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Criatividade e as relações sociais de produção

5 AS POTENCIALIDADES SOCIAIS DA COLABORA ÇÃO EM MASSA

5.2 A criatividade inerente ao trabalho humano e o feti chismo da colaboração em massa

5.2.2 Criatividade e as relações sociais de produção

Graças à introdução de tecnologias no processo de produção, aumenta-se a riqueza material produzida, embora a dimensão social da riqueza não se altere em favor dos produtores. É nesse sentido que o operário trabalha mais, considerando- se um mesmo intervalo de tempo. Esse aumento da produtividade não significa maior empenho físico, pois, com o mesmo esforço, pode-se produzir uma maior quantidade de valores-de-uso, barateando a mercadoria e, como consequência, o próprio trabalhador. Na intensidade, o aumento da quantidade se deve exclusivamente à maior quantidade de trabalho dentro do mesmo tempo, ou mais trabalho concentrado. Normalmente, há um aumento da produtividade alinhado à uma maior intensidade, de maneira que as tecnologias computacionais avançaram (aumento da produtividade), juntamente com o aumento do grau de concentração de exigência do trabalho (aumento da intensidade). O trabalhador tem um desgaste maior por conta dessa intensificação do trabalho. A Informática é sempre um grande exemplo a respeito disso. Comparar a Informática dos anos 1970 com a de hoje reforça esse argumento. A rapidez das máquinas exige do trabalhador uma maior concentração no trabalho e, consequentemente, um desgaste maior, por conta desse processo de intensificação. Isso ajuda a evidenciar que o aumento da intensidade do trabalho é exatamente o desgaste do indivíduo. As doenças ocupacionais constatam isso (ANTUNES,2009).

SirleiOliveira (2009), em sua obra intitulada Infoproletários: degradação real do trabalho virtual, apresenta uma análise do processo de informatização do setor de teleatendimento no Brasil, citando o desemprego gerado a partir da inserção das novas tecnologias da informação. A autora destaca que “[...] os clientes são ‘atendidos’ pelas máquinas, sendo transferidos a uma pessoa apenas em casos extremos.” (OLIVEIRA,

2009, p. 114, grifo do autor). Nesse estudo, ela descreve ainda como se dá o processo de gerenciamento dentro do quadro hierarquizado dos operários do teleatendimento. A partir de algumas entrevistas com trabalhadores da empresa Atento, a autora ressalta que

Questões como direito de ir ao banheiro, um intervalo digno para os lanches e refeições, bem como uma carga menor de pressão em relação aos resultados são questões que aparecem nas avaliações feitas pelos teleoperadores como necessidades para a melhoria das condições gerais de trabalho. (OLIVEIRA,2009, p. 131).

Nesse mesmo setor (teleatendimento ou call centers),Lerrer-Rosenfield(2009) registra o depoimento de um teleoperador que descreve a situação de uma companheira de trabalho que não conseguiu autorização do seu supervisor para ir ao banheiro e terminou por urinar-se na roupa. Muitos outros exemplos servem para mostrar que as promessas feitas pelos teóricos da revolução informacional não passam de quimera. Nesse

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sentindo,Mészáros(2006) revela que alguns programadores de computador chegam a sacrificar suas próprias vidas para atender à grande demanda de fabricação de software.

Por exemplo, um jovem programador de computador morreu devido ao excesso de trabalho, segundo a sentença do Tribunal Distrital de Tóquio na qual constava que ‘o tempo médio de trabalho anual era superior a 3 mil horas. Nos três meses era superior a 3 mil horas. Nos três meses anteriores à sua morte, o rapaz chegou a trabalhar trezentas horas por mês. Naquele momento ele estava ocupado em desenvolver um sistema de software para bancos’ (Japan Press Weekly, 28/03/1998). Outro caso um jovem rapaz que morreu de ataque de coração devido ao excesso de trabalho: ‘nas duas semanas anteriores à sua morte, ele trabalhou em média 16 horas e 19 minutos por dia’ (Japan Press Weekly, 4/4/1998). (MÉSZÁROS,2006, p. 35, grifos do autor).

