• Nenhum resultado encontrado

3. CARACTERIZAÇÃO DA RMPA

5.2 A relação rural e urbano na RMPA sob a perspectiva do desenvolvimento territorial

5.2.2 Conflitos e governança territorial no espaço rural da RMPA

De acordo com Torre (2010), é frequente a tendência de opor relações de conflitos e relações de cooperação, como se fossem antinômicas; as primeiras teriam o efeito de separar os habitantes dos territórios, enquanto que as segundas teriam a virtude de aproximá-los e de permitir que funcionem juntos. Assim, enquanto a cooperação, virtuosa, contribuiria para os processos locais de coordenação, seria necessário evitar ou erradicar tensões e conflitos, que se constituiriam em obstáculos ou fatores de atraso no caminho do desenvolvimento dos territórios.

No entanto, olhando mais de perto, as oposições não são tão radicais e pode-se verificar que os conflitos apresentam um interesse, como também contribuem para os processos de desenvolvimento. É interessante levar em consideração, que as dinâmicas de conflitos e de negociação pertencem a um mesmo processo de governança territorial, caracterizado pela alternância de fases de conflito e de paz (Torre, 2010, p. 110).

Assim, o conflito é parte integrante do processo de deliberação em nível local, ao permitir uma expressão de democracia local assim como a reintegração de grupos de interesse que tinham sido esquecidos ou lesados numa fase anterior de elaboração de projetos.

Entre os elementos de análise teórica no uso do espaço podem-se mencionar cinco características: a) Os conflitos são reveladores das mutações e das mudanças que se produzem nos territórios; b) os conflitos constituem palcos de tomada de palavra; c) os conflitos de uso dos espaços são ferramentas do laço social; d) os conflitos estão ligados às problemáticas de proximidade geográfica (Torre, 2010, p.111).

De acordo com a primeira característica os conflitos são reveladores das mutações e das mudanças que produzem nos territórios, pois durante essas fases de conflito se processam recomposições sociais ou de grupos de interesses, e mudanças de natureza técnica ou jurídica. Após o conflito, restam os novos acordos em nível local, os novos modos de governança, as novas configurações das negociações, assim como os atos técnicos (mudança de plano, ordenamentos diversos, modificação dos planos de ocupação dos solos...) que resultam das negociações anteriores. Os conflitos são assim, ao mesmo tempo, resultados e origem das evoluções territoriais.

Na segunda característica refere-se aos conflitos constituídos como palcos de tomada de palavra para categorias de atores negligenciadas pelas estruturas de governança ou nas arbitragens dadas. O engajamento no conflito que se traduz por atos conflituosos, tais como o recurso aos tribunais, a mediatização, a publicização ou a violência, manifesta a contestação de

planos e ações em curso ou em projeto. Não leva, portanto a uma ruptura de diálogo com as partes adversas.

Na terceira categoria os conflitos de uso do espaço são considerados fermentos do laço social, pois solidarizam os atores locais e contribuem para a constituição de redes de atores em torno das questões ou de interesses comuns. Apresentam a característica de manter uma comunicação entre os usuários que se opõem. Enfim, constituem uma proteção contra a inércia social e preservam, por sua expressão, do perigo de explosão mais profunda ou de fuga para territórios julgados mais acolhedores.

Com relação à quarta característica os conflitos aparecem ligados às problemáticas de proximidade geográfica, e repousam sobre três tipos de interferência espacial e criam o mesmo tanto de tipos de conflitos, ou seja, aparecem os conflitos de; a) contiguidades146; b) Superposições147 e; c) vizinhanças148.

Ao comparar o referencial teórico exposto anteriormente com as entrevistas realizadas com os representantes das instituições que fazem parte da RMPA podem-se perceber as relações do espaço rural na RMPA, ou seja, a entrevista (E.8), se enquadra no caso de conflito de contiguidade, pois o entrevistado faz referência ao modelo de desenvolvimento em áreas mais densamente povoadas ou consideradas mais urbanas e, confirma a existência de pressão imobiliária nesta região. O mesmo entrevistado aponta que o mais adequado seria existir um plano diretor do urbano e um plano diretor do rural para que a especulação imobiliária não transcenda o espaço do plano diretor urbano para o rural.

146 Contiguidades são quando agentes situados um ao lado do outro estão divergindo quanto às fronteiras, aos

limites e as marcações de seus espaços respectivos (limites de propriedade, uso comum, passagens a uso comum).

