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1 3 OS PASCOALINOS – CHANSONIEURS DE REVISTA

AMBIVALÊNCIAS DE ORIGEM: DE DOLORES À DERCY, A INOXIDÁVEL 9

1 3 OS PASCOALINOS – CHANSONIEURS DE REVISTA

Eu não premeditei nada, nem estudei coisa alguma. Tudo o que faço foi a própria vida que me deu. (...) Fui sentindo, vendo e observando. Sou brasileira!

Dercy Gonçalves28 Foi também como cantora29 que Dercy chegou ao teatro de revista, gênero que nada deixava a desejar quer para os desafios de improviso do mambembe, quer para a prontidão corporal do circo.

Ainda Dolores e vivendo em Madalena, viajara certa vez com o pai para o Rio de Janeiro e este a levara ao Recreio para ver uma revista de Margarida Max30. Nunca mais se esquecera. E era aí que a cantora queria chegar, razão pela qual resolveu tentar a sorte com seu partner, Eugênio Pascoal, em São Paulo.

Não escolheram o Rio, à época Meca da revista nacional, porque Pascoal andava doente e tinha em São Paulo um irmão que poderia ajudá-lo. De fato, obteve ajuda e com essa veio o diagnóstico: estava tuberculoso. Precisou mudar-se para o clima frio de Atibaia, deixando Dercy sozinha na cidade a procura de trabalho.

Antes, contudo, trabalharam em companhias paulistas e mambembaram pelo estado. Passaram por Santos e Sorocaba, período do qual restam poucos documentos. Um deles, a fotografia enviada por Dercy em novembro de 1929 à

28

In KHOURY (2000:28). 29

Cf. CD: AMBIVALÊNCIAS DE ORIGEM / OS PASCOALINOS – Imagem 1. Dercy de Os

Pascoalinos.

30 cidade natal, em nome de D. Vitória, justamente a vizinha que provocara a separação de seus pais e depois de sua fuga funcionava como ponte com a família ressentida31. O outro, uma pequena nota policial, encontrada à página de um jornal sorocabano de 1931:

Foi apprehendido pela policia e restituindo [sic] à legítima dona, que é Dercy Gonçalves, da troupe "Pascoalinos", um vestido fino, furtado por Elsa de tal, da mesma troupe32.

Pode-se supor, desse modo, que a temporada paulista de Os Pascoalinos durou por volta de dois anos. Nesse período foram chansonieurs de boas companhias, como a do famoso Vicente Felício, que segundo a atriz, criou o malandro paulista

que deve ter servido de inspiração para o compositor Adoniran Barbosa

(KHOURY, 2000:46-47). Mas também trabalharam em grupos mais modestos, como a Companhia Ada e Lage, um casal idoso que só excursionava pelo interior. Só no final de 1931 é que Pascoal foi para Atibaia, deixando Dercy sozinha na capital.

Considerada sua inexperiência, esta não se deu mal. Disposta a sobreviver, foi cantora de números românticos e regionais na Companhia Genésio Arruda33, que já então se dedicava ao gênero livre. Dessa época, a atriz se lembrava de Margarida Del Castilho, a atração da companhia, que era muito ousada e

engraçada, pois ia tirando as roupas aos poucos e, quando ficava totalmente nua, se virava de costas para a platéia e batia palmas com a bunda (KHOURY,

2000:47).

Nada tinham demais as revistas de Genésioalémdesses erotismos picarescos já no fim da récita, momento em que as senhoras se retiravam, deixando a platéia só para os homens. As argentinas, às vezes falsas, estrangeiras só no nome, então se exibiam em “nu artístico”. As mais inteligentes, ao que parece, levavam-se

31

Cf. CD: AMBIVALÊNCIAS DE ORIGEM / OS PASCOALINOS – Imagem 3. A dupla em Santos -

1929. 32

In O Cruzeiro do Sul. Sorocaba, 21 set.1931, p.4. 33

31 pouco a sério, portando-se com a mesma galhardia e humor paródico que tresandava na outra parte, mais decente ou “familiar” do espetáculo.

Genésio Arruda era artista bastante conhecido por fazer o tipo caipira ou o tipo italiano acaipirado, típicos da revista paulista. Viera do circo, onde fizera dupla com Tom Bill. Além disso, em 1929, levara seu personagem para o cinema, fazendo Acabaram-se os otários, de Luiz de Barros34, que sonorizara pela primeira vez o sotaque caipira. E dar figura e voz ao caipira no cinema lhe trouxera tanta fama, que a partir do ano seguinte passara a comandar um dos primeiros programas sertanejos transmitidos pela Rádio Tupy.

Logo, trabalhar com Genésio mesmo em período de crise, quando sua companhia já apelava para o gênero livre como modo de reforçar a bilheteria, era uma proeza importante para quem saíra recentemente do ambiente familiar do mambembe. No entanto, era ainda pouco para quem sonhava ser Margarida Max. Assim Dercy tratou de se aproximar de revistas menos extravagantes. Apresentada por Delorges Caminha (KHOURY, 2000:46), quase chegou a integrar, à época, o elenco de outro Arruda notável, dessa vez Sebastião, não um divulgador do tipo caipira da revista paulista, mas seu próprio criador35.

A atriz contava que só não fez parte da famosa companhia de Arruda porque deu azar de “travar” no palco no Teatro Boa Vista no dia da estréia (AMARAL: 1994:45). Soube no último momento, nas coxias, que Bambo de Bambu36, a música cheia de dengos, requebros e trava-línguas que ensaiara com tanto desembaraço, fora cantada no mesmo número de cortina pela grande, a seu ver insubstituível, Otília Amorim e paralisou tão logo entrou em cena. Foi despedida, pois não se perdoava na revista, assim como no circo, a quebra da ação ou do ritmo, já que em ambos a magia estava justamente no tempo acelerado, mas exato, dos corpos em movimento.

34 Cf. CD: Idem – Imagens 6 e 7. Genésio Arruda e cartaz de Acabaram-se os otários (1929). 35 Cf. CD: Idem – Imagens 8 e 9. Sebastião Arruda em revista.

36

Bambo de Bambu, de Almirante e Valdo de Abreu. Foi regravada por Ney Matogrosso e consta do CD Batuque.

32 Com isso perdeu a chance de se tornar revisteira paulista, mas não a vontade de fazer revista. Voltou no mesmo ano para o Rio com seu partner, o mal curado, mas ainda exímio seresteiro Eugênio Pascoal, e foram bater à porta da Casa de Caboclo, onde o paulista Genésio Arruda já fazia ponte com a revista carioca.

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