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DO TEATRO PARA OUTRAS MÍDIAS.

Capítulo

DO TEATRO PARA OUTRAS MÍDIAS.

CAPÍTULO V

DIÁLOGOS DO POPULAR:

DO TEATRO PARA OUTRAS MÍDIAS.

Eu fiz Dercy Gonçalves a vida toda.

Dercy Gonçalves216

O cinema ou a televisão não eram as mídias preferidas de Dercy, que gostava era mesmo de teatro, com diálogo ao vivo e em tempo real com o espectador. No entanto, graças aos filmes e programas televisivos é que podemos entender sua técnica cômico-popular, marcada pela materialidade crua e nua dos gestos, dos trocadilhos e das insinuações.

Como uma Pulcinella de saias, cujo verbal era puro idioleto e à incompletude do qual se coordenavam gestos alusivos, calcados na ambivalência, o “personagem- tipo” da atriz avançava com desenvoltura também nesses meios, embora não fossem tão livres e dinâmicos quanto os palcos. O palavrão, por exemplo, era vetado tanto nas películas quanto na telinha, pois visando um público que a priori deveria ser “de massa”, não pretendiam segmentar com restrições etárias o filão cômico que representava a atriz.

Portanto, se ainda sabemos como essa se portava teatralmente, podendo acompanhar com a imaginação descrições feitas por ela ou por colegas e críticos, de cenas que jamais obedeciam a textos, variando todas as sessões até mesmo nos cacos, é somente porque, ao lado de fotografias, temos imagens cinematográficas de suas encenações. E ao que tudo indica, com mínima

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146 alteração de procedimentos, embora certamente não com a mesma energia e descomedimento cênico que caracterizaram suas proezas de tablado.

A razão dessa pouca distância entre linguagens está no fato das mídias de massa terem se desenvolvido no país a partir da improvisação e da prática, ao modo popular. Para existir, precisavam aprender fazendo. E tanto pela afinidade de linguagem quanto pela já sedimentada aceitação, se apoiarem em profissionais e estratégias de teatro, especialmente o popular, além de na continuidade encontrarem sustentação em meios instalados já com sucesso, como é o caso da televisão, que encontrou maior suporte no rádio do que no cinema (ORTIZ, 1995:87).

O cinema é de fato um empreendimento à parte no país. Enquanto o rádio e a televisão tiveram imediata aderência da publicidade, o que lhes deu quase imediata feição de cultura popular de massa, a indústria pesada dos filmes trilhou caminhos bem próprios, de ambições mais refinadas. No entanto, para dar lastros econômicos a essas mesmas ambições, não podia senão ceder às preferências do mercado interno. Por isso, adaptou-se desde o início às encenações populares, que por sua vez também se tornaram mais “cinematográficas”. Só com o tempo pode dominar especificidades do código, mas já então havia feito e a partir do que via no cinema estrangeiro, principalmente o americano, as primeiras fitas caipiras e carnavalescas. Essas levaram à originalidade da chanchada brasileira.

Como o rádio e posteriormente a televisão, o cinema nativo também começou com ajustes e improvisações, mas diferente dos outros veículos não teve dependência direta das agências de publicidade. Mas se não serviu de instrumento das multinacionais para vazão imediata de mercadoria, funcionou como difusor de ideologia e sinônimo do progresso do governo Vargas, difundiu com os filmes nacionais, em especial a chanchada, uma verdadeira idolatria pelas novas mídias.

A era do rádio, por exemplo, não foi mais do que uma formação programática de uma sociedade de massa e de consumo, antes mesmo que se completasse o tão sonhado processo de industrialização do país, pois para industrializar, era preciso

147 antes garantir escoamento de produtos. Teve início como empreendimento exclusivamente educativo, mas por imposições de custos, logo cedeu ao mercado. Em 1932, o governo permitiu que as emissoras passassem a veicular propaganda e dali em diante as grandes multinacionais monopolizaram as programações, inteiramente entregues às agências de publicidade também estrangeiras que aqui se instalaram. Eram essas agências que contratavam profissionais, determinavam gênero de entretenimento e horário dos programas, decidiam salários e avaliavam audiência (ORTIZ, 1995:60). Os principais homens de rádio da época eram também homens de publicidade. Inventavam jingles e associavam as marcas às atrações que gentilmente ofereciam para um público desavisado da troca comercial em que implicava sua aceitação.

