mestrados acadêmicos, tornando-os obsoletos. Na verdade, o surgimento desses novos programas de MP não tem a finalidade de eliminar ou simplesmente substituir a pós-graduação acadêmica, mas de permitir a oferta simultânea de uma nova forma de se produzir saber no País.

Tenho tratado até agora de Mestrados Profissionais numa acepção mais ampla, contemplando todos os cursos, mas quero agora concentrar-me nos mestrados profissionais em ensino, foco do meu interesse nesta pesquisa. Segundo Fischer (2005), a pós-graduação

stricto sensu, desde a sua gênese, é fortemente orientada à formação de pesquisadores,

enquanto a formação de professores não tem merecido espaço significativo nos cursos de

12 Na seção anterior abordei a regulamentação dos MP, que em sua Portaria Normativa Nº 7, de 22 de junho de

2009 prevê validade e prerrogativas iguais do diploma de mestrado profissional com qualquer diploma de mestre.

mestrado e doutorado:

Nos cursos, conteúdos e métodos de pesquisa são o foco do ensino. Portanto, há iniciação à pesquisa nos mestrados e capacitação para a pesquisa nos doutorados. A formação do professor como profissional não é incorporada aos currículos da maior parte dos cursos (p. 25).

Corroborando essa ideia, Moreira (2004) reconhece a ausência de uma qualificação adequada para professores nos programas de pós-graduação acadêmica que, dirigindo-se à formação de pesquisadores, não atendem, de maneira efetiva, às especificidades dos papéis profissionais - de professor(a) - a serem exercidos. Fica claro, portanto, que os cursos de pós-graduação com orientação acadêmica, em sua maioria, não constituem espaços adequados para que os objetivos de formação de professores sejam alcançados.

Tendo em vista o pouco impacto dos cursos de pós-graduação stricto sensu no sistema escolar, em particular na sala de aula, a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) constituiu, no ano 2000, uma comissão que seria responsável por elaborar uma proposta de mestrado, distinta daquela até então existente, específica para atender às necessidades dos(as) professores(as) de Ensino Médio e Fundamental, bem como das licenciaturas. A proposta elaborada por essa comissão foi intitulada “Mestrado (profissional) em Ensino” e data de 2001.O Mestrado Profissional em Ensino, segundo o texto do documento, deve ter “caráter de preparação profissional na área docente focalizando o ensino, a aprendizagem, o currículo, a avaliação e o sistema escolar” (MOREIRA, 2004, pp. 133,134).

O documento postula algumas características para os cursos no tocante ao público-alvo, currículo, instituições responsáveis pela oferta, duração, formação do corpo docente e avaliação. Entre as diretrizes postuladas, tem-se que: a formação se destina a professores em exercício na Educação Básica e a professores das licenciaturas e de disciplinas básicas no Ensino Superior; o currículo deve contemplar a área específica de conhecimento e a formação didático-pedagógica e as instituições a oferecer os cursos devem ser aquelas com reconhecida capacidade de pesquisa e pós-graduação, segundo critérios da Capes; a integralização curricular deve ocorrer no prazo mínimo de dois anos e máximo de três, sem tirar o docente da sala de aula; a composição do corpo docente prevê, além de doutores, a presença de “profissionais de notório saber na área” e a avaliação deve ser feita por comissão própria da Capes, seguindo o mesmo padrão de qualidade dos mestrados acadêmicos e doutorados e atendendo às peculiaridades dos programas profissionais.

surgimento de propostas de cursos de mestrado profissional em disciplinas de diferentes áreas de conhecimento. Porém, na prática, até o ano de 2004, somente foram apresentados e aprovados projetos na Área de Ensino de Ciências e Matemática. Esses primeiros cursos surgem com o objetivo de qualificar, em nível de mestrado, professores de Física e Matemática, dos níveis fundamental e médio de ensino, das licenciaturas em Física e Matemática e cursos afins, conjugando o aprofundamento do conteúdo e da metodologia necessários à atualização da prática docente. Transcorrida mais de uma década da elaboração desse documento que estimula os projetos de MP em ensino, em 2012, é apresentada e aprovada proposta de curso de mestrado profissional na área de Letras, sobre a qual discorro na seção seguinte.