EmboraTapscott e Williams(2007) citem a Foxconn como exemplo de empresa limpa,Antunes(2012, não paginado, grifo do autor) a apresenta envolvida em casos de suicídio.

O caso da Foxconn é elucidativo. Fábrica do setor de informática e das tecnologias de comunicação, é exemplo de ECM (electronic contract manufacturing), empresa terceirizada responsável pela montagem de produtos para a Apple, Nokia, HP e várias outras transnacionais. Em sua unidade de Longhua (província de Shenzhen), onde são fabricados os iPhone, desde 2010 ocorrem suicídios de jovens trabalhadores, em sua maioria evidenciando sua intensa exploração, os salários degradantes e o isolamento ao qual estão submetidos.

Não satisfeitos com os limites físicos impostos ao processo de intensificação do trabalho, os capitalistas buscam ainda beneficiar-se do aumento da força produtiva por meio da cooperação virtualizada, sem pagar nada a mais por isso. Nesse sentido,Robinson

(2001apud BORGES,2008, p. 39) festeja o fato das indústrias criativas poderem criar uma sinergia criativa poderosa, quando profissionais de diferentes áreas trabalham juntos. Segundo o autor, com a cooperação entre os trabalhadores, são preparados cenários criativos que podem gerar oportunidades para experimentar, falhar, perguntar, descobrir e criar. Todavia, aquilo que o trabalhador recebe como remuneração não leva em conta a força produtiva social criada pela cooperação, mas paga apenas a venda da sua força de trabalho individual. “Essa metamorfose faz com que o aumento das forças produtivas por meio da cooperação dos trabalhadores, vincule-se ao capital e, mais do que isso, torne-se fruto do capital.” (ROMERO,2005, p. 79).

No capitalismo, o trabalho abstrato e o valor-de-troca passam a dominar. O trabalho social perde o papel de articulador e integrador do trabalho coletivo para se apresentar, sob a égide do trabalho abstrato, agora, como um instrumento padronizador do trabalho humano, única forma de calcular e extrair uma medida de valor, fundamental para a produção de mercadorias. Dessa forma, a venda da força de trabalho e do poder

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criativo do trabalhador torna-se um processo de captura da subjetividade (ALVES,1999), alienação “[...] da sua habilidade de agir criativamente no interior da sociedade através de uma relação plena e autônoma com a natureza e com outros homens.” (WOLFF,

2005, p. 43). Nesse sistema impulsionado pela valorização do capital, até mesmo o tempo do não-trabalho passa a ser tempo útil para o capitalista, sob a alegação de que o fundamento da criatividade é o ócio, conforme defendeDe Masi(2000) na sua teoria do ócio criativo.

Afirmando que estamos ingressando em uma era da prosperidade sem trabalho,

De Masi(1999,2000) concebe a criatividade como resultado da atividade no tempo livre (tempo do não-trabalho), criatividade do ócio, gratuita, sem ônus para o capital, que dela se beneficia na medida da sua utilidade para seus fins de acumulação capitalista. Para isso, a condição do trabalhador sem emprego não será de desempregado, mas a de sujeito com maior tempo livre para desfrutar e aproveitar. O autor afirma:

Nos estabelecimentos da Toyota (automóveis) no Japão, um quarto dos operários da montagem foi substituído por robôs. Na Citroen, a soldagem do grande sedã de luxo Cx é feita por um robô que desempenha as tarefas de aproximadamente trinta operários. No mesmo estabelecimento, os cinquenta responsáveis pelas empilhadeiras foram substituídos por cinco programadores sentados diante de um painel de controle; os depósitos de peças individuais são automatizados e as empilhadeiras são comandadas por um programador. (DE MASI,1999, p. 61).

Ele observa ainda:

De modo diferente do desemprego, que necessariamente é acompanhado pelos males da miséria e da marginalização, a libertação do trabalho admite formas de vida muito mais livres e felizes. Passam a existir uma riqueza mais bem distribuída, uma autodeterminação sobre as tarefs, uma atividade intelectual mais rica em conteúdos, maior importância dada a estética, à qualidade de vida, e maior espaço para a auto-realização subjetiva. (DE MASI,1999, p. 11-12).

