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4 A MATERIALIDADE DO IMATERIAL

4.3 As teses do imaterial

No atual momento histórico, as teorizações acerca do trabalho imaterial vêm ganhando destaque entre muitos revisionistas do pensamento marxista, tais comoGorz

(2003),Lojkine (1995), Lazzarato e Negri (1991). O discurso a respeito de “[...] uma economia centrada sobre a produção de informações (serviços financeiros, contabilidade, programas de computador, ciência e a produção cultural, como filmes e músicas) [...]” (BENKLER, 2009, p. 31) têm encontrado acolhida também entre muitos intelectuais ligados à área de TI, Economia, Sociologia, Antropologia, Direito etc (TORVALDS; DIAMOND, 2001;STALLMAN, 2010; BENKLER,2009; COCCO; SILVA; GALVÃO,

2003;CORSANI,2003;LÉVY,2011;ANDERSON,2006;SILVEIRA,2008;PARANAGUÁ; BRANCO,2009;SANTOS,2002;AGUIAR,2007). Seus estudos têm apresentado um posicionamento acrítico ao modo de produção capitalista, de maneira a sugerir mudanças na forma das regras da propriedade intelectual, sem, no entanto, propor transformações no conteúdo da base econômica vigente.

Apresentadas a partir da crise dos anos 1990, as ideias que colocam o traba- lho imaterial em posição dominante na economia capitalista (HARDT; NEGRI, 2001) tornaram-se viáveis a partir da criação do mito da “[...] supressão do obstáculo material [...]” (BENKLER, 2009, p. 33), fundamentado, sobretudo, nas teses da sociedade pós- industrial (BELL,1973;TOURAINE,1969). Isso serviu de base para a criação de diversos termos, visando dar sustentação teórica ao pensamento em torno da configuração de uma nova estrutura social baseada no imaterial: nova economia (CASTELLS,2010), economia da informação (SHAPIRO; VARIAN,1999), revolução informacional (LOJKINE,

1995), economia do don high tech (BARBROOK,2000), informacionalismo (CASTELLS,1999), sociedade do conhecimento (BENKLER,2009), economia em rede (RIFKIN,2000), digitalismo (REDONDO; REDONDO,2003) etc.

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SegundoCastells(2003, p. 10), essa nova economia funda-se “[...] num potencial sem precedentes de crescimento da produtividade em decorrência dos usos da Internet por todo tipo de empresa em todo tipo de operação, então estamos ingressando, provavelmente, num novo mundo dos negócios.”. A respeito disso,Husson(2002, p. 8-9) observa que a expressão nova economia faz “[...] referência a diversos fenômenos – entre os quais a decolagem especulativa e a moderação da inflação –, mas repousa, antes de tudo, sobre a aceleração dos ganhos de produtividade vinculados às novas tecnologias.”. Verifica-se que esse processo está associado à idealização do surgimento de um novo regime de crescimento, que tem como base o compartilhamento de capital cognitivo (PAULRÉ,2001;PALLOIX,2001;LAZZARATO,2003) e viabilizado pela adoção ampla das tecnologias computacionais. Nesse entendimento, os prestadores e usuários da rede compartilham o acesso aos serviços e aos recursos, de maneira que o poder estaria na Informática, nas mãos desses usuários, aqueles considerados capazes de editar as regras e as condições de acesso à uma sociedade organizada em rede. Segundo seus apologetas, isso alteraria consideravelmente nossos sistemas políticos, tornando a sociedade mais democrática.

Para alguns autores, embora esse sistema econômico em rede não signifique necessa- riamente o fim da economia de mercado, uma coexistência paralela entre os dois sistemas seria possível, o que abriria espaço para um comunismo informacional (HENNEBEL,

2001). A partir desse raciocínio, muitos teóricos defendem que estaríamos vivendo uma nova etapa, uma evolução do capitalismo, em que passaríamos de uma economia da produção material para uma economia da produção imaterial (WYSS,2011). Conforme esse pensamento, no regime de crescimento cognitivo, de caráter informacional, o “[...] trabalho imaterial é reconhecido como base fundamental da produção [... e] não se reproduz (e não reproduz a sociedade) na forma de exploração, mas na forma de reprodução da subjetividade.” (LAZZARATO; NEGRI,2001, p. 30). Segundo essa perspectiva, os produtos sem corporeidade assumiriam destacada importância, frente ao processo de desindustrialização iniciado nos anos 1960 (BELL,1973). Assim, um movimento de desmaterialização teria transformado “[...] os ativos criativos em elementos centrais para a produtividade e a competitividade empresarial [...]” (PIRES,2009, p. 218), na ocasião em que “[...] serviços informacionais ocupam, a partir de então, um papel preponderante [...]” (BENKLER,2009, p. 34).

