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1 A GRANDE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E HISTÓ RICA CONTEMPORÂNEA

1.1 A crise da sociedade salarial fordista

1.1.2 A crise do fordismo

Entre 1945 e 1973, momento em que o capitalismo alcançou estável cresci- mento econômico, a ascensão de uma série de indústrias baseadas no modelo fordista- keynesiano permitiu conter as tendências de crise. Contudo, o conjunto de intervenções do tipo keynesianas já não era mais suficiente para conter a aguda recessão que surgiria. Os eventos de 1968 serviram de marco para o desencadear de uma nova era, na medida em que revelaram que o pacto social fordista-keynesiano não foi capaz de eliminar o caráter antagônico das formações capitalistas (FARIAS,2001b). Embora as empresas capitalistas gozassem de alta lucratividade naquele período, no início dos anos 1970, ocorreu o esgotamento daquele pacto social que marcara a era fordista. Assim, a forte recessão de 1974-1975 estabelece os limites do modelo fordista (CHESNAIS,2001).

Ao contrário do que pensam os regulacionistas, que colocam a crise do fordismo na condição de uma perda de dinamismo típica da existência burguesa moderna, as razões que puseram fim aos efeitos dos métodos fordistas foram as mais variadas. Algumas razões relevantes são: a) a queda da produtividade do trabalho, em decorrência do envelhecimento do paradigma tecnológico dominante e da crescente insatisfação dos trabalhadores com o padrão de gestão; b) a redução do crescimento dos mercados consumidores, motivada pelo esgotamento do processo de difusão do padrão de consumo americano; e c) o crescimento do número de protestos contra às reduções salariais e as dificuldades fiscais do Estado em aumentar a tributação para suprir o aumento da demanda dos serviços públicos. A respeito das razões da crise do fordismo,

Filgueiras(1997, p. 905-906, grifo do autor) esclarece que se pôde constatar o

[...] desmoronamento da ordem internacional construída no pós-guerra, a partir do Acordo de Bretton Woods. Era o fim do padrão-ouro e da conversibilidade do dólar, com a propagação da instabilidade, instalada a partir daí nos mercados de câmbio, para os mercados financeiros e para os mercados de produtos, em especial os de commodities; era o questionamento da hegemonia econômica americana, com a presença cada vez mais marcante no comércio mundial da Alemanha e, sobretudo, do Japão; era o crescimento assustador do déficit comercial americano,

56 Capítulo 1. A GRANDE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA CONTEMPORÂNEA

tendo como contrapartida crescentes superávits no Japão; enfim, era o acirramento da competição internacional, num momento de dificuldades internas nos diversos países do centro do capitalismo. Para agravar ainda mais essa situação, reforçando as pressões endógenas para a elevação dos preços, já existentes em cada país, ocorreram mais três fatos fundamentais. Em 1973, e novamente em 1979, assistiu-se a uma grande majoração dos preços do petróleo – matéria-prima essencial da matriz energética e do padrão de industrialização desses países; e, também nesse último ano, inicia-se a elevação das taxas de juros americanas, que viria a se constituir, nos anos 80, numa das razões essenciais da chamada “crise da dívida externa” dos países da periferia do capitalismo. Desse modo, a crise do fordismo originou-se e desenvolveu-se tanto por razões internas quanto externas a cada país, tanto no nível microeconômico quanto no macro, tanto na esfera produtiva quanto na órbita comercial e financeira das economias. A queda dos níveis de investimento, da atividade produtiva e do emprego, a crise fiscal do Estado e a aceleração da inflação se entrelaçaram, expressando as várias dimensões do problema.

A análise deHarvey(2006) também contribui com a tentativa de compreender as razões da crise do fordismo. O autor defende que a rigidez presente nos processos de trabalho e produção tornou o fordismo incapaz de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Ele afirma que “[...] por trás de toda a rigidez específica de cada área estava uma configuração indomável e aparentemente fixa de poder político e relações recíprocas que unia o grande trabalho, o grande capital e o grande governo.” (HARVEY,2006, p. 135-136). Aponta ainda que o trabalho organizado pode ser visto como um obstáculo para o contínuo acúmulo de capital a partir da década de 1960. SegundoHarvey(2006), mesmo diante de tantas incapacidades manifestas no núcleo essencial do fordismo- keynesianismo, a exemplo da escassez de mão de obra nos países industrializados, o regime fordista, até 1973, conseguiu garantir de forma razoável os benefícios da produção e do consumo de massa. Ele observa que o capital buscou acesso a fontes de trabalho mais baratas e mais dóceis, na tentativa de manter os padrões de alta lucratividade dos capitalistas. Para que isso acontecesse, muitas medidas foram adotadas em reação à queda tendencial da taxa de lucro, a exemplo da implementação de tecnologias que economizassem trabalho, como a robotização na indústria automobilística. Foi a partir de medidas como esta que o desemprego aumentou, havendo, consequentemente, muita resistência por parte dos trabalhadores.

No início dos anos 1970, os capitalistas que utilizavam técnicas e tecnologias mais avançadas ainda puderam manter os preços antigos em vigor, o que lhes assegurava superlucros. Contudo, a ruptura do equilíbrio entre a oferta e a procura constituiu-se como fator de baixa dos preços nos países industrializados, “[...] provocando uma grande perda de lucros e uma excessiva desvalorização de capitais para os capitalistas.” (NETTO; BRAZ,2008, p. 162). Como era de se esperar, naquela época, o retorno do capital investido não correspondia mais às expectativas dos investidores, surgindo, então, centenas de crises econômicas ao redor do mundo. Existia um excesso de capital,

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de maneira que, quanto mais se investia capital, a margem de retorno era cada vez menor, ocorrendo, consequentemente, uma queda na taxa de mais-valia. As taxas de lucro passaram a ser descendentes, daí, pode-se observar o motivo da formatação de inovações tecnológicas e organizacionais, na tentativa de restaurar a margem de lucro. Isso ocasionou um aumento da taxa de desemprego, substituição de homens por máquinas etc. E é nesse sentido queHarvey(2006, p. 173) afirma que “A crise do fordismo pode ser interpretada até certo ponto como o esgotamento das opções para lidar com o problema da superacumulação.”.

Embora aparentes soluções imediatas tenham-se apresentado como um conjunto de tentativas para resolver a queda da taxa de mais-valia, por meio da intensificação do processo de racionalização e controle do trabalho, com inovações tecnológicas e organizacionais, para alguns autores, esse período de aumento do desemprego e redução da taxa de lucro implicava muito mais que uma simples crise de superacumulação (MORAES, 2007). No âmbito dessa perspectiva, o esgotamento daquele padrão de acumulação do capital anunciava “[...] a crise de um determinado ‘modo de vida’, a quebra de um pacto social, caracterizado pela busca do ‘pleno emprego’, por uma certa estabilidade no trabalho e por amplas garantias sociais.” (FILGUEIRAS,1997, p. 904-905). Conforme esse fundamento, o capitalismo teria esgotado seus recursos em matéria de harmonia e, portanto, exigia a reorganização das estruturas materiais e sociais da sociedade. Era necessário, por parte do capital, a criação de um novo modelo de acumulação, baseado em inovações tecnológicas e financeiras.