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A educação em saúde (ES) é definida pelo MS como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. (BRASIL, 2001).

Para Candeias (1997), entende-se por educação em saúde quaisquer combinações de experiências de aprendizagem delineadas com o objetivo de facilitar ações voluntárias que conduzam à saúde. A palavra combinação enfatiza a importância de combinar múltiplos determinantes do comportamento humano com múltiplas experiências de aprendizagem e de intervenções educativas. A palavra delineada distingue o processo de educação e saúde de quaisquer outros processos que contenham experiências acidentais de aprendizagem, apresentando-o como uma atividade sistematicamente planejada. Facilitar significa predispor, possibilitar e reforçar. Voluntariedade significa sem coerção e com plena compreensão e aceitação dos objetivos educativos implícitos e explícitos nas ações desenvolvidas e recomendadas. Ação diz respeito a medidas comportamentais adotadas por uma pessoa, grupo ou comunidade para alcançar um efeito intencional sobre a própria saúde.

A ES propicia aos sujeitos a tomada de decisão para a adoção de novos hábitos e condutas de saúde (ALVES, 2005). Constitui-se numa prática social, devendo ser centrada na problematização do cotidiano, na valorização das experiências individuais e de grupos sociais, assim como no reconhecimento das diferentes realidades; representa um espaço de produção e aplicação de saberes destinados ao desenvolvimento humano, onde as práticas educativas em

saúde devem estar voltadas para o desenvolvimento de capacidades individuais e coletivas visando à melhoria da qualidade de vida (PEREIRA, 2003). Educação e Saúde se incorporam de forma difusa na sociedade, onde a Saúde se apresenta como uma prática social atravessada pela Educação, e segue permeando a dinâmica da vida dos indivíduos. (MELO, 1984).

Muitos pesquisadores têm se debruçado sobre o tema, e alguns conceitos vêm sendo desenvolvidos. Stotz (2007) refere que a educação em saúde - assim chamada porque no uso da preposição “em” afirma-se o vínculo com os serviços de saúde - foi destinada a desempenhar um importante papel em termos de controle social dos doentes e/ou das populações de “risco”. Seu âmbito é relativamente amplo, inclui desde técnicas destinadas a assegurar a adesão às terapêuticas, lidar com o abandono do tratamento, com a negociação da prescrição médica pelos pacientes até outras, direcionadas para a prevenção de comportamento de “risco”.

Para Alves (2005), constitui um conjunto de saberes e práticas orientados para a prevenção de doenças e promoção da saúde. É o campo de prática e conhecimento do setor saúde que se ocupa mais diretamente com a criação de vínculos entre a ação médica e o pensar e fazer cotidianos da população (VASCONCELOS, 2001). É compreendida, também, como um conjunto de saberes e práticas diversas, mais ou menos formalizadas, oficiais ou não, que se dão no interior do setor saúde (PEREIRA, 1993). Pode ser definida como sendo um campo de práticas que se dão no nível das relações sociais normalmente estabelecidas pelos profissionais de saúde, entre si, com a instituição e com o usuário, no desenvolvimento cotidiano de suas atividades. (L’ABBATE, 1994).

Segundo Sabóia (1997), a educação em saúde deve se constituir em uma prática capaz de favorecer as condições para o desenvolvimento do senso crítico dos indivíduos. A seguir é apresentado um breve histórico da educação em saúde no Brasil.

1.4.1 Breve histórico

A Educação em Saúde foi marcada por se desenvolver historicamente através de práticas normativas, autoritárias e controladoras, embasadas inicialmente pelo modelo Higienista, e, reforçada, posteriormente, pelo modelo Sanitário. Ambos se caracterizaram por atribuir à população pobre o surgimento das doenças, pois se considerava que os problemas de saúde estariam relacionados à ignorância sobre as normas de higiene; dessa forma, a

mudança de atitudes e comportamentos individuais solucionariam os problemas de saúde como um todo. Não se concebia a determinação social do processo saúde-doença. (SMEKE; OLIVEIRA, 2001).

