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1.2 DESENVOLVIMENTO DA EXPERTISE

1.2.1 Abordagens

Segundo Chi (2006), a abordagem “absoluta” da expertise consiste no estudo de indivíduos excepcionais com o objetivo de entender como eles se desenvolveram em seus domínios. Com o intuito de compreender como esses poucos indivíduos se distinguem de outros, a autora aponta métodos para sua identificação. Tais métodos geralmente são fruto de alguma forma de mensuração, como a avaliação da recepção dos produtos gerados do ato de suas performances, algum tipo de classificação (um torneio, por exemplo) ou por comparação aos

“padrões de ouro” (Hofmann, 1996), documentação que visa o esgotamento do conhecimento em um domínio ou o estabelecimento de padrões e procedimentos por experts seniores, para a utilização por outros profissionais.

A autora declara ainda que, embora a expertise possa ser estudada no contexto de indivíduos excepcionais, nessa abordagem prevalece uma suposição de que esses indivíduos tenham, de alguma forma, mentes ou capacidades superiores, no sentido de que as “qualidades globais de seu pensamento” possam ser diferenciadas. Ela declara ainda que essa linha de raciocínio é estendida ao funcionamento cognitivo provavelmente pelo fato de que em áreas como a música e esportes, por exemplo, a herança genética poder ser um importante fator para que a performance em que o nível de expert seja alcançada. Chi ainda pontua tal raciocínio ao alegar que em suma, a suposição postulada é a de que a grandeza ou a criatividade surgem do acaso ou de um talento inato exclusivo.

Embora essa seja uma abordagem possível para a compreensão desses indivíduos, uma segunda forma de trabalhar o assunto parece mais condizente com a proposta do presente estudo e é apresentada pela autora como abordagem “relativa”.

Este ponto de vista busca o estudo da expertise de maneira comparativa, entre experts e não experts. Segundo a autora, essa abordagem pressupõe que a expertise é um nível de proficiência que os “novatos” podem alcançar. Chi (2006, p.22) alega que, por causa dessa suposição, a definição de expertise para essa abordagem passa a ser mais relativa, uma vez que o grupo mais experiente tende a ser considerado o dos experts e o grupo menos experiente, o dos

“novatos”, o que faz com que as características percebidas e as habilidades desenvolvidas sejam estudadas para um grupo em relação ao outro.

De acordo com a autora, a vantagem da abordagem que enxerga os experts como indivíduos que percorreram no continuum do aprendizado reside em uma de suas metas, que é a compreensão de como se pode capacitar pessoas menos experientes para que se tornarem mais habilidosas. Pois ela parte do pressuposto de que os indivíduos mais habilidosos adquiriram sua expertise por meio do estudo e da prática. Desse modo, o objetivo do estudo da expertise sob essa perspectiva não é apenas descrever e identificar as maneiras pelas quais os experts se sobressaem e sim entender como se tornaram experts para que outros possam também trilhar o caminho.

Para ilustrar a problematização a respeito das definições da expertise, Hoffman (1996) apresenta uma série de estágios do desenvolvimento da expertise baseado nas classificações existentes em guildas medievais.

A tabela 1 mostra a classificação dos indivíduos de acordo com a utilização de suas habilidades e permissões sociais baseadas na aquisição da expertise nas guildas medievais (Hoffman, 1996):

Tabela 1. Classificação dos indivíduos de acordo com a utilização de suas habilidades e permissões sociais baseadas na aquisição da expertise nas guildas medievais (Hoffman, 1996).

Classificação Características

Ingênuo Alguém que desconhece totalmente um domínio.

Noviço Literalmente, alguém que é novo - um membro em testes iniciais. Alguém que foi exposto minimamente ao domínio.

Iniciado Alguém que passou por uma cerimônia de iniciação - um noviço que recebeu instruções introdutórias.

Aprendiz Literalmente, alguém que está aprendendo - um estudante que passa por um programa de instrução além do nível introdutório. Tradicionalmente, o aprendiz está imerso em um domínio por conviver e assistir alguém em um nível superior. A duração do aprendizado neste nível depende do domínio em questão, variando entre um e doze anos nas corporações de oficio7.

Trabalhador Alguém que consegue exercer um trabalho diário sem supervisão, embora trabalhe sob ordens. Um indivíduo experiente e confiável ou alguém que tenha alcançado um certo nível de competência. É possível permanecer neste nível por toda a vida.

