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Para a triangulação metodológica, selecionei os métodos da observação participante, das entrevistas semiestruturadas e do diário de participante. Todas esses métodos são brevemente descritos a seguir.

4.4.1. Observação participante e notas de campo

A observação participante é descrita por Angrosino (2009, p. 34) como “um contexto comportamental a partir do qual um etnógrafo usa técnicas específicas para coletar dados”. O autor argumenta que a observação participante não é por si mesma um método de pesquisa, mas sim “o papel adotado pelo etnógrafo para facilitar sua coleta de dados. ” (ANGROSINO, 2009, p.53).

Esse papel adotado pelo(a) estudioso(a) na condução da pesquisa é múltiplo, pois ele/ela assume, ao mesmo tempo, o papel de observador (a) objetivo da comunidade em estudo e participante subjetivo(a) daquela fonte. Essa escolha é justificada pela questão da confiabilidade, afinal, a observação de cenários onde os(as) próprios(as) etnógrafos(as) sejam conhecidos dos participantes e onde possam se envolver diretamente nas atividades dará a eles/elas maior capacidade de convencer o público de que sabem o que se passa na comunidade que estudam.

Por meio da observação participante, a presença do(a) observador(a) passa a ser constante e ele/ela passa a fazer parte do grupo, tornando-se parte da situação observada, interagindo com os sujeitos e compartilhando do seu cotidiano. Diante disso, impõe-se a necessidade de algumas habilidades por parte do(a) pesquisador(a), que Tezani (2004, p. 10) resume em:

Estabelecer relação de confiança entre os sujeitos envolvidos, estar sempre disposto a ouvir, formular novas indagações, se familiarizar com o contexto, ser flexível para as devidas adaptações quando se fazem necessárias, ser paciente, tolerar ambiguidades, trabalhar sob sua própria responsabilidade, inspirar confiança, ter autodisciplina, ser sensível aos outros e a si mesmo, guardar confidencialmente algumas informações e realizar ações de aceitação do grupo.

As notas de campo são instrumentos de geração de dados que servem ao registro da observação e devem apresentar a maior riqueza possível de detalhes e o mínimo possível de interpretação. Após as observações, é tarefa do(a) pesquisador(a) fazer as anotações de campo, descrevendo objetivamente detalhes do ambiente de pesquisa, dos participantes, dos eventos (registrados em ordem cronológica), dos comportamentos e interações, bem como das conversas e outras interações verbais. No registro das observações, o(a) etnógrafo(a) deve evitar interpretações e inferências baseadas apenas em aparências e pôr de lado os próprios preconceitos.

Na presente pesquisa adotei a observação participante em um período de dois meses do semestre letivo; elegi duas disciplinas para acompanhar: uma disciplina do 3º semestre, ofertada a alunos(as) da segunda turma do curso e uma disciplina do 1º semestre, ofertada à terceira turma. As notas de campo advindas dessas observações foram utilizadas como um meio de acumular informações e conhecimentos e gerar dados que serviram à reflexão sobre a prática.

4.4.2 Entrevistas

O método da entrevista pode ser considerado como uma extensão lógica da observação e um meio de aprofundar os conhecimentos sobre o campo de pesquisa, uma vez que permite ao(à) pesquisador(a) comparar o que ele/ela observou no dia a dia do grupo pesquisado e as afirmações dos membros do grupo. Além disso, oferece a possibilidade de retomar e esclarecer, através de perguntas, dados que foram observados – eventos, comportamentos, pontos de vista expressos.

Como já dito na seção 4.1.1, a entrevista constitui-se como uma forma de geração de dados mais direta do que aquela que tem sua origem somente das observações, pois pode apresentar citações diretas de pessoas na comunidade. Assim, enquanto as entrevistas apresentam as experiências de vida dos indivíduos a partir de seu próprio ponto de vista, as observações se sustentam a partir do ponto de vista dos investigadores como agentes externos. Conjugar essas duas técnicas significa, então, adotar uma perspectiva ao mesmo tempo êmica e ética na interpretação dos resultados da análise.