Analisando o cenário internacional, desde a segunda metade do século XX, tem sido tema de discussão em encontros de saúde. Em 1958 a Assembléia Mundial da Saúde, em Genebra, reafirmou a idéia de que “a educação sanitária abrange a soma de todas aquelas experiências que modificam ou exercem influência nas atitudes ou condutas de um indivíduo com respeito à saúde e dos processos expostos necessários para alcançar estas modificações”. Em 1962, na 5ª Conferência de Saúde e Educação Sanitária, Filadélfia, o Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) assinalou que “os serviços de educação sanitária estão chamados a desempenhar um papel de primeiríssima importância para saltar o abismo que continua existindo entre descobrimentos científicos da medicina e sua aplicação na vida diária de indivíduos, famílias, escolas e distintos grupos da coletividade”. (BRASIL, 2007).

Na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, que ocorreu em Alma-Ata em 1978, afirmou-se que os cuidados primários de saúde incluíam a educação, no que diz respeito aos problemas prevalecentes de saúde e aos métodos para sua prevenção e controle. (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA, 1978).

No Brasil, nas décadas de 60 e 70, os espaços institucionais para a educação em saúde eram bastante limitados, e esta se caracterizava fortemente pelo controle do sujeito. Contraditoriamente, essa situação permitiu a criação de condições para a ampliação do conceito sobre o processo saúde/doença e do redimensionamento do papel do educador e da Educação em Saúde. O enfrentamento do crescimento da iniquidade e do descaso estatal pelos problemas do povo se conformou como forma de resistência, de organização da vida política e de relação entre o saber popular e o saber acadêmico (SMEKE; OLIVEIRA, 2001), permitindo o desenvolvimento de um modelo de educação em saúde, a educação popular em saúde, caracterizado pela participação de diversos atores, entre eles profissionais de saúde e grupos populares, quebrando com a tradição autoritária e normatizadora, até então tão presente nas praticas educativas de saúde (VASCONCELOS, 1998). Buscava trabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando formas coletivas de aprendizado e investigação de modo a promover o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. (VASCONCELOS, 2001).

No Brasil, a educação em saúde tem conquistado espaços cada vez maiores, refletindo a importância atribuída às suas práticas. Na 8ª CNS, em 1986, a saúde é firmada como direito

de cidadania e reconhecidos os direitos à informação, educação e comunicação como direitos inerentes à saúde. Na 9ª CNS, realizada em 1992, a informação, comunicação e educação são discutidas na perspectiva da ampliação da participação social. Na 10ª CNS, em 1996, ocorreu a determinação de prazos para a elaboração de uma política nacional de informação, educação e comunicação em saúde. Na 11ª CNS, em 2000, foi reforçada a importância da constituição de uma Rede Pública Nacional de Comunicação em Saúde e desenvolvimento de estratégias de divulgação de materiais informativos e educação em saúde por meio de rádio e reconhecimento das rádios comunitárias. A 12ª CNS, realizada em 2003, recomendou a realização da I Conferência Nacional de Informação, comunicação e Educação Popular em Saúde (ARAUJO; CARDOSO, 2007). A 13ª CNS, em 2007, teve como tema “Saúde e qualidade de vida: Política de Estado e desenvolvimento”, discutida em três eixos: Desafios para a efetivação do direito humano à saúde no século XXI, políticas públicas para a saúde e qualidade de vida, e a participação da sociedade na efetivação do direito humano à saúde. Essa discussão reforçou a importância das ações voltadas para as necessidades e determinantes sociais da saúde dos indivíduos e do coletivo, com atenção para o conceito ampliado de saúde e os direitos sociais, evidenciando a profunda contribuição das práticas de educação em saúde nesse processo.

A Educação Popular em Saúde manteve-se presente na trajetória de lutas e conquistas sociais, avançando na conquista de novos atores e espaços de desenvolvimento, assim como maior organização social; ativa na luta para superação do fosso cultural existente os serviços de saúde, as organizações não governamentais, o saber médico, as entidades representativas dos movimentos sociais e a dinâmica de adoecimento e cura do mundo popular (VASCONCELOS, 2001). Para Pedrosa (2001), se constitui numa metodologia de educação em saúde de grande valor no contexto da ESF. Muitas são as experiências acumuladas envolvendo profissionais, usuários, lideranças comunitárias, grupos organizados em espaços para debates e discussões sobre temas de interesse de todos, favorecendo a construção dos sujeitos sociais e a co-gestão dos problemas identificados.

1.4.2 As abordagens de educação em saúde

Stotz (2007) faz referência a alguns enfoques educativos que têm sido utilizados nas práticas de educação em saúde. Para este autor, o enfoque educativo predominante nos

serviços de saúde é o preventivo. Um dos pressupostos básicos é a relação do comportamento dos indivíduos na etiologia das doenças modernas, sendo visto como um fator de risco. A educação orienta-se segundo o modelo biomédico, caracterizando-se pelo repasse de informações, dadas, normalmente, através de consultas ou em grupos de palestras.

