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1. O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO NO BRASIL E OS ESPAÇOS RURAIS

1.2 Abordagens sobre o espaço rural e urbano

De acordo com Candiotto e Corrêa (2008), tradicionalmente, a Geografia vem utilizando o conceito de espaço urbano para se referir às cidades, ou seja, as aglomerações com alta densidade populacional e técnica, e de espaço rural para as demais áreas não urbanizadas e, de alguma forma, ocupadas, porém com uma pequena densidade populacional. Todavia, o debate acerca das definições e características do urbano e do rural permanece intenso e controverso.

Para Alentejano (2003), as transformações recentes do mundo rural e da relação rural- urbano têm desafiado estudiosos a construírem teorias e conceitos para explicar essa nova realidade. Diversas teorias surgiram, de forma que alguns estudiosos chegaram a decretar o fim do rural. Outros, porém, admitem o seu “renascimento” ou então, em uma via integradora, optam por uma análise que considera a leitura regional mais eficiente que a dicotomia urbano- rural.

Graziano (1997) aponta que espacialmente, o rural hoje só pode ser compreendido como

continuum do urbano, pois o processo de urbanização do campo se revelaria no aumento da

pluriatividade no meio rural, com crescimento de atividades não agrícolas ou urbanas, além de novas funções rurais, relativamente desagregadas das atividades agropecuárias.

Para Graziano (1999, p.10):

O meio rural brasileiro já não pode mais ser analisado apenas como o conjunto das atividades agropecuárias e agroindustriais, pois ganhou novas funções. O aparecimento (e a expansão) dessas novas atividades rurais, agrícolas e não agrícolas altamente intensivas e de pequena escala tem propiciado outras oportunidades para muitos produtores que não podem mais serem chamados de agricultores ou pecuaristas e que, muitas vezes, não são nem mesmo produtores familiares, uma vez que a maioria dos membros da família está ocupada em outras atividades não agrícolas e/ou urbanas.

Conforme, Graziano e Grossi (2002, p.5):

a) uma agropecuária moderna, baseada em commodities e ligada às agroindústrias; b) um conjunto de atividades não agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de prestação de serviços; c) um conjunto de novas atividades agropecuárias ligadas a nichos específicos de mercado (e: alimentos orgânicos ou ecológicos).

Outra leitura próxima à visão de continuum de Graziano (1999) que escreve sobre o processo de urbanização do campo e a ruralização da cidade é a de Grammont5 (2005) citado

por Girard (2008, p.4):

Falamos na urbanização do campo porque foram incrementadas as ocupações não agrícolas no campo, os meios de comunicação em massa (rádio, televisão, telefone, rádio de ondas curtas) chegam até as regiões mais distantes, as migrações permitiram o estabelecimento de redes sociais e a reconstrução das comunidades camponesas nos lugares de migração com o qual nasce o conceito de comunidade transnacional. Porém, também falamos em ruralização da cidade tanto porque as cidades latino- americanas se parecem com “grandes fazendas” devido à falta de desenvolvimento urbano, como pela reprodução das formas de organização e a penetração de cultura de migrantes camponeses e indígenas em bairros periféricos onde se estabelecem.

Em outras palavras, tais abordagens, não obstante tenha conseguido influenciar a concepções ulteriores de política pública, vem incorporando diversas críticas, pois no

continuum (novo rural) brasileiro de Graziano, como aponta Campos e Krahl (2006), o rural é

percebido mais sob a influência do urbano que em relação às características do próprio rural. Wanderley (2001) crítica Graziano ao ir à defesa de outra ideia, ou seja, a de fortalecimento da ruralidade através das transformações no meio rural que realçam suas especificidades e valorizam as formas de organização social locais.

Conforme Siqueira e Osório (2001), outros autores apontam que a fórmula de Graziano, adequada à realidade rural dos países desenvolvidos, teria aplicação muito restrita para o caso brasileiro, tocando apenas às áreas rurais próximas a centros metropolitanos e, portanto, abrangendo uma diminuta parte da população e dos espaços rurais. De acordo com Girardi (2012), a implantação, nas áreas rurais, de serviços e equipamentos considerados urbanos não cria um rural que se urbaniza, mas, sim, um rural que se transforma, seja pela melhoria da qualidade de vida da população (com acesso a serviços básicos), seja pela imposição de ritmos produtivos mais acelerados para atender à demanda crescente do urbano.