Renato Ortiz conta que por causa dessa relação entre as mídias e a indústria estrangeira em países menos desenvolvidos, que como Cuba eram usados como “laboratórios” para medir a inocuidade e aceitação dos produtos antes que fossem lançados no mercado internacional, eram enviados constantemente para a América do Sul idealizadores e técnicos que operavam na transferência de tecnologia. Implantava-se um modo específico de cultura de massa, pré-concebida e forjada, que explica sua singularidade (ORTIZ, 1995:85).

Havia, portanto, intenso diálogo entre países e meios, não só com importação de equipamentos e divulgação de técnicas, mas com aproveitamento de profissionais que tivessem interesse em migrar à custa de ajustamentos para novos suportes. Porém, nesse movimento, as influencias adquiriam dupla mão. O trânsito de profissionais e procedimentos entre áreas afins acarretava a contaminação não só da nova mídia, como levava influências dessas para as mais antigas a titulo de atualização.

No Brasil, pode-se perceber o fenômeno no próprio teatro de revista. Não tendo o país moeda mais sonante que o teatro popular, o diálogo das mídias mais recentes com ele foi intenso e recíproco. Jardel com as transmissões de

148 espetáculos pela Rádio Cajuti ou respondendo ao meio com revistas como Ondas

curtas, de 1934, é um excelente exemplo.

Por ser o cinema indústria muito cara e pesada, não foram publicitários de empresas estrangeiras que selaram o destino da filmografia brasileira, mas nacionais de boa formação intelectual e, em especial, de dinheiro no bolso para bancar estágios no exterior ou importação de equipamentos e películas. Adhemar Gonzaga, antes de criar a Cinédia na década de 30, fez diversas incursões pelo exterior. Trouxe de fora a técnica e pretendia implantar no país um pólo industrial que produzisse filmes de mesma qualidade e na mesma escala dos modelos, mas na hora de enfrentar o mercado interno, não viu outro jeito senão lançar mão de preferências populares.

No âmbito das novas mídias, a mescla entre linguagens e ideologias era uma necessidade. As tecnologias eram símbolos de desenvolvimento, mas exigiam consumo para se justificarem. Assim:

...o surgimento do cinema corresponde ao industrialismo da burguesia, que não mais se apóia nos princípios aristocráticos de cultura, nem nos moldes de um mecenato benemérito, mas se trata de uma ação tipicamente burguesa de uma classe suficientemente rica para dispender grandes somas de dinheiro (ORTIZ, 1995:65-66).

Esse espírito empresarial haveria de nas próximas décadas se alastrar até mesmo no plano do nobre teatro nativo, tendo à frente empreendedores que procuraram ocupar um vazio deixado pelo teatro popular. Dividiria em dois o teatro comercial e no seu rastro, o cinema. A certa altura tinha-se a Vera Cruz, de Zampari, que pretendia produções de qualidade estética mais alta e para isso se apoiava em atores e procedimentos provenientes de grupos amadores que ele mesmo colaborara para profissionalizar. Mas também companhias como a Cinédia, de Adhemar Gonzaga, e posteriormente a Atlântida, de Moacir Fenelon e José Carlos Burle, que logo se afinaram com o grande público. Não abandonaram experiências de vanguarda, como as de Humberto Mauro, mas cediam ao melodramático e ao cômico justamente para poder fazer frente a elas. E bem rapidamente, quase nos

149 mesmos moldes que impôs Dercy à comédia brasileira, se embarafustaram por retórica ambígua e carnavalizada porque era essa que lotava as platéias.

A interpenetração das esferas na construção da cultura nacional sempre foi evidente. Ortiz afirma que:

Num país em que o teatro ainda se estruturava em termos amadores, valorizava-se o fato de fazer teatro. O mesmo pode ser dito do cinema. Diante da pobreza da realidade cinematográfica brasileira, a Vera Cruz desponta como afirmação da cultura nacional que busca se estruturar em termos industriais. Se levarmos em consideração, nesse contexto, a presença ativa dos empresários no campo da cultura artística e da cultura de mercado, perceberemos que a interpenetração entre a esfera de produção restrita e a ampliada é num país subdesenvolvido como o Brasil uma necessidade histórica. Nesse caso, o trânsito entre o “erudito” e os meios de massa transfere para esse último um capital simbólico que adere à cultura popular de massa que é produzida (ORTIZ, 1995:72).