Para adotar esse método, “o pesquisador já deve saber algo sobre a história do grupo, deve ter estabelecido uma certa convivência que o ajude a transpor o estranhamento normalmente existente entre os participantes de uma pesquisa etnográfica e o pesquisador” (FLICK, 2009, p. 53-54). Seguindo essa orientação, realizei as entrevistas deste estudo

somente depois que ter dado início às observações participantes, com exceção das entrevistas realizadas na análise preliminar. Para compreender melhor a entrevista etnográfica como método de geração de dados, passo a discorrer sobre algumas características elencadas por Angrosino (2009)

Primeiramente, a entrevista é aberta, isto quer dizer que ela “flui interativamente na conversa e acomoda digressões que podem bem abrir rotas de investigação novas, inicialmente não aventadas pelo pesquisador” (ANGROSINO, 2009, p. 62). Acredita-se ser mais provável que o ponto de vista dos sujeitos entrevistados seja expresso em uma situação de entrevista com um planejamento relativamente aberto do que em um questionário, por exemplo. A entrevista também é feita em profundidade porque é realizada individualmente, mas não é uma mera versão oral de um questionário, pois objetiva capturar as áreas obscuras que podem escapar às questões de múltipla escolha.

A entrevista é semiestruturada: o(a) pesquisador(a) prepara com antecedência certos questionamentos básicos, apoiado(a) em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa; essas questões não devem ser engessadas, mas servir de roteiro para os assuntos principais da conversa. O(a) investigador(a) tem uma participação ativa, pois, apesar de observar um roteiro, ele/ela pode introduzir outras questões, fruto de novas hipóteses que vão surgindo na interação com o(a) participante.

As entrevistas que realizei desde a análise preliminar foram guiadas por tópicos norteadores, definidos com base nas questões de pesquisa. Embora orientadas por tópicos, as entrevistas não seguiram uma sequência rígida de perguntas e respostas, dando aos participantes a liberdade de falar o que consideravam importante. Tomei o cuidado de evitar questões fechadas, do tipo que conduzem a respostas de sim/não, por entender que as questões abertas possibilitam o surgimento de tópicos não previstos.

Magalhães (2006, p. 87) sugere a realização de duas entrevistas durante o estudo, tendo em vista que, geralmente, “no início da pesquisa os participantes, ainda pouco familiarizados com o gênero entrevista, falam pouco, enquanto na segunda entrevista, costumam fazer relatos significativos sobre suas experiências no ambiente familiar, acadêmico e profissional”. Optei pela técnica da segunda entrevista, não somente como forma de ampliação dos dados, mas como uma estratégia de validação por parte dos membros e como meio de ampliar a minha compreensão dos registros feitos nos diários de participantes.

Essas entrevistas foram gravadas em áudio, transcritas e analisadas em conformidade com as categorias que discutirei logo mais. As convenções para transcrição de fala seguiram, principalmente, as orientações de Magalhães (2000, p. 15), com acréscimo do

sublinhado para indicar ênfase minha em algum trecho de interesse na análise: Quadro 6 – Convenções para transcrição

CONVENÇÃO SIGNIFICADO

/ Interrupção no fluxo da fala

(...) Parte da conversa foi omitida

MAIÚSCULAS Ênfase

[ ] Fala simultânea

(ininteligível) Alguma parte da fala não pôde ser

entendida

... Pausa na fala

Entre hífens Repetição

Fonte: Adaptado de Magalhães (2000, p. 15).

Os textos advindos das entrevistas transcritas constituíram o foco de minha análise, bem como os textos produzidos nos diários de participantes, técnica sobre a qual discorro a seguir.

4.4.3 Diário de Participantes

Esse método etnográfico consiste, com base em Jones, Martin-Jones e Bhatt (2012), no desenvolvimento de um diário escrito pelos participantes, documentando eventos reais de sua rotina, relevantes para as questões de pesquisa. Considerando que a literatura sobre metodologia de pesquisa nas ciências sociais geralmente faz referência a esse método como fonte complementar de dados, os autores se propõem a explorar o potencial do uso de diários de participantes e entrevistas no trabalho de campo etnográfico e linguístico. Para tanto, descrevem em detalhes o modo como eles fizeram uso desse método em dois diferentes projetos etnográficos, ambos estudos sobre letramentos multilíngues.

A vantagem que se apresenta em relação a outros métodos é que o(a) pesquisador(a) pode ter acesso às vivências cotidianas dos participantes documentadas por eles/elas mesmos(as). Em comparação com a técnica da entrevista etnográfica, os autores argumentam que, no uso desse método, geralmente impõe-se a perspectiva do(a) pesquisador(a), apesar do esforço empreendido na tentativa de dar aos participantes a liberdade de introduzir tópicos que julgam relevantes. Além disso, as entrevistas podem estabelecer relações desiguais, em que o(a) pesquisador(a) toma todas as decisões e ao

participante cabe apenas o papel de fornecer informações. Embora essa assimetria de poder possa ser atenuada pela escolha do tipo de pergunta, Jones, Martin-Jones e Bhatt (2012) argumentam que o diário de participante se apresenta como um método mais dialógico e colaborativo.

