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Abordagens teóricas das crises capitalistas: notas pro pedêuticas

2 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO CON TEXTO DA CRISE ESTRUTURAL

2.1 Abordagens teóricas das crises capitalistas: notas pro pedêuticas

As crises são constitutivas do capitalismo. Não existe capitalismo sem crise. Elas surgem como solução para a existência do capital, conforme apontaMészáros (2002, p. 795, grifo do autor):

[...] crises de intensidade e duração variadas são o modo natural de existência do capital: são maneiras de progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação. Nesse sentido, a última coisa que o capital poderia desejar seria a superação permanente de todas as crises,

1 Quanto à globalização financeira, como fenômeno que marca a grande transformação que aconteceu a

partir dos anos 1970, faço, nesta minha pesquisa, abstrações a partir dos trabalhos deChesnais(1996),

Salama(2010),Duménil e Lévy(2003), etc. Este meu estudo não isola a análise do aspecto financeiro, mas por questões de limite de tempo concentro forças no aspecto da globalização dos processos produtivos, sem, no entanto, ignorar as outras dimensões do fenômeno. No sentido de que o capital é uma totalidade complexa, contraditória e em movimento.

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mesmo que seus ideólogos e propagandistas frequentemente sonhem com (ou ainda reivindiquem a realização de) exatamente isso.

A crise, que se manifesta em todos os poros do sistema capitalista, é do conjunto da determinação do capital em todo o seu nível de abstração. Há crise porque há dinheiro, porque a economia é monetária, mas não é isso que explica a crise. A relação entre capital e trabalho também pode ser vista como um dos determinantes da crise capitalista. Por exemplo, diante de uma crise, se a taxa de salário está muito elevada, fica difícil para o capitalista manter altas taxas de lucratividade. Todavia, não é a elevação do salário2 que vai determinar a crise capitalista, mas, sim, o conjunto das relações

sociais estabelecidas em seu modo de produção. Ainda, a crise está no fato dos capitais não conseguirem se complementar e, por isso, devemos também considerar a questão da rotatividade do capital. Nesse contexto, o objetivo desta seção não é realizar um estudo das diversas explicações das crises encontradas na literatura, trata-se apenas de considerar e expor notas de estudos feitos por alguns autores que analisam os diversos componentes da abordagem marxista da crise.

Em La critique et la crise du capitalisme global,Farias(2010) faz uma crítica a algumas abordagens economicistas sobre a crise capitalista global. Para ele, essas abordagens são inspiradas na tese da primazia das forças produtivas sobre as relações de produção. O autor entende que tais abordagens se distanciam do quadro da categoria marxiana do modo de produção capitalista, na medida em que enfatizam a natureza motriz das inovações financeiras do capitalismo patrimonial em relação às tecnologias da informação e comunicação, ao prejuízo da categoria luta de classes, na dinâmica do capitalismo liberal contemporâneo.

Em outra obra,Farias(2003, p. 161) busca representar graficamente (conforme a Figura 4) “[...] a configuração dialética no seio das evoluções do capital e do Estado, cujas mediações de contradições são historicamente determinadas.”. Essa análise de

Farias(2010) nos auxilia na compreensão da dinâmica das crises, ao longo das duas últimas décadas, no contexto “[...] das respectivas evoluções do capital e do Estado, cujas mediações de contradições são historicamente determinadas, mas estão articuladas no movimento geral seguinte, que leva a uma maior intensidade das relações dialéticas entre ambas as categorias.” (FARIAS,2008).

Em mais uma obra,Farias(2014) demonstra que a crise não diz respeito somente à crise dos capitais numerosos, mostrando que ela é tanto do capital em geral quanto dos capitais numerosos, e em cada nível ela aparece de um jeito. No nível mais simples,

2 Devemos considerar que, em um momento de dificuldade econômica, se o Estado não fizer intervenção

nenhuma e o capitalista aumentar o salário dos trabalhadores, o capitalista possivelmente entrará em crise. Por outro lado, se o capitalista tiver uma série de medidas que abram a possibilidade de produção em massa, democratização do consumo, ampliação do mercado interno, então, aumentar salário talvez seja positivo para ele.