147 Superposição é o caso de quando dois ou mais agentes pretendem dar usos diferentes para um mesmo espaço

(são os casos onde o multiuso de torna delicado)

148 vizinhanças: é o caso quando efeitos indesejáveis para a vizinhança se espalham pela via dos ares, das águas,

ou sob efeito das declividades dos terrenos, atingindo agentes situados num perímetro próximo (externalidades de poluição, rejeitos de efluentes e de lixo, ou emissão tóxicas, poluição sonora).

Em outras palavras, o mesmo se manifesta de modo claro e terminante exemplificando que:

“Aqui em Porto Alegre já chegou, ao cúmulo e, agora está num período de transição de toda a área de Porto Alegre ser urbana quando nós temos inclusive lavouras de arroz, produção leiteira, hortifrutigranjeiros dentro de Porto Alegre. Isso é um desequilíbrio! A pressão imobiliária com a intenção de muitas vezes de querer comprar um imposto proporcional de área urbana em lugares aonde não são plenamente urbanizados faz com que haja esses desequilíbrios. Agora tanto é que houve um retorno tendo período de transição de comprovação daqueles na área dita urbana de Porto Alegre há um desconto do IPTU que estava desproporcional. E isso vale para outros municípios aqui no entorno, pois a tendência é a capitação de impostos mais elevados porque o ITR em relação ao IPTU é muito menor a contribuição. Então a tendência nas administrações municipais e criar um processo de expansão de suas fronteiras territoriais urbanas sobre os rurais para aqueles proprietários daquelas matrículas passarem a contribuir de maneira diferenciada em termos de tributação de impostos. Este modelo tem uma perspectiva de contribuição tributária”. (E.8)

O segundo pressuposto de conflito é denominado de superposição, onde dois ou mais agentes pretendem dar usos diferentes para um mesmo espaço. Na verdade, este quadro pode se integrar na relação do espaço rural metropolitano do ponto de vista de equilíbrio da manutenção das fontes de água, do uso dos solos, da preservação do ambiente e que demostra descuido em relação ao que deveria ser. Em outros termos, conforme demostra a entrevista (E.8) percebe-se o enquadramento nesta definição. O entrevistado (E8) a exemplo menciona o caso da cidade de Canoas (município pertencente à RMPA).

“Canoas, é um dos casos onde está ocorrendo expansão do município da área urbana para a área rural, isto é, estão fazendo o aterramento de áreas de várzea”. Sendo que essas áreas tem um perfil de equilíbrio dos mananciais hídricos e, também do escoamento das águas da chuva, ela faz um papel de infiltração. Na verdade, o que acontece lá é que eles estão aterrando essas áreas. Imagina o seguinte: - Nas partes mais altas, quando começar a chover e, jogar para a calha dos rios toda essa água e, que deveriam ir para área de várzea, não irá e a consequência, será o de viverem inundadas essas áreas urbanas. (E.8)

E, ainda dentro deste panorama para completar a análise o mesmo entrevistado informa que é importante salientar que já existem estudos inclusive de engenheiros da área ambiental que salientam que será recorrente o problema de inundação de condomínios que estão sendo construídos nestas áreas.

Na opinião do mesmo:

“A pressão imobiliária a qualquer preço de acordo com os aglomerados de interesse poderão criar problemas para as pessoas que irão morar nesses lugares. Em outras palavras, se este modelo de desenvolvimento é certo ou errado não me compete dizer, o fato é que a gente está prevendo que vai ter desequilíbrio do crescimento do urbano sobre as áreas rurais sem os devidos cuidados, ou devidos estudos necessários para que essas áreas tenham menos impacto sobre o ambiente, o social e o econômico”. (E.8)

Seguindo a mesma análise de conflito de superposição, numa perspectiva regional dos problemas de inundações o (E.8) enfatiza a seguinte hipótese contribuindo com alguns exemplos.

“Imagina se cair água da chuva de grande volume no manancial e for num curso d’água que vai descendo no sentido das rotas mais altas, por exemplo, região coureiro calçadista Novo Hamburgo, São Leopoldo, Canoas e vai para a região do Vale do Paranhana e, a água vem descendo, se acumulam na parte mais alta e, vem descendo e, elas caem na calha do rio e aqui embaixo é a várzea. Ela tem de esparramar para algum lugar. Ela não vai comportar só dentro da calha do rio. Quando ela desce nesse volume grande ela vai ocasionar inundações. Então, essas áreas de várzeas que são loteadas estão em áreas muito baixas e, é feito um pequeno aterro só que o volume de água que vai descer da cabeceira em direção à foz vai ser um volume grande e isso irá ocasionar muitos problemas. Outro exemplo, Porto Alegre (Bairro Navegantes, Humaitá) é tudo região de várzea então, toda vez que dá chuva há inundação acarretando também problemas no trânsito. Na verdade, pode-se dizer que o urbano não fez um estudo com todos os possíveis impactos. Isso vai dar problema! Não é só bueiro, não é só escoamento. A natureza mostra tais impactos é um ciclo. Agora estamos colocando aqui concreto, asfalto, laje, mas não há infiltração, mas essa água vai continuar na história descenso aí vai alagar. Então essa modelagem é uma modelagem de risco!” (E.8)