Em sua obra intitulada Desenvolvimento sem trabalho,De Masi(1999, p. 8) reafirma sua posição a respeito do potencial criativo do desemprego:

[...] cada vez que a inovação tecnológica e estrutural permite transferir o esforço humano para as máquinas, surgem duas análises diferentes: num primeiro momento, o fenômeno é percebido como desemprego e como ameaça ao equilíbrio social; e apenas num segundo tempo é percebido como libertação da escravidão do trabalho, da carestia e da tradição.

Nessa concepção teórica, é colocada a ideia do tempo livre como visão fetichizada da redução do tempo necessário para a produção de bens. TodaviaMontaño (2007, p. 114, grifo do autor) contesta:

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Uma coisa é maior tempo livre para trabalhadores empregados e com salários elevados (produto da diminuição do tempo necessário para produzir, ocasionada pelo desenvolvimento tecnológico); outra é ’tempo livre’ para os desempregados que não têm forma de ganhar sua vida (produto da apropriação privada do desenvolvimento tecnológico, que deriva em radical expulsão de força de trabalho do mercado formal).

Poderíamos até ter um maior tempo livre para o trabalhador, caso as relações de produção permitissem, pelo desenvolvimento tecnológico, uma redução da jornada de trabalho, de modo que todos trabalhassem menos. Obviamente, isso não é possível no capitalismo. Ocorre que “[...] a sociedade do tempo livre é uma possibilidade criada e negada pelo capitalismo ao mesmo tempo.” (KATZ; COGGIOLA,1995, p. 125)

A inépcia teórica deDe Masi(1999) não lhe dá condições de explicar porque, mesmo com uma suposta diminuição do tempo de trabalho, milhões de trabalhadores ainda fazem horas-extras gratuitas nas empresas. O próprio autor afirma:

[...] milhões de trabalhadores intelectuais, em vez de reduzirem progres- sivamente o próprio horário de expediente ou de ao menos largarem o serviço pontualmente, permanecem nas empresas gratuitamente, todos os dias, muitas horas a mais do que as previstas no contrato de trabalho. Depois de um certo tempo, o overtime se torna exigência por parte do chefe. E, o que é pior, com o passar do tempo, se torna também uma dependência psicológica do empregado: ele se habitua a tal ponto a passar todo o dia no escritório, que, se saísse antes, se sentiria perdido, desorientado, inútil. (DE MASI,2000, p. 160, grifo do autor).

Ao considerar o desemprego em massa um processo natural que libertaria a humanidade do fardo do trabalho, esse autor não explica de que forma o trabalhador irá sobreviver, no sistema capitalista, sem a venda da sua força de trabalho. Afinal, quem tem fome não é livre para nada (SARMENTO,2004). Quanto a isso,Marx(2009b, p. 740) afirma que

A condenação de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada, em virtude do trabalho excessivo da outra parte, torna-se fonte de enriquecimento individual dos capitalistas e acelera ao mesmo tempo a produção do exército industrial de reserva, numa escala correspondente ao progresso da acumulação social.

De Masi(1999,2000) deveria tentar explicar como o capital iria sobreviver sem o trabalho, pois, na sociedade capitalista, as novas tecnologias não sinalizam a tendência para o fim da sociedade do trabalho, mas a tendência para a super-exploração da classe trabalhadora.De Masi(1999, p. 87, grifo do autor), não tratando da superação do atual sistema econômico, fala apenas em reeducação da população:

Será preciso reeducar toda a população não só para o trabalho do qual se está libertando, mas também para o trabalho do qual se está

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libertando, mas também para as atividades criativas, para o ócio ativo (’o desemprego criativo’, diria Ivan Illich) ao qual terá de se acostumar.