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Figura 4 – As intensidades das relações dialéticas (Capital e Estado)

Fonte: (FARIAS,2003, p. 161).

aparece, conforme mostrado na Tabela1, como possibilidade geral de crise, em função da moeda permitir a compra a prazo, possibilitando que o trabalho embutido na mercadoria transforme-se em pura perda. Nessa concepção teórica, a crise não é porque existe moeda: temos várias outras razões.Farias(2014) mostra que o movimento cíclico do capital social total forma um grande silogismo, com três pequenos silogismos apresentados por Marx (2011), que coloca o capital-dinheiro (generalidade), o capital-mercadoria (particularidade) e o capital-produtivo (singularidade) como complementares, embora essa complementação seja problemática. Com efeito, os capitalistas que estão ao mesmo tempo se combinando, não vivem um sem o outro: um tem que trabalhar com o dinheiro, outro com a mercadoria e outro com a produção. Eles complementam-se, mas ao mesmo tempo disputam a mais-valia, que é o objetivo de todos.

Marx(2011) mostra que o capital social total é uma articulação de diversos ciclos dos capitalistas. Quando o capitalista diz que quer uma determinada matéria-prima, então, o fornecedor deverá tê-la disponível. Dessa maneira, vai haver uma totalização de atividades, em que um é capitalista, o outro é banqueiro, o outro é comerciante. Assim, tem-se uma unidade entre eles. Mas, como fazer uma divisão das funções entre os capitalistas de tal maneira que eles sejam exatamente complementares? Isso é problemático.Marx(2011) , no livro 2 d’O Capital, diz que eles se completam, mas, no livro 3, da mesma obra,Marx(2008b) diz que, apesar dessa complementariedade, eles lutam entre si. Porque o comerciante, por exemplo, quer levar uma fração da mais-valia maior do que a do industrial ou do que a do banqueiro, e então falta um consenso operacional entre os capitalistas, no sentido de que a massa de mais-valia produzida é uma só e cada um vai querer uma maior fatia. E tem mais, outro problema é que, através do sistema financeiro, há uma antecipação das ocorrências futuras. Considera-se

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hoje a riqueza do futuro, tem-se o capital especulativo: fictício. Enfim, Marx (2011),

Marx(2008b) coloca o problema da crise capitalista ao supor que os capitalistas vão ser complementares e também concorrentes entre si.

Tabela 1 – Silogismo

Fonte: FARIAS, F. B. de. Prolegômenos à crítica do imperialismo global. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 17, n. esp. p. 85–101, jul. 2014.

Ainda na Tabela1,Farias(2014) apresenta o termo rotação do capital social total como expressão da base material das crises capitalistas. Esse fenômeno da rotatividade diz respeito ao fato de existir capital fixo e capital circulante.Farias(2014) mostra que, neste caso,Marx(2011) está trabalhando uma dialética que é uma simples antinomia, entre o que é fixo e o que é circulante. Ele mostra ainda que no problema do capital fixo e do capital circulante não reside toda a dialética do processo, é somente um aspecto da totalidade, porque todos os capitais, tanto o banqueiro, quanto o comerciante e o industrial, terão que ter capital fixo e capital circulante, mas, sobretudo, o capital produtivo e o capital comercial (galpões, software, máquinas, computadores etc).