Como um método dialógico, os diários de participantes permitem, ao mesmo tempo, reestabelecer um equilíbrio entre a posição de pesquisador(a) e grupo pesquisado e aprofundar o entendimento dos dados, afastando-se da perspectiva única do(a) pesquisador(a). Em relação ao primeiro aspecto, podemos verificar que os sujeitos pesquisados, posicionados tradicionalmente como ‘objetos’ passivos da pesquisa, podem assumir a posição de ‘sujeitos’ ativos e reflexivos. Além disso, esse método permite estabelecer um diálogo de perspectivas, uma vez que os modos de compreensão dos(as) participantes documentados nos diários podem ser contrastados com as percepções e interpretações do(a) analista.

Como enfatiza Jonsson (2012), a atividade de escrever um diário de participante é dialógica de diferentes maneiras. Em primeiro lugar, o processo de escrever em si mesmo pode ser visto como um "diálogo interno" que ocorre no cérebro do(a) participante. Além disso, os(as) participantes escrevem cientes de que seu texto será lido pelo(a) pesquisador(a) e usado para a pesquisa, tornando a atividade dialógica em um sentido mais amplo. E ainda: os diários não são escritos para a audiência de uma única pessoa, mas para audiências múltiplas, ao permitir que qualquer um que leia a pesquisa “escute” as vozes dos participantes. E o diálogo continua com as entrevistas baseadas nos diários, método sobre o qual discorro a seguir.

Os diários de participantes não excluem a necessidade de outros métodos, pelo contrário, as entrevistas focadas nesses registros permitem uma percepção mais profunda do campo de pesquisa. Em suas pesquisas etnográficas, Jones, Martin-Jones e Bhatt (2012) perceberam que o diário de participante se configurava como um registro incompleto das práticas de linguagem e letramento, tendo em vista que a maior parte das pessoas escrevia muito pouco, fazendo anotações breves, sem o detalhamento necessário à interpretação do(a) analista. Porém esse não foi um motivo de preocupação, pois os(as) pesquisadores(as) estavam conscientes da possibilidade de completar o relato escrito com a discussão feita durante as entrevistas individuais. Nesse sentido, as entrevistas focadas nos diários permitem ao(à) pesquisador(a) obter um quadro mais completo dos eventos relatados, além de permitir o engajamento do(a) participante no diálogo interior, o que geralmente não é contemplado nos diários escritos, de caráter documental.

etnográfica sobre a pedagogia intercultural e a aprendizagem de línguas traz para o campo de estudo outra discussão: o modo como os métodos dialógicos influenciam mudanças no papel do(a) pesquisador(a) etnográfica. Jonsson (2012) percebeu que, na produção dos diários, os alunos e alunas, sujeitos da pesquisa, atribuíam a ela um papel de confidente, pois só tinham compartilhado seus pensamentos sobre alguns dos assuntos relatados com seus amigos mais próximos. Além dessa ligação especial estabelecida entre pesquisadora e estudantes, Jonsson (2012) destaca ainda que a atividade de escrita de um diário foi uma experiência muito pessoal que fez com que alunos e alunas refletissem sobre questões relacionadas ao seu uso da língua, a sua cultura e a suas identidades. Portanto, seu papel como pesquisadora era também o de alguém que lhes oferecia a oportunidade de introspecção e reflexão sobre suas próprias identidades.

Na presente pesquisa, intercalada pelas duas entrevistas, solicitei que os(as) participantes preenchessem os diários, descrevendo suas atividades cotidianas de leitura e escrita. Assim, na segunda e última entrevista, além de retomar questões trabalhadas na primeira entrevista, também inseri questões que se mostraram relevantes nos diários de participantes. No formulário de diário que preparei, os mestrandos e mestrandas deveriam responder duas perguntas: 1) Que atividades de leitura/escrita/discussão de textos foram desenvolvidas no Profletras durante essa semana?; 2) Essas experiências provocaram alguma mudança quanto à sua prática docente, seu modo de ver a profissão, suas crenças, valores e atitudes de professor(a)? Como se vê, além do espaço para documentação das atividades, destinei também um espaço à introspecção e ao autoexame, valorizando primordialmente as reflexões dos participantes sobre as suas práticas de letramento.

Na seção seguinte, discorro a respeito das categorias teórico-metodológicas da Teoria Social do Letramento (TSL) e da Análise de Discurso Crítica (ADC) que me auxiliaram, em conjunto com os métodos etnográficos, na análise dos dados.