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Absolutamente certo (1957)

Capítulo

vídeo 1. Absolutamente certo (1957)

Cf. CD: Idem – Imagens 3 a 8. Vídeos 2 e 3. Cenas de A grande vedete (1958). Vídeos: apoteose e Dercy, a anti-vedete.

167 servi-la na cidade231. Em Minervina, mas também em Cala a boca, Etelvina, do mesmo ano e mesmo diretor, a doméstica é sempre muito mais esperta do que se espera. Suplanta sua santa ignorância com uma vivacidade e inteligência que dá muito a pensar sobre as potencialidades da energia popular. E sempre acaba muito bem, pois sua praticidade espontânea e concreta se revela muito mais racional e sensata do que as teorias sociais ou morais que a rodeiam.

Nesses filmes, a retórica popular é plenamente aproveitada, mostrando que a estranheza inicial com o veículo já foi superada. A comediante usa e abusa da gestualidade, com torções de braços e mãos, relacionando-se com o mundo principalmente através do corpo, que completa e compensa as deficiências de abstração da oralidade. Gestualidade e verbalização formam um continuum de trocadilhos e sugestões, compondo gags seja sobre a rusticidade do interior, onde

de vez em quando um mata o outro, mas tudo na calma (Minervina vem aí), seja

sobre a sofisticação artificialmente letrada das camadas urbanas. Com idioleto empolado, no qual aplicam - e mal - vocábulos difíceis não só para se apropriar rapidamente da linguagem de um “outro”, mas para mostrar o quanto essa é excessiva e pouco funcional, Minervina e Etelvina vêm às telas para fazer rir não apenas das defasagens de instrução formal de sua classe, mas sobretudo das defasagens éticas e morais da classe dominante, à qual, contudo, não se furtam a se associar quando convidadas. No caso delas, obviamente esse convite se dá através do casamento, reiterando o mais tacanho universo feminino da época, mas ainda assim garantindo à sociedade que não há fronteiras para evoluções sociais.

Com texto de Armando Gonzaga, Etelvina viera do teatro, mais exatamente da Companhia Procópio Ferreira. Fizera temporada de sucesso no Rio de Janeiro e já nessa época marcara os palcos com a tendência para os efeitos fáceis, tendo o

texto como mero apoio para as improvisações dos atores (MAGALDI, 1997:194). E é exatamente por esses efeitos, que se ajustam às maravilhas a ampliações na

231 Cf. CD: DIÁLOGOS DO POPULAR / DO MELODRAMA NEM DERCY ESCAPOU – Imagens 9 a

168 tela do cinema que vale a pena ver as confusões arranjadas pelas empregadas. Ao desempenho mímico de Etelvina, obrigada pelo patrão a passar pela patroa para receber um tio rico e conservador que não aprovaria a volta temporária da esposa para a casa da mãe após uma briga do casal só é superado pelo de Minervina. Imperdível é sua ginástica matinal de meio corpo232. Ou suas expressões faciais dizendo o que a cabeça pensa, mas a boca não fala, principalmente quando se trata de Dona Melita, a patroa feita com empáfia por Zezé Macedo. Ou ainda a sua prosódia difícil de neo-urbanizada233. No entanto, no final dá na mesma, pois em ambas há boates, muitos números musicais muito humor. Em Cala a boca, Etelvina reaparece o rockeiro Betinho, dessa vez com nova banda ou “conjunto”, como se dizia à época - os Golden Boys, cujos componentes eram tão jovens que a cena teve que ser externa, não em ambiente de boate234. Também há um bom jogo metalingüístico com o próprio Minervina

vem aí, com Zezé Macedo substituindo Dercy como criada manhosa tão logo a

sua personagem fica noiva do tio rico do patrão e se torna a senhora da casa235.

Do mesmo ano é Entrei de gaiato, filme de J. B. Tanko e Chico Anísio, com Zé Trindade novamente como parceiro da comediante. Ela faz Anastácia da Emancipação, viúva, fazendeira paulista de café; ele, o Cel. Jaboatão, fazendeiro baiano de cacau. Encontram-se no Hotel Palácio do Rio de Janeiro, no carnaval. Estão lá como turistas, mas na verdade procuram milionários otários para aplicar um golpe do baú e um cai na armadilha do outro236.

As melhores gags ocorrem, obviamente, na boate do hotel, onde Grande Otelo apresenta o show e também comparece como vedete, tal como fizera em Está

232

Cf. CD: DIÁLOGOS DO POPULAR / DO MELODRAMA NEM DERCY ESCAPOU – Vídeo 4: a

ginástica de Minervina vem aí (1959). 233

Cf. CD: Idem - Vídeo 5. Dercy e Norma Blum em Minervina vem aí (1959) 234

Cf. CD: Idem – Vídeo 6: Os Golden Boys cantam Meu romance com Laura em Cala a boca

Etelvina (1959).