De acordo com Valadares (2014, p. 19):

Conquanto o papel da “pluriatividade” tenha sido enfatizado na teoria recente, a variação das ocupações da população rural – entre agrícolas e não agrícolas, rurais e urbanas – não é um fenômeno novo, mas decorre da própria constituição tradicional da unidade produtiva familiar, no interior da qual a busca pela autossuficiência da produção – e pela redução da dependência em relação ao exterior – implica uma diversificação das tarefas; além disso, como foi visto, a pluriatividade se articula às estratégias de reprodução social da família rural.

Segundo o mesmo autor, contudo, realçando formalmente tal contradição, a segunda corrente de interpretação sobre as diferenças entre o rural e o urbano – a abordagem dicotômica

5 GRAMMONT, H. C. de. El concepto de nueva ruralidad. In: PÉREZ C, E.; FARAH Q, M. A.; GRAMMONT,

H. C. de. (Org.). La nueva ruralidad en América Latina: avances teóricos y evidencias empíricas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. No prelo.

– defende a ideia de que o rural segue enquanto espaço diferenciado, capaz de estruturar identidades e relações sociais específicas mesmo em convergência com o urbano, sem insistir na tese da existência de uma oposição propriamente dita entre campo e cidade.

Para Valadares (2014, p. 20):

A semelhança fundamental entre tais abordagens reside em que ambas afirmam o fim do isolamento entre espaços urbanos e rurais, mas, ao passo que a teoria do continuum rural-urbano, em seu desdobramento extremo, prevê a desaparição do rural em um contexto socioespacial cada vez mais dominado pelo elemento urbano.

Veiga (2004) vem afirmar não ver qualquer evidência de que esteja desaparecendo a histórica contradição rural-urbano, mas avalia com atenção e minúcia que esta contradição se apresenta sob a forma de um contraste espacial em um momento em que, em todo o mundo, as novas fontes de crescimento econômico das áreas rurais estão ligadas às peculiaridades de seus patrimônios naturais e culturais e em que os vínculos urbano-rurais se reelaboram. Para ele, em termos econômicos e ecológicos, aprofundam-se, em vez de diluírem-se, as diferenças entre estes dois modos de relacionamento da sociedade com a natureza.

Segundo Veiga (2004, p.26):

A visão de uma inelutável marcha para a urbanização como única via de desenvolvimento só pode ser considerada plausível por quem desconhece a imensa diversidade que caracteriza as relações entre espaços rurais e urbanos dos países que mais se desenvolveram.

De acordo com Juillard6 (1973) citado por Wanderley (2000, p. 93), é preciso levar em consideração que as cidades também não são homogêneas e, por consequência, as diferenças observadas entre elas afetam as relações que podem estabelecer com o meio rural. Nesse processo o autor evidencia três tipos de evolução possíveis. São elas:

Em primeiro lugar, as “cidades que permanecem rentistas do solo”: o controle da estrutura fundiária por proprietários que vivem na cidade reproduz uma relação de ‘parasitagem’ com o meio rural Em segundo lugar, “a cidade ou complexo” industrial que cresceu sem laço orgânico com o meio rural que o envolve, esterilizando-o em vez de fecunda-lo. Finalmente, em terceiro, “a cidade que associa sem ruptura o campo a seu próprio desenvolvimento.

Para Wanderley (2000), o desenvolvimento dos espaços rurais nas sociedades modernas dependerá, não apenas do dinamismo do setor agrícola, porém cada vez mais, da sua capacidade de atrair outras atividades econômicas e outros interesses sociais e de realizar uma profunda “ressignificação” de suas próprias funções sociais.

6 Julliard, Etienne. Urbanisation des campagnes. Études Rurales, (49-50): 5-9, jan./juin. 1973. (Número Especial:

Dentro deste panorama, Scussel (2002, p. 66) aponta:

A dinâmica metropolitana, ao longo do tempo, vai engendrando, ao longo do tempo, seu processo de apropriação do espaço, em que o “urbano” vai sobrepondo ao “rural”. A configuração resultante desse processo, no entanto, não compartimenta o espaço dessa forma dual – os usos mesclam-se, surgem formas alternativas de apropriação e transformação do território.

