• Nenhum resultado encontrado

2. O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E O ESPAÇO RURAL

2.1 O Desenvolvimento territorial

2.1.1 Aspectos sobre o desenvolvimento territorial Sustentável

Para Bonnal et al (2012), o desenvolvimento territorial sustentável pressupõe a cooperação entre atores cujos interesses não são idênticos, mas que podem encontrar áreas de convergência em novos projetos, de tal maneira que uma “atmosfera” propícia à geração de iniciativas criativas seja gerada. Esse tipo de cooperação não ocorre de forma espontânea, pois a tendência é que cada instituição isolada não perceba as áreas de interesses comuns e as possibilidades de parcerias. É da interação entre atores diversos que podem emergir “vantagens diferenciadoras” menos elitistas e excludentes no interior de um território.

A análise do tema do desenvolvimento territorial rural, sua institucionalidade e dinâmica deve levar em consideração instituições que lhe são adequados e que sejam construídos de modo a levar em consideração três esferas fundamentais da ordem social contemporânea: o Estado, o mercado e a sociedade civil.

Para Bonnal et al (2012, p. 18):

A combinação dessas três esferas não pode ser concebida teoricamente, nem é resultado de alguma fórmula técnica importada de um organismo internacional. Em um sistema político não autoritário ela é o “resultado de uma deliberação democrática construída processualmente”, de modo que a relação entre essas esferas e a demarcação da linha que separa umas das outras “é ela própria uma questão de política”.

A condição de emergência de novas formas de coordenação e organização do território está associada, dentre outros fatores, ao contexto de redefinição do papel do Estado nacional e sua crescente descentralização político-administrativa, potencializando o papel das escalas local e regional como âmbitos do desenvolvimento e da regulação territorial dos sistemas produtivos e atividades econômicas. Neste quadro analítico estão incluídas formas intermediárias de regulação, fortalecendo os níveis decisórios hierarquicamente abaixo da esfera do Estado soberano, como os governos, autoridades locais e os diretórios regionais (Scott27, 1998 citado por Fuini 2012, p. 96).

A governança territorial pode ser percebida como uma instância institucional de exercício de poder de forma simétrica no nível territorial. A sua prática pode incidir sobre três tipos de processos: (1) a definição de uma estratégia de desenvolvimento territorial e a implementação das condições necessárias para sua gestão; (2) a construção de consensos mínimos, através da instauração de diferentes formas de concertação social como exercício da ação coletiva; e, por fim, (3) a construção de uma visão prospectiva de futuro. Uma prática qualificada de governança territorial é um requisito indispensável para o desenvolvimento. A gestão do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação público-privada, implica numa revalorização da sociedade, assumindo uma postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas estatais nas suas diferentes instâncias (Dallabrida, 2011, p.4).

Conforme Dallabrida (2011), o termo governança territorial pode ser utilizado para referir-se às iniciativas ou ações que expressam à capacidade de uma sociedade organizada territorialmente, para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais. Entre os atores institucionais, incluiu-se,

27 SCOTT, A.Regions and the world economy: the coming shape of global production, competition and political

naturalmente, o Estado com seus diferentes agentes, que, no caso do Brasil, estão presentes nas instâncias municipal, estadual e federal.

A análise dos diferentes processos de governança territorial e desenvolvimento contribuem para firmar a convicção de que governa e decide quem tem poder. A governança, assim, sinteticamente, refere-se ao ato de atribuir poder à sociedade para governar, ou, de conquista de poder pela sociedade, para governar. Portanto, o exercício da governança é realizado através de relações de poder (Dallabrida, 2003; 2007). Com isso, não se trata de relações amistosas, harmônicas, mas de relações que ocorrem em processos conflituosos, com origens inter e extraescolares.

De acordo com Boisier, ao defender a construção do poder político local-regional, como condição necessária a uma maior participação democrática dos cidadãos no destino de seu entorno espacial, seja ele, o bairro, a cidade, a região, ou o território, apresenta uma concepção significativa.

De acordo com Boisier (1998, p.57):

não se mudam as coisas por voluntarismo, senão mediante o uso do poder. O poder político que toda a região é de duas fontes: (1) a descentralização, enquanto esta supõe a transferência de poder, e (2) a concertação social, enquanto esta supõe uma verdadeira criação de poder (a união faz a força), no entanto o poder que se acumula na comunidade regional não é um poder para fazer uma revolução. “Só é suficiente para modificações nos parâmetros do estilo de desenvolvimento, não nos parâmetros do sistema”.