Com relação, ao conceito de conflito de vizinhança os efeitos indesejáveis para a vizinhança se espalham pela via dos ares, das águas, ou sob efeito das declividades dos terrenos, atingindo agentes situados num perímetro próximo (externalidades de poluição, rejeitos de efluentes e de lixo, ou emissões tóxicas, poluição sonora).

Dentro desta dinâmica, ao considerar que é no rural que nascem as fontes das águas, isto é, elas estão nesses lugares é de extrema importância começar a perceber e dar um nível de relevância maior a esses espaços, ou seja, o rural tem características que o urbano ainda não valoriza, mas que necessitariam serem trabalhadas, para que possa ter um equilíbrio.

Nestes termos, O entrevistado (E8) menciona que:

“Quer comer um alimento sem agrotóxicos? Tá bem! O produto que produz sem agrotóxicos tem de ter áreas proporcionalmente livres de colocação de agrotóxicos, seja na propriedade deles como o de seus vizinhos, pois se o outro está aplicando aqui, por arraste vai encher área do vizinho. Com esses cuidados quando o urbano começar a ter um olhar de zelo pelo rural tudo começa a se transformar no entorno. E, ainda, a pressão imobiliária também não pode começar a invadir o espaço rural, porque nós vamos tomar água contaminada, pois o meio rural é um gerador de água para nós”. (E.8)

Segundo o Relatório anual do DRH- SEMA apresentado pelo Consórcio Pró-Sinos (2011), no espaço pertencente à RMPA ouros conflitos podem ser citados. São eles: conflito de quantidade relacionado ao uso da água (abastecimento humano e irrigação no caso das lavouras de arroz), conflitos de qualidade entre os lançamentos de efluentes urbano-industriais e agropecuários e, outros usos principalmente o abastecimento humano, lazer e preservação ambiental.

No caso do conflito de quantidade relacionado com o consumo de água na RMPA, pode- se citar o entrevistado (E.7) que trata do conflito que existe na Bacia do Gravataí e Sinos. Para o mesmo:

“Nós temos uma área de arroz que é pequena em relação ao Estado, mas ela é grande em relação à capacidade de suporte dessas. Na Bacia do Gravataí e Sinos, nós temos uma regra de gestão da água. Que quando o nível da água baixa a irrigação é suspensa. O meio rural é o grande consumidor de água. Com relação à poluição das águas. A poluição na Bacia dos Sinos é difusa é muito importante. A gente não se dá conta, mas mesmo que se trate todo o esgoto na Bacia dos Sinos vai ser uma área de poluição por causa do meio rural. Nós temos uma agricultura de pequeno valor agregado em termos gerais, mas é uma agricultura que tem importância no uso da água e degradação dos recursos hídricos. Nós temos que trabalhar cm esses fatores. Por outro lado, é uma região que tem um potencial grande de determinados instrumentos econômicos, como pagamento de serviços ambientais. Se houvesse uma reconversão dessa matriz rural, a gente poderia ter nela um instrumento de sustentabilidade e, que hoje nós não temos. O pagamento dos serviços ambientais. Esse meio rural redimensionado, redirecionado ele seria um introdutor de água para o meio urbano e, hoje isso não acontece! Ele é um consumidor de água antes do meio urbano e, com volume bem expressivos” (E.7)

E, portanto ao analisar todos esses inconvenientes pode-se observar o que deve compor então o desenvolvimento mais sustentável são na verdade os estudos que apontem para o equilíbrio entre três aspectos tais como: econômico, ambiental e o social, ou seja, econômico que é importante, pois é o que traz riqueza para a sustentabilidade, mas não a qualquer preço sobre o social e o ambiental, isto é, estes têm de caminhar juntos. É um tripé que não adianta uma perna estar maior do que as demais que vai ficar desequilibrado. (E.8)

5.2.3 A emergência de governança do desenvolvimento territorial no espaço rural na