Por outro lado, quando a Cinédia fez pacto com a revista, os shows de cassino e o rádio ou quando mais tarde a Atlântida se especializou em chanchadas, também não foi porque seus empresários se identificavam com a cosmovisão popular, mas porque essa lhes trazia lucros. Optaram por uma linguagem caseira e por um público cativo, despreocupado com questões estéticas tanto quanto o público norte-americano quando ia ao cinema, justamente para poder enfrentar a poderosa indústria cinematográfica desses últimos. A chanchada foi, pois, a primeira das fórmulas brasileiras a sustentar um cinema de massa, embora em termos de linguagem ainda apenas se dispusesse a atualizar recursos populares que a bem pouco tempo só podiam ser apreciados no único teatro comercial do país. Não por acaso sua fonte era a revista, até hoje a mais bem sucedida bilheteria do teatro nacional.

Para Ortiz, a década de 40 pode ser apontada como o início de uma sociedade de massa no Brasil, porque se consolida neste momento o que os sociólogos

denominam de sociedade urbano-industrial (ORTIZ, 1995:38). Falta, no entanto, a essa sociedade ainda um caráter integrador, que permita falar de padronização de bens culturais e, conseqüentemente, de indústria cultural e cultura de massa (ORTIZ, Idem: 48-49).

150 As chanchadas eram cinema e, portanto, veículo de massa, mas paradoxalmente, ainda não eram produto de indústria cultural, nem tampouco cultura de massa. Tendiam inequivocamente para o popular e usavam suas táticas para garantir popularidade porque se esforçavam para implantar condições que possibilitasse ao cinema nativo realizar-se industrialmente, como mandava a própria natureza de sua mídia.

O Brasil ainda vivia um estágio primitivo de industrialização, que os economistas

chamaram de “industrialização restringida”, que se realiza somente em determinados setores, não se estendendo à totalidade da sociedade, o que de

certa forma atenuará o processo de mercantilização da cultura no país (ORTIZ, 1995:45). E o cinema foi justamente um desses casos. Não conseguiu acompanhar a produção em escala industrial nem mesmo com leis como a promulgada por Vargas em 1946, criando a primeira reserva de mercado para o filme nacional e teve dificuldade para competir pelo mercado interno com o cinema americano. Com isso, não se “padronizou”, mas também não pode universalizar- se e, conseqüentemente, expandir-se. Viu-se obrigado a desenvolver a partir de temáticas e gêneros locais, a mesma manobra de espelhamento que já era usada como atração desde seus primórdios de amadorismo.

Soma-se ainda a essa necessidade distintiva, o fato, já comentado anteriormente, de ser a sociedade brasileira da década de 40, fortemente marcada pelo localismo apesar do processo centralizador do Estado Novo. As medidas do Ministro Capanema no plano educacional visavam exatamente uma unificação na área da cultura e acabaram se concentrando na construção de um nacionalismo que requeria primeiro um reconhecimento regional, para depois aglutiná-lo num amplo sentido de brasilidade. O objetivo de Capanema era evidentemente, a formação em médio prazo de uma cultura de massa e de consumo, que permitisse inserir a nação na moderna era industrial, assim como no mercado internacional, mas encurralou-se entre noções de identidade e mercado. Como declarou ao idealizar o departamento de propaganda que mais tarde, com o recrudescimento do regime ditatorial de Getúlio, se transformaria no DIP, buscava atingir todas as camadas

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populares através de um aparelho vivaz de grande alcance, dotado de forte poder de irradiação e infiltração, tendo por função o esclarecimento, a orientação, a edificação, numa palavra, a cultura de massas... (ORTIZ, 1995:51). Pensava por

certo não só o rádio, mas também no parque gráfico que começara a crescer no país e, se possível, também no cinema, enfim, em toda uma indústria cultural a serviço do projeto demagógico do governo. Não contava, porém, com o hiato perene entre projeção e realidade, que desde os tempos coloniais marcara a sociedade brasileira. Desse, justamente, derivaria o comportamento descontrolado e heterogêneo das novas mídias. Em vez de servirem de suporte para a educação programática que se dizia aspirar para a população, escaparam por completo de seu controle e por questão mercadológica se extraviaram para uma hibridização cada vez maior não com o erudito, mas com o popular.