No enfoque da escolha informada, o profissional de saúde preocupa-se em compartilhar e explorar as crenças e os valores dos usuários a respeito de informações sobre saúde, bem como discutir suas implicações. Enfatiza-se o lugar do indivíduo, sua privacidade e dignidade, propondo uma ação com base no princípio da eleição informada sobre os riscos à saúde. Para Stotz (2007), a eficácia desse enfoque pressupõe a demonstração de que o usuário tenha compreensão da situação.

O enfoque do desenvolvimento pessoal busca ampliar as potencialidades e capacidade do indivíduo para o enfrentamento dos controles externos sobre a vida e a saúde de forma mais autônoma, a exemplo da comunicação, do conhecimento do corpo, da gestão do tempo para cumprir prescrições médicas, de ser positivo consigo mesmo e de saber trabalhar em grupos.

Vuori apud Stotz (2007) refere que enfoques como os acima referidos têm características individualizantes, parciais e corretivas frente a problemas que requerem predominantemente soluções sociais e holísticas. Para este autor, este tipo de enfoque contribui para que os governos transfiram aos indivíduos a responsabilidade por problemas cuja determinação se encontra na própria estrutura da sociedade.

O enfoque radical centra na perspectiva da determinação social da doença, considerando que as condições e estrutura social são as causas básicas dos problemas de saúde, e que a Educação em Saúde poderia ser um instrumento de luta política para a melhoria das condições de vida e saúde. Stotz (2007) afirma, porém, que este enfoque negligencia a dimensão singular dos problemas de saúde, na medida em que não resolve adequadamente a dialética do individual e do social no campo da Saúde Pública. Para este autor, a dimensão do sofrimento individual e do direito da pessoa à saúde não pode ser negligenciado pela ênfase dada ao caráter social da doença e da necessidade das políticas públicas na área da saúde.

A Educação Popular em Saúde (EPS) se constitui num outro enfoque, que se aproxima do enfoque radical. Caracteriza-se por utilizar os princípios da Educação Popular formulados por Paulo Freire. Esta abordagem sustenta-se numa grande diversidade de experiências, sistematizadas a partir de problemas de saúde específicos no âmbito dos serviços de saúde, dos locais das residências e dos ambientes de trabalho. A sua característica fundamental está no fato de ter, como ponto de partida do processo pedagógico, o saber anterior dos sujeitos,

considerando suas experiências de vida, e dos movimentos sociais e organizações populares nas comunidades, de moradia, de trabalho, de gênero, de raça e etnia. (STOTZ, 2007).

Vila e Vila (2007) apresentam duas abordagens que se destacam entre as práticas pedagógicas: a pedagogia tradicional caracterizada por ações centradas no professor, onde o educando recebe passivamente as informações; e a pedagogia crítica ou renovada, também conhecida como problematizadora, onde professor e aluno são mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo da aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa realidade, possibilitando a transformação social.

Apesar de referenciar as abordagens de forma distinta, enfatizando as características de cada uma, é importante lembrar que, na prática, elas se misturam, influenciadas por fatores como, por exemplo, objetivos da prática, perfil e formação do profissional e perfil do usuário.

Acioli (2008), ao refletir sobre a importância da prática educativa como forma de cuidado na enfermagem em Saúde Pública, com base na pedagogia crítica e na proposta da Construção Compartilhada do Conhecimento5, afirma que as ações devem ser desenvolvidas a partir da observação da realidade, das necessidades e interesses identificados. Aponta que o convívio e o respeito às diferenças torna-se algumas vezes um fator tão ou mais importante do que as informações técnicas no desenvolvimento das ações educativas junto aos grupos sociais de caráter popular. Para a autora, nessa perspectiva, as práticas educativas devem ser orientadas buscando a interdisciplinaridade, a autonomia e a cidadania.

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A construção compartilhada do conhecimento é uma metodologia desenvolvida na prática da educação e saúde que considera a experiência cotidiana dos atores envolvidos e tem por finalidade a conquista, pelos indivíduos e grupos

populares, de maior poder e intervenção nas relações sociais que influenciam a qualidade de suas vidas. (CARVALHO et al., 2001).