• Nenhum resultado encontrado

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.3 Organização da prática educativa

3.3.3 Abordagens metodológicas utilizadas

Evidencia-se na análise que a abordagem metodológica não parece ser um componente considerado no desenvolvimento da atividade. De um modo geral os profissionais se utilizam das suas experiências e concepções sobre prática educativa e saúde para desenhar as formas que dão às atividades:

A gente já se preocupou mais com isso, com a metodologia... Hoje em dia, a gente não planeja mais a metodologia. A gente planeja como vai ser feito. E aquilo que vai ser dito vai depender da experiência do profissional. (entrevista médica 04).

Não se pensa numa metodologia, acho que assim... todo... A maioria dos grupos que até então ocorrem aqui, que já percebi, acontece de forma intuitiva. (entrevista enfermeira 03).

São observadas abordagens em cuja prática se caracteriza pela transmissão verticalizada de conteúdo, a que Freire (2005) denomina educação bancária. Para o autor, esse tipo de prática busca operar transformação no indivíduo e não na situação social que o oprime, se caracterizando a partir de um caráter paternalista:

Na minha área, a educação que eu tenho que dar mesmo é em matéria das crianças ficarem de chinelo, elas não calçam a sandália, querem ficar descalças e é uma área que tem muito esgoto. Então em cada área tem uma coisa que você tem que educar eles. (entrevista ACS 02).

As pessoas têm muito pouca informação sobre a importância da higiene. Assim, higiene... Não é um remédio que a pessoa toma e passa a ter higiene, né? Ela precisa de uma... É obrigatório ter alguma informação. Então, a gente percebeu que muitas doenças, a base delas era a falta de algum tipo de informação. (entrevista médico 04).

De acordo com a concepção da educação bancária, pode-se perceber que a prática de orientação médica, comum na relação entre profissionais e usuários, se encontra inserida nesse tipo de abordagem:

A gente passa muita informação, até para os agentes, e a gente faz grupos de educação e saúde, que é grupo de hipertenso, grupos de diabéticos, então a gente orienta em alguns deles, a gente tem preocupação com obesidade, com esses parâmetros que, pra quem trabalha numa unidade de saúde, é o principal. (entrevista médico 02).

Para Bonet (2006), essas práticas verticalizadas podem ocorrer na dimensão individual, através do aconselhamento sobre cuidados específicos a serem adotados; e na dimensão coletiva, através de grupos formados por um tipo especial de pacientes.

Em oposição à educação bancária, Freire (2005) apresenta a educação problematizadora, na qual os educandos desenvolvem seu potencial de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não como uma realidade estática, mas uma realidade em transformação. Para este autor, não é possível à educação problematizadora realizar-se como prática da liberdade sem que haja a superação da contradição existente entre educador e educando, através do diálogo, transformando-os em educador-educando e educando-educador, numa relação dupla de aprendizagem.

Reforçando esse duplo sentido da aprendizagem na relação entre educador e educando, Briceño-León (1996) refere que a relação educativa não se estabelece entre um sujeito que

sabe e outro que não sabe, mas entre dois sujeitos que sabem coisas diferentes, se configurando, portanto, numa relação educativa bidirecional.

Algumas experiências dialógicas, criativas e bem sucedidas, no que diz respeito à participação ativa do usuário, são relatadas pelos entrevistados, revelando uma perspectiva diferenciada de organização do serviço, mais distante da abordagem biomédica e mais próxima do cuidado, entendido aqui, segundo Lacerda e Valla (2006), como uma atitude interativa que inclui o envolvimento e o relacionamento entre as partes, compreendendo acolhimento, escuta do sujeito, respeito pelo seu sofrimento e pelas suas histórias de vida:

No nosso dia-a-dia, no tratar com as pessoas a gente vê que elas precisam de atenção, de carinho. Então foi aí que eu vi a necessidade de reunir as pessoas, a necessidade de nós estarmos aqui. E as pessoas elas vêm por prazer não é uma coisa assim, eu vou porque eu sou obrigada. O grupo reviver não fala de doença, porque nós falamos assim desde a primeira reunião, é bom dia, e quando nós fazemos esse cumprimento de bom dia, nós estamos desejando que o dia seja bom. (entrevista auxiliar de enfermagem 05).

Segundo Guizardi e Pinheiro (2006), alguns grupos de usuários são organizados com o objetivo de suprir cuidados em saúde que os serviços não ofertam. Embora esses grupos sejam organizados pelo serviço de saúde, eles podem indicar uma superação da organização tradicional que possuem, e ganharem um sentido de exercício de cidadania:

Nós temos o grupo de alimentação saudável. Um grupo de mulheres, que é o grupo de miss...né?! grupo de artesanato, tem o info cohab... que é um grupo que explica informática pra quem não tem nenhuma base; grupo de alimentação saudável; grupo de caminhada. (entrevista enfermeira 03).

Bonet (2006) aponta que os profissionais de saúde precisam interpretar as mensagens e as ações da população, que vivenciam significados e emoções diferentes nas suas experiências. Essa compreensão propicia a elaboração de práticas que busquem a aproximação cultural entre os sujeitos.

Guizardi e Pinheiro (2006) referem que, a partir dos vínculos estabelecidos, a equipe desenvolve uma noção de responsabilidade coletiva pelas famílias. Como consequência desse processo, surge uma concepção ampliada de saúde, com sentidos complexos, permeados e concretizados através de novos vínculos, através dos quais a saúde pode ser referenciada como amizade, conversa, diversão, festa, encontro, caminhada, etc. Na análise verificou-se várias organizações de práticas educativas.