Nessa economia informacional, o valor das mercadorias não se basearia mais na duração do tempo, mas nos conhecimentos contidos nas máquinas complexas e na mente dos trabalhadores (REDONDO; REDONDO,2003). Nessa idealização, a intensa colaboração entre as pessoas permitiria a partilha dos resultados do trabalho imaterial, possibilitando, a todos, acesso livre e aberto às tecnologias e aos conhecimentos criados nesse processo de transformação da atividade econômica e da organização social.

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De acordo com o discurso dos profetas do informacionalismo, os aparelhos portáteis, como o principal meio material de interação entre os participantes da produção imaterial (FOURNIER,2012), instrumentalizariam o desenvolvimento da democracia, evitando, então, o surgimento e a manutenção de ditaduras (LÉVY,2011). No entanto, em razão de não buscar a erradicação das diversas formas de submissão, alienação e exploração, esse processo de democratização termina por reforçar as fontes de poder da classe hegemônica (MONTAÑO,2007). O engano revela-se nas tentativas de realizar mobilizações harmônicas com a ordem. No lugar do conflito, exalta-se a parceria, a cooperação e a negociação, despolitizando-se, dessa maneira, as lutas sociais. Enfim, por não considerar as lutas de classes como mecanismo de construção da democracia, visando, sobretudo, o diálogo consensual e a colaboração, esse processo fortalece a democracia burguesa, tentando manter a política dentro da ordem da fração de classe no poder, o que o torna funcional ao capital.

No informacionalismo, o trabalho imaterial aparece como a nova base fundamental da produção, assumindo destacada importância frente ao processo de desindustrialização (BELL,1973). Desta maneira, um movimento de gradual desmaterialização do trabalho, baseado nas novas tecnologias, teria transformado a criatividade em elemento central da produtividade empresarial (PIRES,2009), de modo a criar um novo sistema econômico e tecnológico caracterizado como capitalismo informacional (CASTELLS,1999). Surgiria, então, segundoHertz(2010), um capitalismo mais solidário e mais colaborativo, constituído a partir da unidade entre a cooperação social e as mídias digitais. Nesse entendimento, o funcionamento dessa sociedade emergente não se apoiaria nem nos mercados, nem na busca individual do lucro, mas no compartilhamento de bens imateriais (ABRAMOVAY,

2014).

SegundoBenkler(2009, p. 31-32), a economia da informação em rede é caracterizada em função de que

[...] a ação individual descentralizada (em particular a ação coletiva e coordenada, inovadora e importante, implementada pelo viés de mecanismos não mercantis, distribuídos sem restrições, não baseados sobre as abordagens estratégicas proprietárias) desempenha um papel muito mais importante que ela não tem feito, ou não teria podido fazer, pelo passado, no quadro da economia da informação industrial.

O autor acrescenta que, nessa nova economia,

[...] o capital material necessário à produção é largamente repartido por toda a sociedade. Os computadores pessoais e as conexões de rede são onipresentes. Isto não significa que não podem ser utilizados para fins comerciais. Significa simplesmente que se alguém, em qualquer lugar, entre os bilhões de seres humanos já conectados, e também entre todos aqueles que serão conectados amanhã, desejo iniciar um projeto necessitando da criatividade humana, um computador e uma conexão

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de rede, ele ou ela pode então fazê-lo, sozinho ou em colaboração com outros. Ele ou ela possui desde já o capital necessário; no caso de não ter sozinho, ele o detém ao menos coletivamente com outros indivíduos agindo sobre a base de motivações complementares. Assim, os indivíduos podem a partir de então realizar eles mesmos muito mais coisas interessantes aos seus olhos, interagindo socialmente uns com os outros, como seres humanos e seres sociais, em vez de atores do mercado pelo viés de um sistema de preço. (BENKLER,2009, p. 35).

A respeito disso, Tapscott e Williams (2007, p. 22, grifo dos autores) fazem referência à colaboração em massa, que é considerada a base dessa narrativa:

A colaboração em massa através de fronteiras, disciplinas e culturas é, ao mesmo tempo, econômica e agradável. Podemos produzir por peering um sistema operacional, uma enciclopédia, a mídia, um fundo mútuo e até mesmo bens físicos como uma motocicleta. Estamos nos tornando uma economia em nós mesmos — uma vasta rede global de produtores especializados que permutam e trocam serviços por entretenimento, sustento e aprendizado. Está surgindo uma nova democracia econômica, na qual todos somos protagonistas.