235

Cf. CD: Idem - Imagens 18 a 24. Cartazes e cenas de Cala a boca Etelvina (1959). Vídeo 7: Dercy lembra as filmagens em entrevista com Pereio (2007).

236 Cf. CD: DIÁLOGOS DO POPULAR / DO MELODRAMA NEM DERCY ESCAPOU – Imagens 25

169

com tudo e não está prosa, de 49, no Teatro Recreio237. O destaque fica para as paródias musicais: Zé Trindade canta um sucesso de Silvio Caldas e Dercy responde a sua moda com Castigo, arrasando o repertório “de fossa” de Maysa238

. Apesar do elenco de peso, com Evelyn Rios, Roberto Duval, Marina Amaral, Grijó Sobrinho, Chico Anísio, e Procopinho, as piadas são desgastadas e há trocadilhos pouco inventivos, com Anastácia dizendo ao apresentar a sobrinha ao coronel: É

Elisa, mas não alisa! E durante as filmagens, quase inviabilizando o projeto, Dercy

e Zé Trindade brigaram feio, este chegando a puxar um revolver para a atriz que, furiosa, caiu de pancada sobre o ator e lhe arrancou a arma (KHOURY, 2000:140).

Em 1960 vieram mais chanchadas, como Só naquela base, de Ronaldo Lupo, e A

Viúva Valentina, mas também outro melodrama de bom ajuste cômico – a

adaptação de Dona Violante Miranda para o cinema.

Em A Viúva Valentina, de Eurides Ramos, mas baseada em roteiro de Alex Viany, tantos eram os cacos que Dercy chegou a marcar exatamente a data da cena ao dar o endereço da personagem para um médico que chamara para atendimento domiciliar: Rua 2 de dezembro de 1960. A estrutura é simples e simétrica, com dois sócios de empresa ocupando salas exatamente iguais, com duas secretárias, uma morena, outra loira, servindo a cada um na mesma recepção e com dois assessores com os mesmos objetivos – comprar as ações que faltavam para desfazer essa incomoda situação de igualdade. Dercy faz justamente a viúva costureira a quem pertencem essas ações, mas que nem sabe que é herdeira. Como a empresa é paulista e a viúva carioca, aproveita-se para mostrar no trânsito dos executivos uma São Paulo industrial e progressista e um Rio bucólico e sossegado, com vilas de subúrbio de construção portuguesa e o Corcovado como pano de fundo. Do elenco fazem parte Herval Rossano, Mara di Carlo, Wilson Gray, Jayme Costa e Francisco Dantas e como não podiam faltar, as cenas musicais mostram a famosa boate carioca Assirius, onde se exibem o Trio Irakitam e Nelson Gonçalves. As gags são inteligentes e a comediante está à

237 Cf. CD: Idem – Imagem 26. Grande Otelo de vedete em Está com tudo e não está prosa (1949). 238 Cf. CD: Idem – Vídeo 10. Dercy canta Castigo em Entrei de gaiato (1959).

170 vontade no papel da viúva inocente, mas matreira, um dos personagens mais simpáticos de Dercy no cinema239.

Em Dona Violante Miranda repetiu-se o sucesso do teatro, apenas substituindo Palmerim Silva por Elísio Albuquerque, como parceiro cômico de Dercy. Ponto alto ainda é a paródia literária inserida no discurso de casamento da ex-cafetina, recitando entre as pupilas Meus oito anos, de Casimiro de Abreu, mais uma extensão das carnavalizações festivas da atriz240.

Do inicio da década de 60 são Com minha sogra em Paquetá, de Saul Lachtermacher e Sonhando com milhões, também de Eurides Ramos. O primeiro é uma versão diluída e suburbana de Romeu e Julieta, como os próprios personagens observam em determinado momento do filme, com duas famílias rivais e vizinhas que decidem passar o dia em Paquetá. O segundo, uma adaptação do texto teatral A moeda corrente, de Abílio Pereira de Almeida, que dessa vez critica a corrupção do empresariado nacional.

Com Milton Carneiro, Odete Lara, Oswaldo Loureiro, Herval Rossano, Míriam Pérsia, Moacyr Deriquem e outros, Sonhando com milhões faz parte da série de filmes de Dercy como “doméstica enxerida” 241

. Trata-se da história de um jovem e honesto fiscal da Receita Federal, casado com uma bela mulher (mais uma vez Odete Lara), que não se conforma com sua probidade. E a comediante é exatamente a ex-criada do casal, que trabalha na casa de um empresário fraudador de impostos e é incumbida por este de oferecer suborno ao funcionário. Vence a honestidade, mas até lá a criada deita e rola com os patrões que dependem de sua mediação.

Segue-se quase uma década sem filmes de Dercy, esta dedicada quase exclusivamente à televisão, onde passara a apresentar programas dominicais. Em compensação, tão logo se afastou da telinha, reapareceu com Se meu dólar

239 Cf. CD: DIÁLOGOS DO POPULAR / DO MELODRAMA NEM DERCY ESCAPOU – Imagens 27