Foi assim que o cinema, apesar da criação de estúdios e de uma relativa decolagem em direção a uma produção em escala de filmes mais densos e sofisticados, teve que capitalizar outras vertentes.

Mesmo o caso da televisão, que só entrou no país na década de 50, não foi muito diferente inicialmente. Conservou uma estrutura incompatível com a lógica comercial na primeira década (CAPARELLI, 1982), pois os aparelhos eram caros e o baixo poder aquisitivo da população dificultava a sua aquisição. Existiam apenas alguns canais e sua emissão se restringia ao eixo Rio-São Paulo, com características marcadamente regionais. Não havia sistema de rede, os problemas técnicos eram muitos e inovações como o vídeo - tape só com bastante atraso foram absorvidos pela sua linguagem.

Fazer televisão brasileira nessa época era uma aventura “amadorística”, dominada pela inexperiência e pela ausência de planejamento. Como o rádio, também elitista num primeiro momento, tomando como modelo a cultura burguesa, adotava a música clássica e o “bom” teatro nacional na programação, como o célebre Teatro Tupi, mas era forçosamente levada a interá-los com música e humor

152 popular em programas de auditório. Daí suas estreitas relações com o rádio e seus antigos profissionais.

Ortiz, com ajuda de pesquisadores da mídia, relata a respeito:

Quando se olha a programação televisiva do período se pode perceber que existe uma hierarquia de valores que agrupa programas considerados mais legítimos de um lado, teatro e teleteatro, e mais populares de outros mais populares, produzidos segundo o antigo esquema do rádio. (...) Os atores de teatro se consideravam intelectualmente superiores aos simples atores de televisão, considerada por eles como uma arte menor. (...) Em contrapartida, os diretores e atores do teleteatro, pautados pelo modelo do cinema, viam o teatro-imagem apresentado por seus concorrentes como algo incongruente, como se fosse uma simples transposição, sem levar em consideração a especificidade da linguagem cinematográfica. Enquanto os grupos teatrais levavam para a televisão uma forma puramente teatral, seja em relação ao texto, à interpretação do ator, e à duração do espetáculo, os produtores do teleteatro tinham uma preocupação visual mais exigente, pensavam os espetáculos em termos televisivos... (ORTIZ, 1995:73-74)

Enfim, como o cinema já fora no país um teatro fake, a TV era ora um fake de teatro, ora do próprio cinema. Se era cópia da cópia, quanto mais se distanciava de encenações em tempo real, mais se sofisticava em iludir a realidade, fazendo-a recuar ao ponto do público esquecer que ali estavam atores e personagens. Aproveitava o delírio para transformar suas próprias imagens em modelo de vida.

Por isso os profissionais de teleteatro, que eram funcionários da empresa e não autônomos como os de teatro, se consideravam mais modernos e atualizados ao adaptarem as técnicas teatrais à semiótica da imagem. Nesse processo o tele- teatro vai se transfigurando telenovela, forma dramática tida como menor, que funciona como prolongamento da radionovela, tendo o cinema como padrão para o movimento de câmera e para os cortes de cena.

Numa indústria cultural incipiente, a televisão, assim como o cinema e o rádio, se fazem marcar pela improvisação e pelo experimentalismo, tendo por diapasão a mobilidade de profissionais, a migração de estratégias e o fluxo de gêneros e estilos entre os vários setores da comunicação e da arte. Caracterizados pelo acúmulo de funções de seu pessoal, acarretam a realização incompleta de especializações e constroem profissionais como Dercy, que fazia de uma só vez

153 teatro, cinema e televisão na década de 60; Walter Durst que do Cinema em

Casa, um improvável programa de rádio que fazia com Cassiano Gabus Mendes,

narrando imagens de filmes, idealiza o teleteatro e escreve telenovelas; Walter Clark que se tornou diretor de vendas da TV Rio porque era publicitário e escritor de radionovelas.