Nessa economia informacional, o compartilhamento gratuito da mercadoria infor- mação (ANDERSON,2009), como uma característica associada à natureza específica de bens que não se destroem ao ser consumidos, possibilitaria a façanha de fundir o consumo com a produção. Assim,

“Nós, o povo” não é mais apenas uma expressão política — uma ode esperançosa ao "poder das massas"—, trata-se também de uma boa descrição de como as pessoas comuns, funcionários, clientes, membros da comunidade e contribuintes agora têm o poder de inovar e criar no cenário global. (TAPSCOTT; WILLIAMS,2007, p. 22, grifos dos autores).

Nesse viés, o ato do consumo passaria a ser também o ato da produção (FOUR- NIER,2012), onde o conhecimento figuraria como a principal força produtiva.Toledo

(2011, p. 27-28, grifo do autor) também defende essa tese:

O cliente não é mais um espectador passivo, mas um ator que aprova, faz pressão e, até certa medida, controla o processo; isso traz uma mo- dificação da noção clássica de relação de trabalho entre o vendedor e o produtor da força de trabalho, cada um com os seus respectivos direitos e deveres, para eventualmente incluir, nesta relação, os direitos e deveres do consumidor. Quando se trata de trabalho não-assalariado, a situação torna-se ainda mais complexa, pois as interações na atividade “traba- lho” podem ser feitas não mais entre três atores, mas entre múltiplos participantes: clientes, inspetores do governo, policiais, comerciantes, moradores, motoristas, etc. Isto pode tornar-se ainda mais complexo quando derruba-se o conceito de tempo e espaço da produção, por exem- plo, no caso do trabalho domiciliar, onde o tempo de espaço de produção e reprodução sobrepõem-se. A situação extrema da imaterialidade da produção, do trabalho e do produto, pode ser visto na produção daquilo que é simbólico, [...] por exemplo, na produção de software, onde o suporte a hardware é secundário.

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Nessa lógica, os usuários de computador passariam a figurar como produtores de mercadorias no momento em que utilizam as mercadorias-fonte. Consumindo uma música, que pode dar origem a uma outra. Consumindo um programa de computador de código-fonte publicamente acessível, que pode ser modificado para gerar novos códigos computacionais. O mote passa a ser: consuma, produza e compartilhe! É a partir dessa idealização que as teses do imaterial fazem uma proposição do surgimento revolucionário de um comunismo burguês, conforme apontaHennebel(2001, p. 85, grifo do autor): “[...] o direito autoral está adaptado às novas tecnologias da informação e da comunicação e pleiteiam em favor de uma forma de «comunismo informacional» destinado à favorecer o interesse geral em detrimento dos interesses de mercado.”. No entanto,Lessa(2003, p. 28, grifos do autor) critica essa idealização:

[...] cujo o cerne é a proposição de um “comunismo” compatível com o mercado, com o dinheiro, com a propriedade privada e o Estado. É a proposta de um “comunismo” sem a superação das classes sociais e com a manutenção do controle da produção nas mãos dos burgueses.

Nessa concepção suis generis sobre revolução comunista, teríamos a construção de uma nova sociedade: mais justa e que dispensa o enfrentamento entre as classes sociais. Na verdade, essa revolução passiva, que propõe instalar um comunismo de mercado, apresenta a produção e a manutenção de conhecimentos técnico-científicos como uma importante estratégia de expansão e rejuvenescimento do capitalismo. Esse novo paradigma está fundamentado nas teses da sociedade pós-industrial, onde, paraBell(1973), o saber teórico torna-se elemento central nessa sociedade. E é por isso que novas qualificações laborais são requeridas para o trabalho informacional.

Nessa era do conhecimento, o trabalhador precisaria ajustar-se a uma nova confi- guração produtiva, baseada na produção imaterial. Na outra ponta, temos as empresas exigindo novos talentos, preferencialmente, sem vínculos empregatícios, ao mesmo tempo em que buscam adaptar-se a um novo modelo de propriedade intelectual, que surge nesse processo. Essa racionalidade está alinhada à afirmativa de que “[...] na era da economia do conhecimento, a propriedade intelectual se apresenta como a grande avenida de acesso a uma posição privilegiada na sociedade.” (DOWBOR,2010, p. 9).