Nesse sentido, Dallabrida (2007) afirma que, se não há participação e as demandas não se expressam no plano político, perde-se a conexão entre a sociedade civil e o sistema político e a democracia deixam de existir abrindo-se espaços para os interesses pessoais ou dos grupos dominantes. Ressalta ainda que a representatividade nas instâncias participativas estaria associada à capacidade do sistema político de exprimir as reivindicações formadas a partir da sociedade civil, considerando os diferentes setores da vida social.

Destro desta dinâmica é importante resgatar o conceito de território, pois de acordo com Haesbaert (2006), há o reconhecimento junto a esse conceito das relações de dominação e apropriação. Dessa forma, esse conceito não está apenas envolto sob uma perspectiva de apropriação, de domínio físico, mas também numa visão, onde a identificação simbólica está presente.

Para Haesbaert (2006, p.121):

o território é o produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados. Essas relações variam muito, por exemplo, conforme as classes sociais, os grupos culturais e as escalas geográficas que estivermos analisando.

Haesbaert (2004) admite que o território seja imerso em relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço, desdobra-se de um continuun que vai da dominação político- econômica mais concreta e funcional à apropriação mais subjetiva e/ou cultural-simbólica.

Em outros termos, para Haesbaert (2006, p. 45), o conceito de territorialização é compreendido como:

o conjunto de múltiplas formas de construção/apropriação (concreta e/ou simbólica) do espaço social, em sua interação com elementos como o poder (político/disciplinar), os interesses econômicos, as necessidades ecológicas e o desejo/a subjetividade.

Para o mesmo autor, no espaço metropolitano esses processos ganham destaque, pois permite a reprodução e a criação de territórios por grupos específicos, ou seja, o mesmo salienta que o mundo moderno desenha um circuito de poder que delineia complexas territorialidades, permite a vivência de múltiplas intensidades entre conflitos e transformações, resistência e ambiguidades, que nos confrontamos em diversas escalas e contexto espaciais.

Dentro desta perspectiva, pode-se salientar que o espaço metropolitano se constitui em um território complexo onde se mesclam e se separam diversas identidades, ou seja, trata-se de um espaço multiapropriado, onde as contínuas e intermitentes renovações geram um complicado fluxo de deslocamentos. Se o espaço é, como concebemos a princípio, fonte e condição indispensável para a constituição de determinados grupos, é natural que haja neste espaço constantes disputas, avanços e recuos que constituirão os termos necessários em que serão reproduzidas as dinâmicas do ambiente metropolitano (Haesbaert, 2006, p. 96).

De acordo com Cazella e al (2012), em uma situação de competição política, em que o processo de ação social e seus resultados são usualmente conflitivos e contestáveis, a interação das três esferas (Estado, sociedade civil e mercado) na construção da institucionalidade territorial vai depender da presença e das características dos agentes coletivos representativos de cada esfera no território e do seu nível de engajamento e força política para influenciar o ordenamento e a política territorial, ou seja, a institucionalidade e a dinâmica territorial vão depender das estruturas de poder existentes no território e da força política e da capacidade de

construir coalizões políticas, dentro e fora do mesmo, das agências estatais, das empresas e das organizações empresariais, e das organizações da sociedade civis aí existentes.

Conforme Cazella et al (2012, p.19):

Embora, de modo geral, em todos os territórios, as esferas do Estado, do mercado e da sociedade civil estejam presentes, os interesses e as expectativas dos diferentes atores que fazem parte dessas esferas acerca da importância de participar na institucionalidade territorial podem variar consideravelmente de intensidade, o que vai se refletir na forma particular de combinação dessas três esferas na institucionalidade existente28.

Para os mesmos autores, a dinâmica territorial não é apenas uma questão econômica, é em grande medida uma questão política e, segundo, que a construção territorial, ou seja, o uso particular que vai ser feito das potencialidades e das carências territoriais –em suma, da história originária, das características, dos recursos e dos ativos territoriais- vai depender da combinação resultante das três esferas e dos “jogos de poder” e dos “compromissos estáveis” entre os atores sociais que nelas predominam.