Do ponto de vista da encenação – para já não restringir a questão à interpretação, uma vez que, como no próprio teatro popular, eram os atrativos mais concretos da visualidade que passavam para o primeiro plano - todos esses veículos tinham como espaço privilegiado de empréstimos o teatro popular brasileiro, ele próprio forjado na improvisação e na precariedade, mestre em suplantar limitações e em sobreviver de bilheteria, não de ideais.

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5.1. DERCY E O CINEMA.

Não me lembro exatamente de quantos filmes fiz, porque para mim não era um meio de vida, era um bico muito mal pago, mas dinheiro não aceita desaforo, e só negaceio trabalho que me ofende, só digo não quando um texto não é um texto, é um insulto à minha pessoa e à minha inteligência.

Dercy Gonçalves217

O cinema brasileiro da primeira e incipiente era industrial optou desde o início da década de 30 por filmes caipiras e carnavalizados, dentre os quais um dos primeiros foi o já comentado Acabaram-se os otários, com produção de Luis de Barros, protagonizado por Genésio Arruda e Tom Bill, em 1929218. A recente sonorização direta da película o levava a estabelecer com vantagem sobre o rádio, as mesmas trocas estéticas e comerciais que de há muito esse veículo entabulava com o teatro de revista.

As revistas ofereciam à época a melhor fonte popular de que se podia dispor, pois já sendo expressão urbano-industrial, ainda respondiam a culturas regionais. Permitiam que se fizesse de modo local, filmes equivalentes aos musicais americanos em voga. Para tal, não faltava criatividade paródica ou técnica. Tanto que a sonorização de Acabaram-se os otários parece ter ficado por conta de um aparelho inventado na própria produtora de Barros e Bill, com o nome de Sincrocinex (COSTA, 2008:67). Evitando custos de importação, deu seguimento a

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AMARAL (1994:104). 218

Embora Acabaram-se os otários seja o primeiro filme sonorizado resultante de interações com tipos e estratégias revisteiras, não foi o primeiro filme sonorizado brasileiro. Deve-se lembrar que o italiano Paulo Benedetti já encontrara meios de sonorizar filmes desde meados de 1910. Em seu estúdio no Catete, fez em setembro de 29 uma série de curta- metragens com músicos populares, entre eles, Almirante, Noel Rosa e João de Barro (AUGUSTO, 1989:78). Da ótica do cinema estético das vanguardas intelectuais nativas, também houve, em 1929, o documentário São Paulo,

sinfonia da metrópole, de Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeni, inspirado em Berlim, sinfonia da

metrópole, de Walter Ruttmann, que não se pode negar, oferecia um exemplo de “par-ode” levada a sério.

156 uma leva de fitas sonorizadas, entre eles O Babão, que em dezembro de 1930 já parodiava o sucesso norte-americano de O Pagão, com Genésio Arruda imitando o galã Ramon Navarro e cantando uma versão brasileiríssima de Pagan love

song, a principal canção do original. Na ocasião, já se inseria também na

apropriação paródica a marcha Dá Nela, de Ary Barroso, sucesso de carnaval daquele ano na voz de Francisco Alves. No ano seguinte, estourava Coisas

Nossas, dirigido por Wallace Downey, um norte-americano radicado no Brasil, com

Procópio Ferreira cantando Singing in the rain no banheiro. Foi anunciado pelo jornal O Estado de São Paulo como “o maior recorde de bilheteria deste ano,

incluindo filmes de todas as procedências e nacionalidades” (VIANY, 1959:115-

116). A estratégia, certamente de orientação ideológica e tonal bem distinta, mas do ponto de vista da estruturação dialógica, surpreendentemente próxima da “estética da fome” que embasaria décadas mais tarde o Cinema Novo, resumia-se em assumir no próprio filme a incapacidade nativa de fazer cinema senão de modo artesanal e popular.

Nas primeiras fitas “revisteiras” já estavam praticamente firmados os princípios que viriam posteriormente caracterizar as chanchadas. Essas seriam nada mais que comédias populares já não necessariamente carnavalescas, mas plenamente carnavalizadas. Ou seja, absorviam a visão carnavalizada de mundo e a distribuíam pela película como recurso estrutural e estético. Não inventavam nova