Então, diante de uma crise que demanda criar e inovar em velocidade cada vez maior, surgem mudanças na forma das regras da propriedade intelectual, sem, no entanto, propor transformações no conteúdo da base econômica vigente. Esse processo viabilizaria uma saída para os efeitos da crise capitalista, através da construção de um novo modelo de produção de mercadorias baseado no livre acesso às produções intelectuais, via redes informacionais. De acordo com o pensamento de Hardt e Negri (2005), a pluralidade da multidão abriria espaço para uma colaboração produtiva informacional entre os sujeitos individuais, no contexto de uma hegemonia qualitativa do trabalho imaterial.

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Analiticamente, verifica-se que normalmente a restrição da propriedade intelec- tual impõe limites à criatividade, o que leva muitas empresas a dividir suas invenções em dois diferentes grupos de propriedade: protegidas e compartilháveis (acesso público). Porém, essas empresas não esquecem de “[...] proteger a propriedade intelectual crítica. [... ao mesmo tempo em que] utilizam uma base comum de tecnologia e conhecimento para acelerar o crescimento e a inovação.” (TAPSCOTT; WILLIAMS,2007, p. 33). Sendo assim, afirmaTapscott e Williams(2007, p. 28): “[...] para ter certeza de que continuam na vanguarda de seus ramos, as empresas precisam cada vez mais abrir as próprias portas para o parque global de talentos que prospera fora dos seus muros.”. Esse autor acrescenta:

Os puristas do código aberto se preocupam com a possibilidade de que uma onda crescente de empreendimentos com fins lucrativos venha a extinguir a ética de compartilhamento, reciprocidade e abertura, que está no bojo do sistema de valores da comunidade do código aberto. De fato, as empresas sofrem pressões de ambos os lados: elas precisarão abrir uma quantidade suficiente de códigos para satisfazer os colaboradores e, ao mesmo tempo, guardar para si algo suficientemente importante para que os clientes se disponham a pagar por aquilo. (TAPSCOTT; WILLIAMS,2007, p. 96-97).

A IBM se une aos produtores-colaboradores do Linux, distribuindo milhões de dólares em softwares e recursos para apoiá-los. A IBM enlou- queceu? Não, ela se deparou com um novo modo de produção chamado peering , que utiliza a habilidade, a engenhosidade e a inteligência humana de modo mais eficiente e eficaz do que qualquer coisa que já vimos. (TAPSCOTT; WILLIAMS,2007, p. 270).

Embora, no capitalismo, não seja viável a existência de um processo de produção colaborativa que seja verdadeiramente aberto a toda a sociedade, o proprietário dos meios de produção descobre a possibilidade de fazer com que as interações colaborativas, via redes informáticas, estejam a serviço do aumento do seu valor de capital. No caso dos sistemas computacionais, o capitalista muitas das vezes personifica os códigos de Software Livre como sendo de sua propriedade e, para não estancar o processo colaborativo de produção, ele está disposto a fazer doações financeiras às comunidades de SL/CA e também a abrir mão de parte de suas invenções tecnológicas, transformando algumas tecnologias proprietárias em tecnologias livres. Portanto, a necessidade do capital concorrer faz com que ele, por um lado, mantenha o domínio da maioria da inovação sob sigilo industrial, mas, por outro, incentive e financie a produção de tecnologias livres de taxas de licenciamento.

A teoria do surgimento de um novo capitalismo, em meio à uma crise, não é novidade, a exemplo do anúncio feito por alguns teóricos sobre o fim da crise do regime fordista. Naquela ocasião, muitas promessas surgiram trazendo solução para os efeitos da crise iniciada nos anos 1970, a exemplo da adoção do modelo japonês, que buscava

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utilizar o trabalho morto na forma de máquinas sofisticadas, robotização e aproveitamento pleno dos recursos fornecidos pela Microeletrônica (PRIEB,2005). A respeito disso,

Lessa(2008, p. 12) observa: “Aquilo que eles diziam que iria acontecer, não aconteceu. Não se trata de uma questão de posição política ou ideológica, é olhar para a realidade. As fábricas continuam lotadas de trabalho manual [...]”. Ao tratar do atual processo de desrobotização, esse autor complementa:

Se a fábrica “automática” não acabou com o trabalho manual, afirma-se agora que a fábrica “informatizada” o faria. A “automação”, com a entrada dos computadores e dos robôs, faria o que o fordismo não foi capaz de realizar. A fábrica automática do fordismo não cumpriu a promessa de acabar com o trabalho manual, mas a fábrica informatizada do toyotismo faria este milagre. [...] Bastou algo tão prosaico quanto a mão de obra terceirizada tornar-se mais barata e mais flexível do que os robôs, para a tendência que seria o futuro dar marcha a ré. A robotização converte-se em seu oposto, a desrobotização da produção. Hoje em dia, retiram-se robôs da linha de montagem e em seu lugar coloca-se o trabalhador terceirizado, que é muito mais flexível e barato. (LESSA,

2008, p. 12-13, grifo do autor).