A rotatividade trata do fato de o capital ser um movimento de valores, de maneira que esses valores ficam fixados em determinadas coisas, em que a mercadoria é vendida a prazo. Nesse caso, quando ocorre crise generalizada, muitos equipamentos

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ficam obsoletos, ocasionando o problema da base material da crise. Por exemplo, não se pode passar do fordismo ao pós-fordismo sem que capitais se desvalorizem, isto é, não consigam ceder o seu valor. Assim, a destruição criativa (SCHUMPETER, 1961) vai necessariamente obsolescer tecnologias onde o capitalista não pode prever. Nesse sentido, o Estado tem uma responsabilidade sobre isso, ajudando na política científico- tecnológica, financiando renovação da empresa, renovação das máquinas. Quanto a isso,

Alperovitz e Daly(2010, p. 30) observa que “Grande parte dos progressos que, no início dos anos 1990, impulsionaram nossa economia de alta tecnologia surgiram diretamente de programas de pesquisa e sistemas técnicos financiados pelo governo federal e, com frequência, desenvolvidos em colaboração com ele.”. Mas, isso é uma outra questão, não é a questão da exploração do homem pelo homem, embora estejam relacionadas.

Farias(2014) mostra, na coluna 2 da Tabela1, a existência da exploração do homem pelo homem, onde o trabalhador e o capitalista são uma unidade. Um não vive sem o outro. Embora estejam em luta, um quer subsistir e o outro quer se enriquecer com a mais-valia. Nesse problema, temos o momento da produção onde eles se encontram, mas também temos a questão da circulação que passa pelo Estado, o regulamentador de contratos de trabalho e viabilizador das estradas para que o capital circule, evitando lentidão entre o momento da produção e da realização do valor.

Jacot(1976) faz uma exposição sintetizada a respeito da concepção marxista da crise. Embora a sua obra não tenha contemplado a dimensão financeira, ele teve o mérito de colocar que o conceito de crise em Marx tem múltiplas determinações.Jacot(1976) mostra que a queda tendencial da taxa de lucro é apenas uma causa imediata da crise, não a sua explicação. Nessa sua análise sobre a crise do capitalismo contemporâneo, o autor relaciona algumas condições permissivas das crises, causas efetivas das crises e fundamentos das crises. Apesar de Karl Marx nunca ter elaborado explicitamente uma teoria das crises,

Jacot (1976, p. 410) afirma que “[...] os elementos constitutivos de uma interpretação global das crises permanecem relativamente espalhados na obra de Marx.”. A partir disso,Jacot(1976), relaciona algumas condições permissivas das crises, chamando a atenção para o fato de que certos fatores monetários, técnicos ou salariais tornam possíveis as crises, sem, no entanto, torná-las necessárias:

I1) A moeda como «possibilidade geral» das crises: o fato da moeda permitir a separação entre a compra e a venda é uma das possibilidades de formação de crise. A moeda faz parte da crise, permitindo essa separação entre criação e realização do valor. Isso ocorre porque no sistema capitalista é possível separar a compra da venda;

I2) A rotação do capital fixo como «base material» das crises: a renovação e extensão do capital fixo constituem a base material do desenrolar cíclico da reprodução do capital, de maneira que estas fornecem condições objetivas da relativa periodicidade desses

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ciclos, bem como aquelas de seu eventual encurtamento;

I3) As flutuações da taxa de salários como «vicissitudes correlativas» do ciclo industrial: uma elevação progressiva dos salários pode muito bem terminar por atrasar a marcha da acumulação. Todavia, é preciso compreender que isso não é a causa de crise, pois essa alta de salário não implica necessariamente em uma baixa da taxa de lucro.

Figura 5 – A teoria marxista das crises

Fonte: JACOT, H. Croissance économique et fluctuations conjoncturelles: une présentation critique. Lyon, França: Presses Universitaires de Lyon, 1976. p. 431.

Além das condições permissivas das crises (I1, I2e I3), com base na Figura5,Jacot

(1976) examina também o que denomina de causas efetivas das crises (II1, II2e II3), quais sejam, na sua opinião:

II1) O subconsumo como «condição prévia» das crises: o subconsumo é condição necessária de todas as formas de sociedade que se baseiam na exploração. Na sociedade capitalista, ele implica em crise, embora não ocupe o papel de causa primordial das crises;

II2) A desproporcionalidade como lugar de manifestação das crises (entre os ramos