Certamente, “Se o proletariado efetivamente desaparecesse, sucumbiria também o capitalismo com o declínio desta classe, já que, sem operários não há trabalho vivo, mais valia, lucro e consumidores para as mercadorias fabricadas por robôs.” (KATZ; COGGIOLA,1995, p. 144), seria sua derradeira crise. Assim, no tocante ao aumento da exploração do trabalhador como tentativa de amenizar os efeitos da crise estrutural (MÉSZÁROS,2009a), essa libertação do trabalho (DE MASI,1999) é, na realidade, transformada em colapso do trabalho. Conforme aponta (MÉSZÁROS,2009a), no último quarto de século o que vimos foi a crise estrutural do capital, determinada pela ativação de um conjunto de contradições e limites que não podem ser superados pelo próprio sistema e que termina por empregar uma forte ofensiva contra o trabalho, com o fim de aumentar os níveis de extração de mais-valia, intensificando o trabalho e diminuindo os custos de produção por via da redução do quadro de pessoal, possibilitando, portanto, um aumento da exploração da força de trabalho, e, consequentemente, ampliação da concentração de capital.

É imprescindível apontar que o capitalismo, que vive permanentemente em crise,

[...] não é capaz de aproveitar a potencialidade das inovações que renova permanentemente e, por esta razão, subutiliza cronicamente o caudal tecnológico, desocupa força de trabalho, impõe altos níveis de ociosi- dade da capacidade instalada, permite um nível de robotização muito inferior ao tecnicamente viável e mantém a sociedade na pré-história da automatização. Em relação às suas possibilidades, o desenvolvi- mento técnico-científico é cada vez mais parcelado e incompleto. (KATZ; COGGIOLA,1995, p. 16).

Sendo assim, a condição proletária baseada no ócio, além de aumentar a taxa de desempregados, intensifica a jornada de trabalho daqueles que conseguem a todo custo manter-se no mercado. Desta maneira, “Para prolongar o trabalho excedente, encurta-se o trabalho necessário com métodos que permitem produzir-se em menos tempo o equivalente ao salário.” (MARX,2009b, p. 578), de maneira que o trabalhador produz em menos tempo o valor necessário à sua subsistência, independente da redução, ou não, dos preços das mercadorias.

Nesta era da informática, convive-se também com o aumento da mais-valia absoluta. Isso pode ser observado facilmente nos setores que utilizam recursos informáticos como elemento no processo produtivo. Sob o monitoramento de sistemas informáticos, muitos trabalhadores são interligados quase 24 horas/dia às suas atividades laborais, dedicando a sua existência e a sua criatividade à valorização do capital. Não é muito diferente às descrições feitas porMarx(2008a, p. 307) às condições de trabalho do século XIX:

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Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e a saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo destinado às refeições para incorporá-lo, sempre que possível, ao próprio processo e produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos como a caldeira consome carvão [...] o sono normal necessário para restaurar, renovar e refazer as forças físicas reduz o capitalista a tantas horas de torpor estritamente necessárias para reanimar um organismo absolutamente esgotado. Não é a preservação da força de trabalho que determina o limite da jornada de trabalho; ao contrário, é o maior dispêndio possível diário da força de trabalho, por mais prejudicial, violento e doloroso que seja, que determina o limite do tempo de descanso do trabalhador. O capital não se preocupa com a duração da vida da força de trabalho. Interessa-lhe exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser posta em atividade. Atinge esse objetivo encurtando a duração da força de trabalho, como um agricultor voraz que consegue uma grande produção exaurindo a terra de sua fertilidade. A produção capitalista, que essencialmente é produção de mais-valia, absorção de trabalho excedente, ao prolongar o dia de trabalho, não causa apenas a atrofia da força humana de trabalho, à qual rouba suas condições normais, morais e físicas de atividade e de desenvolvimento. Ela ocasiona o esgotamento prematuro e a morte da própria força de trabalho. Aumenta o tempo de produção do trabalhador num período determinado encurtando a duração da sua vida.

Estando pois com a sua criatividade direcionada para o benefício do capital, a capacidade desses trabalhadores, oriunda de seus atos autônomos, fica limitada à prevalência do trabalho abstrato sobre o concreto. Isso nos leva a concluir que se os recursos tecnológicos tornam-se compreensíveis somente sob a ótica do ganho privado, a relação criativa entre indivíduos autônomos e natureza, na busca de seus meios de vida criativos, fica comprometida.

5.2.3

Destruição criativa como necessidade da reprodução do capital