Expert Os trabalhadores de destaque ou brilhantes, altamente respeitados por seus pares cujos julgamentos são incomumente precisos e confiáveis, cuja performance mostra habilidade consumada e economia de esforço, e que pode lidar efetivamente com certos tipos de casos raros ou “difíceis”. Além disso, um expert é aquele que tem habilidades especiais ou conhecimentos derivados de uma ampla experiência com subdomínios

Mestre Tradicionalmente, um mestre é qualquer trabalhador ou expert que também está qualificado para ensinar aqueles em um nível inferior. Geralmente um mestre é um indivíduo de um grupo de experts “de elite” cujos julgamentos definem os regulamentos, padrões ou ideais. Além disso, um mestre pode ser aquele expert que é considerado por seus pares como sendo “o” expert ou o expert “real”, especialmente no que se refere ao conhecimento do subdomínio no qual se propõe a atuar

Fonte: Hoffman (1996)

Apesar de apresentar uma terminologia voltada para um desenvolvimento masculino de profissões, a tabela acima serve como um ponto de partida para que se compreenda a expertise enquanto um caminho contínuo a ser percorrido com relação à aquisição de habilidades e

7As guildas foram formadas durante a Idade Média pelos os artesãos para se protegerem da competição. Por meio de acordos com o prefeito e / ou monarca, obtiveram o monopólio de fornecer tipos específicos de artesanato e serviços com padrões de qualidade definidos (Epstein, 1991 como citado em Ericsson, 2006a).

conhecimentos (Hoffman, 1996), o que faz com que indivíduos se encontrem em estágios diferentes de desenvolvimento de acordo com suas capacidades e responsabilidades. O que se pode perceber é que, para uma abordagem “relativa” da expertise, os termos “novatos” e “expert”

são simplificações da classificação de indivíduos quanto ao nível de sua expertise. Além disso, algumas considerações são tecidas pelo autor como a raridade de se “pular” estágios nesse caminho, a raridade de se caminhar no sentido de estágios anteriores, a capacidade de professores ou mestres em prever possíveis erros dos praticantes de acordo com seus níveis de expertise e a diminuição do esforço que ocorre com o alcançar de novos patamares, fazendo com que julgamentos se tornem intuições. Por fim, Hoffman (1996) explica que em alguns domínios, indivíduos de altos níveis de habilidades continuam a ser considerados novatos, o que corrobora a ideia de classificações intermediárias nesse processo.

Em relação ao tempo que se leva para alcançar os níveis mais altos de expertise por meio da prática deliberada, Chase e Simon (1973) entendem que são necessárias por volta de 10.000 horas de prática para que a expertise seja alcançada no xadrez (Chase & Simon, 1973) ou dez anos de prática intensa (Ericsson et al., 1993). Ericsson et al. (1993), explicam que aos 20 anos, os melhores músicos haviam passado mais de 10.000 horas praticando e que, entretanto, músicos

“de elite” necessitam de cerca de 20 a 30 anos de treinamento e frequentemente atingem o pico quando estão entre 30 e 40 anos de idade (Ericsson, 2006). Hayes (1989) desenvolveu um estudo a respeito de compositores musicais. O autor descobriu que são necessários em média vinte anos (a partir do início dos estudos musicais) para um compositor criar em nível de excelência (esse tempo é raramente inferior a dez anos), mostrando que mesmo indivíduos mais notáveis e

“talentosos” precisaram de muitos anos de preparação antes da produção de seus trabalhos mais importantes. Esses resultados são consistentes com a prática de 10.000 horas dos mestres do xadrez [Simon & Chase, 1973]).

De acordo com Ericsson e Pool (2016), essa contagem de tempo, que tem ganhado status de regra e é bastante difundida, além de representar valores importantes (relativos principalmente à ideia de que são precisos anos de prática vigorosa para realizar algo relevante), contém vários erros em sua interpretação. Primeiro, por não haver nada de especial em torno do número dez mil, mas sim fazer parte de um grande arredondamento. Em segundo lugar, pelo fato dessa “regra” ter ganhado relevância a partir do estudo de Ericsson et al. (1993). Nele, os alunos de violino do grupo “de elite” tinham aproximadamente 18 anos e naquela ocasião haviam acumulado por

volta de 10.000 horas de prática. Porém, naquela idade, esses estudantes eram promessas de alcançar o topo da carreira em relação aos outros grupos estudados, mas ainda havia um caminho grande para que de fato se tornassem grandes mestres. De acordo com Ericsson e Pool (2016), pianistas que ganham competições internacionais de piano tendem a competir quando têm cerca de trinta anos e, nesse ponto, provavelmente possuem cerca de vinte mil a vinte e cinco mil horas de prática.

Por fim, essa “regra” desconsidera também a diferença entre os domínios (que variam em complexidade, demanda física, mental, além de diversos outros pontos). De acordo com Weisberg (1999), o que se pode dizer com relação a uma certa contagem de tempo para que se atinja a expertise, como a “regra das 10.000 horas” é que um longo período de tempo em um domínio parece ser uma condição necessária, embora não suficiente, para uma contribuição notável dentro de um domínio (como, por exemplo, a necessidade de estudo das composições de outros músicos para o desenvolvimento de composições próprias realmente significativas).