Mesmo com o fracasso daquelas promessas, continuamos a presenciar o surgi- mento de profetas prontos para imaginar novas maneiras de tornar a crise atual mais palatável, a exemplo das ideias em torno da economia informacional, fundamentada teorica- mente nas teses do imaterial. Atualmente, mediante uma série de encantadoras inovações tecnológicas, é renovado o argumento de que a crise do capitalismo seria uma dolorosa passagem à prosperidade econômica, um momento de desconforto indispensável à sociedade. Assim, os defensores do imaterial terminam por manter a ideia de que o aumento das taxas de desemprego e o desequilíbrio ecológico “[...] nada mais seriam que o preço a ser pago para a passagem à prosperidade [...]” (LESSA,2002b, p. 108), de maneira que a miséria seria apenas a dor que acompanha a gestação de uma nova fase do capitalismo.

Diante da proposta de supressão das restrições materiais, os defensores do imaterial apresentam as habilidades cognitivas como o principal elemento estruturante da economia da informação em rede. Com o avanço tecnológico, a diminuição do trabalho vivo tiraria do trabalho a sua atribuição de medida dos valores-de-uso. Consequentemente, o trabalho deixaria de ser fonte de riqueza, fundamento do valor. Em seu lugar,Gorz(2005) passa a considerar a Ciência e a Comunicação como o pilar central da produção, em substituição ao tempo de trabalho incorporado. Nessa abordagem, os conflitos de classes que opõem capital e trabalho cederiam lugar a conflitos que não surgiriam mais nas esferas da reprodução material e sim nas da reprodução cultural, conforme imaginaHabermas

(2012). Para esse autor, a ação comunicativa prevaleceria, pondo em discussão a divisão do trabalho fabril. Nesse paradigma,

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[...] o proletariado teria sido substituído pelo “precariado”, uma massa difusa, formada pelos milhões de trabalhadores e jovens que habitam as imensas favelas e bairros da periferia. Tais “multidões” (para usar um conceito proposto pelo italiano Toni Negri, segundo quem não existe mais imperialismo, embora haja império) já não se identificariam como classe, mas como grupos que defendem interesses específicos (gênero, raça, opção sexual, sujeitos de direitos difusos etc.), e que ganham força a partir do momento em que adquirem visibilidade social. Para tanto, podem e devem se valer das novas tecnologias de comunicação e produção de bens simbólicos e culturais. (ARBEX JR,2011, não paginado, grifos do autor)

ParaHardt e Negri(2001), a comunicação entre aqueles que constituem a multidão seria, então, capaz de criar produtos culturais e conhecimentos, como resultado do trabalho imaterial. No âmbito dessa narrativa, encontra-se a hipótese, segundo a qual o trabalho imaterial assumiria a função contemporânea de fonte da riqueza, ao mesmo tempo que a produção em rede transformar-se-ia na estrutura predominante do comando da produção (BRAGA,2009). A proposta teórica que dá centralidade ao cognitivo, elemento realmente valorizado pela economia informacional, busca transformações no processo de trabalho, no sentido de levar o trabalhador a engajar-se por completo à produção, levando sua alma para a fábrica. Essa mobilização total de si, trazendo para a fábrica todo o potencial produtivo que está fora do tempo de trabalho, no tempo livre do trabalhador, faz “[...] desaparecer a fronteira entre mundo do trabalho e mundo da vida. Não tanto por estes mobilizarem as mesmas competências e habilidades, mas porque o cálculo econômico e do valor consegue fazer com que o tempo da vida transforme-se por completo.” (PIRES,2009, p. 218). Nesse contexto, é-nos apresentada a percepção de um capitalismo rejuvenescido pelas tecnologias informacionais e integrado por redes de produção de informações, impelidas por uma revolução informacional (LOJKINE,1995), capaz de socializar a produção, rumo a um novo processo produtivo. A respeito disso,

Braga(2009, p. 65) observa:

Com a proposta hegemônica dos fluxos e das redes de informação na produção, toda a produção tenderia a se transformar em um serviço. Assim, todas as formas de produção seriam circunscritas às redes do novo mercado mundial, sob o domínio da produção informatizada de serviços. Nesses termos, a linha de montagem fordista, assim como o cronômetro taylorista teriam sido radicalmente substituídos pela rede como modelo de organização da produção. Com essa alteração das formas de cooperação e comunicação dentro do local de trabalho e entre os lugares de produção, o processo de trabalho passaria a ser conduzido