Neste sentido, pode-se mencionar que os elementos definidores do rural foram sendo modificando ao longo do tempo, ganhando novos contornos.

De acordo com (Baptista7 2001 citado por Kageyama 2008, p.37):

O espaço rural é agora procurado por urbanos, consumidores da natureza e das atividades que esta proporciona. O mercado já não se limita a pôr em relação, através das trocas de produtos agrícolas e de equipamentos e tecnologias, dois espaços produtivos: a cidade industrial e o campo agrícola. Hoje envolve todo o território numa teia diferenciada de atividades e fluxos econômicos.

Em outras palavras, conforme Veiga (2002), para compreender o rural, é preciso observar que o mesmo não pode ser identificado exclusivamente com aquilo que está fora do perímetro urbano dos municípios brasileiros, muito menos com as atividades exclusivamente agropecuárias.

E, portanto, o mesmo autor chama a atenção para o fato de que o rural é necessariamente territorial e não setorial como os programas governamentais insistem em propor e executar. Para Wanderley e Favareto (2013), há um vazio institucional na forma de regular o rural brasileiro, reflexo do caráter periférico e residual conferido a estes espaços nas estratégias e na própria ideologia de desenvolvimento.

Conforme aponta Ortega (2002), o corte rural urbano de nossas políticas públicas encontra respaldo em duas situações: o primeiro é nos clássicos das Ciências Sociais do século XIX, que apontavam para um inexorável esvaziamento daquele “local do atraso” e; a segunda nos amplos segmentos de pensadores contemporâneos, formuladores e gestores de políticas públicas, além de lideranças representativas do setor patronal rural pela defesa da maximização da competitividade do agronegócio, o qual passaria pela eliminação de um excesso de agricultores.

Para Wanderley (2013), na atualidade, a agricultura continua, sem dúvida, a desempenhar um papel relevante no desenvolvimento dos países “avançados”, tanto mais importante, quanto ela mesma conseguiu modernizar-se e adaptar-se às exigentes condições dos

mercados cada vez mais competitivos, garantindo à maioria destes países uma grande margem de auto-suficiência, ao mesmo tempo que uma expansão considerável das exportações de produtos agropecuários.

No entanto, o modelo produtivista entrou em crise a partir dos anos 80. O sucesso, inegável, da modernização da agricultura gerou, paralelamente, suas próprias crises. Lamarche, (1993) citado por Wanderley, (2013, p.95 ) aponta três dimensões da “crise” da agricultura. Em primeiro lugar, a dimensão econômica: ao buscar a auto-suficiência, por meio da maior eficiência tecnológica e comercial, a agricultura moderna produziu, em muitos países, os efeitos da superprodução, com as conseqüências sabidas sobre o próprio dinamismo da atividade produtiva. Ao mesmo tempo, ela perde cada vez mais o seu peso relativo no conjunto das atividades produtivas e tende a concentrar-se nas áreas mais favoráveis às trocas comerciais.

Em segundo lugar, a dimensão social: paradoxalmente, o sucesso do processo da modernização, em especial no que se refere aos índices de produtividade atingidos, teve como resultado a redução da necessidade de força de trabalho ocupada nas atividades agrícolas. Com efeito, o aumento da produtividade do trabalho, no conjunto das atividades agropecuárias, terminou por tornar desnecessária à produção parcela importante dos efetivos de agricultores, problema tanto mais grave quanto a conversão para o trabalho nos setores industrial ou de serviços deixou de ser uma possibilidade, em razão da própria dimensão da crise geral do desemprego.

Finalmente, a dimensão ambiental: o uso, muitas vezes excessivo e indiscriminado, dos insumos químicos de origem industrial, estimulado pela utilização dos modelos produtivistas, trouxe como conseqüência o risco de um sério desgaste de recursos naturais. Isto acontecia num momento em que se aprofundava nas sociedades (e não apenas no meio rural) a consciência da necessidade de preservação e de renovação destes recursos.