Em outros termos, Bonnal et al (2012, p. 22) salienta que:

O entendimento da dinâmica institucional de um território requer como já enfatizado, um olhar atento sobre a interação entre os atores, mas com destaque para a consideração de suas ideias, interesses e capacidade para adquirir habilidades sociais,29 numa perspectiva analítica, ou capacidade de construção de hegemonia30 na

política territorial.

28 Motivos: - Em primeiro lugar, porque a importância de cada uma das esferas é desigual nos diferentes territórios

e, portanto, a presença e a habilidade social, na expressão empregada por Fligstein e Abramovay, dos atores existentes em cada esfera é muito diversa. Há situações concretas em que os atores da sociedade civil são especialmente influentes e tiveram, inclusive, uma participação histórica decisiva na implementação da ideia e da abordagem territorial; há outras situações em que os mercados praticamente não existem ou são muito incompletos, de modo que a força política das organizações empresariais é reduzida; e há outras em que as agências estatais encontram-se muito divididas diante da proposta territorial e atuam de forma bastante fragmentada, algumas favorecendo a sua implementação, outras dificultando-a. - Em segundo lugar, como a implementação do enfoque territorial está associado à execução de programas governamentais com determinadas características, volume de recursos e peso político na estrutura da máquina governamental, essa circunstância afeta de modo significativo a decisão e o interesse dos atores sociais de cada uma das três esferas de participarem na política territorial. - Em terceiro lugar, a combinação das três esferas na institucionalidade territorial pode ser muito dificultada ou mesmo inviabilizada pela existência de agudos conflitos políticos no território, principalmente entre atores do mercado e da sociedade civil, em torno, por exemplo, da constituição de mercados, da apropriação da terra e de trajetórias antagônicas de desenvolvimento regional. Em casos como esses, a própria governança territorial é posta em cheque e a combinação das três esferas na institucionalidade territorial pode ser inviabilizada. Os resultados dependem, em parte, da capacidade dos atores do Estado de administrar os conflitos ou de sua decisão de assumir a posição e os interesses de um dos lados da disputa.

29 Habilidades sociais (social skill) desses grupos, definida como sua capacidade de induzir e de obter a cooperação

de outros, de liderar coalizões políticas que vão refletir a sua força e competência na ação social. (Abramovay, 2006. p.07)

O conteúdo e a razão de ser de uma política ou estratégia de desenvolvimento abrangem as potencialidades, interesses e conflitos do meio territorial (não somente como base geográfica, mas também como contexto de relações socioinstitucionais com conteúdo espacial) em torno de um processo de mudança social de caráter endógeno, capaz de produzir solidariedade e cidadania, e que possa conduzir de forma articulada e permanente a melhoria do bem-estar da população de uma localidade ou uma região (Mancini et al, 2011, p. 68).

De acordo com Bonnal et al (2012), na verdade tem de haver o protagonismo social territorial que é entendido como o processo por meio do quais determinados atores sociais existentes no território agem coletivamente como portadores da abordagem territorial e como impulsionadores principais tanto da institucionalidade como do desenvolvimento territorial, ou seja, o protagonismo social é impossível de ser concebido sem ideias que expressem os interesses dos atores e que os adaptem à formulação de propostas mais gerais que fundamentem e viabilizem suas estratégias de formação de coalizões com outros atores.

Segundo, Bandeira (2006, p. 35):

O essencial a ter em vista é que a abrangência territorial da região deve privilegiar sua funcionalidade para a articulação de atores sociais, políticos e econômicos. O sucesso nessa articulação é fundamental para que as regiões se tornem social e politicamente relevantes, não sendo apenas objeto passivo para ações concebidas e implementadas “de fora para dentro” e “de cima para baixo”.

Para Bonnal et al (2012), sem a elaboração e a adoção de ideias agregadoras, que estabeleçam objetivos e linguagens comuns para diferentes atores, os processos de fragmentação de interesses e de rent seeking (busca de rendas, vantagens, privilégios) e os fenômenos de free riding (comportamento oportunista) dos atores sociais individuais são praticamente impossíveis de serem contornados, inviabilizando o surgimento de protagonismo social no território e comprometendo as possibilidades de aperfeiçoamento e de consolidação da institucionalidade territorial e de articulação de atores e de políticas públicas, indispensáveis para a sustentabilidade dos processos de desenvolvimento rural.